Anulação
de provas contra Flávio pelo STJ pode ser devastadora para investigação
Causou
justificada apreensão a decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou
provas apresentadas por promotores do Rio de Janeiro contra o senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ), anunciada na terça-feira (23).
A
Quinta Turma do STJ considerou ilegal a quebra de sigilo bancário e fiscal do
filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, determinada numa investigação
sobre desvios em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.
A
maioria do colegiado seguiu a opinião do ministro João Otávio de Noronha,
deixando isolado o ministro Felix Fischer, relator do caso de Flávio e das
ações da Operação Lava Jato no tribunal.
Na
visão de Noronha e dos que o acompanharam, o juiz de primeiro grau que
autorizou a devassa nas contas do filho do presidente não fundamentou a decisão
adequadamente, limitando-se a endossar as razões dos promotores.
A
menção pareceu suficiente a Fischer, combinada com o fato de que o juiz
ratificara a medida em despacho mais detalhado depois, mas a maioria da turma
concluiu que ele o fizera tarde demais.
Os
efeitos da decisão do STJ tendem a ser devastadores para o trabalho dos
promotores do Rio, que há dois anos investigam o envolvimento de Flávio com o
chamado esquema da rachadinha.
O
Ministério Público aponta o filho de Bolsonaro como chefe de uma organização
que teria desviado R$ 6 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa,
apropriando-se de parte dos salários de servidores do seu gabinete.
Graças à quebra do sigilo, surgiram evidências de que o senador movimentou grandes quantias em espécie, usando parte dos recursos para custear despesas pessoais e fazer negócios com imóveis.
Em
decorrência da decisão do STJ, podem vir a ser anuladas outras provas obtidas
pelos promotores, o que levaria os investigadores de volta à estaca zero e
tornaria inviável a reconstrução do caso.
Além
do risco de impunidade, a medida preocupa por causa de outras motivações em
jogo. Autor da tese que prevaleceu na turma, Noronha tem buscado aproximação
com o Planalto e sonha com a vaga que em breve se abrirá no Supremo Tribunal
Federal, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
Não
há dúvida de que compete ao Judiciário zelar para que investigações criminais
não incorram em abusos que, infelizmente, contam muitas vezes com o olhar
complacente dos magistrados.
Mas
o uso dessas garantias como escudo para que o filho de Bolsonaro escape ao
rigor da Justiça aponta direção perigosa —e enfraquece barreiras que os
tribunais têm erguido para conter os impulsos autoritários do chefe do
Executivo.
Auxílios locais – Opinião / Folha de S. Paulo
Com
caixa reforçado pela União, estados e municípios também devem amparar pobres
Pressões
políticas, econômicas e sociais convenceram o governo Jair Bolsonaro a renovar
o auxílio emergencial, em formato ainda a ser definido. Estados e municípios,
contudo, podem e devem engajar-se no esforço de minorar as perdas da população
pobre com a paralisia de atividades na pandemia.
A
cidade de São Paulo avança nessa direção, com o prefeito Bruno Covas (PSDB) e a
Câmara Municipal prorrogando
por três meses o pagamento mensal de R$ 100 a paulistanos cadastrados
no Bolsa Família. O projeto foi aprovado nesta quarta-feira (24).
Governos
estaduais e municipalidades deveriam seguir o exemplo e ajudar aqueles que, por
penúria crônica ou desemprego induzido pela epidemia, se veem sem meios de
prover o básico para familiares. No que estiver ao seu alcance, por certo,
porque não se trata de abraçar medidas demagógicas à custa da prudência
orçamentária.
Várias
administrações regionais e locais estão em situação de fazê-lo sem risco para o
equilíbrio fiscal. O economista Marcos Mendes, colunista da Folha, calculou que
o pacote federal de ajuda aos governos regionais tenha ultrapassado, até
setembro, em R$ 36 bilhões as perdas de arrecadação e dispêndios
extraordinários desses entes.
