A
construção da narrativa que ignora o vírus
Estávamos
em março de 2020 quando eu disse que a estratégia de Bolsonaro para (não) lidar
com a pandemia seria esperar que as medidas impostas por governadores e
prefeitos funcionassem a ponto de garantir que a crise de saúde desse lugar à
crise econômica. Aí, poderia dizer que a culpa da miséria vivenciada por muitos
brasileiros na ressaca da pandemia era responsabilidade de todos, menos dele,
que, embora presidente, havia tido as suas mãos amarradas pelo STF.
Esse
discurso começa a degringolar com a atitude tresloucada de se contrapor à
vacina. Mesmo quem tem método sucumbe à própria vaidade. Ora, a vacina é a
forma que temos hoje de pensar no retorno à normalidade. Esse era,
supostamente, o desejo de um presidente que falava contra o isolamento. Por
culpa de Bolsonaro, entretanto, não temos vacinas.
E, se não temos vacinas, temos uma segunda onda, que, ao deixar sem ar os pacientes de Manaus, escancarou a incompetência do governo. Temos hoje em São Paulo a maior ocupação de leitos de UTI desde o início da pandemia. A Bahia já tem 80% dos leitos ocupados. No Rio de Janeiro a situação é ainda pior.
Pode
ser coincidência, mas é curioso que, num ponto crítico da segunda onda,
estejamos discutindo o discurso antidemocrático que levou à prisão de um aliado
do governo e a interferência do presidente na Petrobras, que depois vira afago
nas redes ao ministro Paulo Guedes. Para animar uma torcida liberal
recentemente frustrada, o presidente falou até em privatização, coisa que ele
parecia ter esquecido de defender quando aglomerou com apoiadores no Ceagesp.
Os
assuntos são todos relevantes, merecem discussão. O tema principal, entretanto,
continua sendo a pandemia, que já causou 250 mil mortes num país que ainda não
resolveu como vai vacinar a sua população.
Bolsonaro, ao pautar as nossas discussões, constrói o cenário adequado para edificar sobre a nossa falta de estratégia o alicerce da narrativa que lhe favorece.
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