A
pandemia onerou cofres federais de maneira desproporcional ante estados e
municípios, que puderam melhorar suas finanças no período. Com o agravamento
pronunciado das infecções e mortes por Covid, chegou o momento de estes também
darem contribuição para amparar quem sofre o impacto mais doloroso das
incontornáveis restrições às atividades empresariais e à mobilidade social.
Dá-se
por suposto que as condições variam muito de governo a governo e que o programa
possível, sem comprometer os cofres públicos, terá valor e duração diferente em
cada lugar. Se governadores e prefeitos se acomodarem, contudo, cabe a
deputados estaduais e vereadores tomarem a iniciativa.
A
esses parlamentares compete ainda buscar que a ajuda cabível contemple o maior
número possível de famílias necessitadas. No caso paulistano, infelizmente,
estima-se que haja 320 mil domicílios que se enquadrariam nos critérios do
Bolsa Família e não se encontram nele cadastrados.
É
imperioso envidar esforços para que ninguém fique sem esse salva-vidas no pior
momento da pandemia, resultado direto da negligência e da inépcia federais.
Uma porta para a privatização – Opinião / O Estado de S. Paulo
Se
for levada a sério, privatização de empresas como a Eletrobrás poderá ser
importante para o crescimento econômico do País e aliviar finanças públicas
Com dois anos de atraso em relação às promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro começa, enfim, a mexer na privatização de empresas controladas pela União. O primeiro passo será vender a Eletrobrás. Se for levado a sério, esse lance poderá ser importante para o crescimento econômico do País, além de proporcionar algum alívio às finanças públicas. Serão necessários investimentos de R$ 407 bilhões em geração e distribuição de eletricidade até 2030, segundo o Ministério de Minas e Energia, e é mais seguro deixar essa tarefa para o setor privado. O investimento necessário, é fácil perceber, poderá ser maior, se a economia brasileira sair do atoleiro e avançar mais velozmente do que hoje se prevê.
Para
o presidente da República, o efeito imediato da iniciativa, anunciada na
terça-feira, foi a melhora de humor do mercado, depois de sua desastrada,
custosa e vexaminosa interferência na Petrobrás, com efeitos no Brasil e em
Nova York, importante fonte de capital para a empresa. Essa intervenção foi uma
tentativa autoritária, realizada no mais tosco estilo populista, de submeter a
política de preços de combustíveis a interesses de caminhoneiros. Esse grupo
foi apoiado por Bolsonaro no bloqueio de rodovias em 2018, quando ele disputava
a eleição presidencial. O vínculo permaneceu.
Empenhado
em se mostrar disposto a superar o vexame, o presidente, seguido por uma
comitiva de ministros, atravessou a pé a Praça dos Três Poderes para levar ao
Congresso a Medida Provisória (MP) 1.031. Longo e complexo, esse documento
enumera as condições de capitalização e de transferência de controle da
Eletrobrás.
A
agenda de privatização, disse o presidente durante o encontro com os
congressistas, “continua a todo vapor”. Mas nunca se abriu essa agenda, em mais
de dois anos, nem se viu o vapor, e mais de metade do mandato se esgotou sem a
venda de uma única empresa. Em agosto do ano passado, o então secretário
especial de Desestatização e Privatizações, Salim Mattar, deixou o posto e atribuiu
ao presidente a decisão de abandonar a agenda para se reeleger.
Mas
a MP da Eletrobrás pode ser o início de algo promissor, se aprovada sem grande
mutilação. Esta pode ser uma hipótese muito otimista, mas a possibilidade de
uma primeira e importante desestatização vale o esforço de acompanhamento.
Pouco importa o real interesse de Bolsonaro. A MP contém muito mais que a mera
autorização ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
para estudar a forma de privatização de uma grande estatal.
Com
3 capítulos, 18 artigos e um grande número de detalhes técnicos, a MP 1.031
preenche seis páginas impressas e estabelece condições complexas para uma
redistribuição do poder sobre o sistema gerador e distribuidor de eletricidade.
Pela proposta, a União deixará de ser majoritária, mas disporá de uma golden
share para vetar certas iniciativas. O texto proíbe a formação de grupos com
mais de 10% do capital votante e mantém sob controle estatal a Eletrobrás
Termonuclear S.A. e a Itaipu Binacional.
Além
disso, as concessionárias sob controle privado terão certas obrigações
especiais, como promover a revitalização do Rio São Francisco e de bacias
hidrográficas da área das usinas de Furnas.
A
exposição de motivos anexada ao projeto é assinada pelos ministros de Minas e
Energia, Bento Albuquerque, e da Economia, Paulo Guedes, e tem a data de 12 de
fevereiro.
É
arriscado afirmar se o presidente Bolsonaro encaminhou a MP ao Congresso na
terça-feira só por causa do vexame dos dias anteriores ou se a entrega já
estava programada. É enorme exagero, de toda forma, reduzir a MP a um mero
movimento de recuperação de imagem e de agrado ao ministro Paulo Guedes,
desprestigiado na demissão do presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco,
seu indicado para o posto. Não se improvisa uma MP tão complexa. Mas é difícil,
de toda forma, apostar no compromisso de Bolsonaro e de seus aliados com a
privatização da Eletrobrás. É preciso acompanhar e cobrar.
Mais
uma vez, o Supremo Tribunal Federal valoriza o princípio federativo
Mais uma vez no curso desta pandemia de covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) valorizou o federalismo, princípio sobre o qual se erige o Estado brasileiro. Por unanimidade, o Supremo decidiu que Estados e municípios podem adquirir vacinas contra a covid-19 caso a União falhe ou seja omissa no fornecimento das doses necessárias por meio do Plano Nacional de Imunizações (PNI). A autorização do STF também vale para os casos em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) descumpra o prazo de 72 horas para autorizar o uso de imunizantes já aprovados para distribuição pelas agências sanitárias dos Estados Unidos, da China, do Japão, do Reino Unido e da União Europeia.
Com
clareza didática, como se estivesse a ensinar o que vem a ser uma República
Federativa, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação proposta pela Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), anotou em seu voto que “o federalismo
cooperativo, longe de ser mera peça retórica, exige que os entes federativos se
apoiem mutuamente, deixando de lado as eventuais divergências ideológicas ou
partidárias de seus respectivos governantes, sobretudo diante da grave crise
sanitária e econômica decorrente da calamidade pública causada pelo novo
coronavírus”. O ministro foi acompanhado por todos os seus pares.
Em
face da omissão irresponsável do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da
Saúde, o intendente Eduardo Pazuello, na gestão da mais grave crise sanitária a
se abater sobre a Nação em mais de um século, é um alívio ver que o STF tem se
mostrado não apenas cioso dos preceitos constitucionais, como seria de esperar,
mas sensível às angústias de milhões de brasileiros que se veem órfãos de um
governo que é incapaz de demonstrar preocupação autêntica com a saúde e o
bem-estar da população.
A
sensibilidade do STF já havia sido demonstrada muito antes de essa tragédia
adquirir a dimensão que tem hoje. Em abril de 2020, pouco mais de um mês após a
Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de covid-19, os ministros da
Corte Suprema, também por unanimidade, reconheceram a competência concorrente
da União, Estados e municípios para adotar as medidas de preservação da saúde
pública que julgassem mais adequadas às realidades de cada ente federativo,
como imposição de regras de isolamento social e fechamento de escolas e
comércio.
Aquela
decisão, já histórica, desde então tem sido distorcida por Jair Bolsonaro e
seus apoiadores mais radicais de forma a minimizar a responsabilidade do presidente
da República pela sucessão de erros que marcam o Brasil como um dos piores
países do mundo no combate à pandemia.
Não
é improvável que a nova decisão do STF também seja distorcida por Bolsonaro.
Mas, tal como em 2020, o STF foi muito claro: só a falha ou omissão do governo
federal, responsável maior pela compra das vacinas, autoriza a ação de Estados
e municípios.
Se
o País está longe de ter todas as vacinas de que precisa, isso se deve ao
descaso de Bolsonaro e sua obscurantista opção por desprestigiar a ciência, não
raro agindo contra fatos ou moldando-os em seu favor. Com os recursos que
jamais faltaram e a experiência em vacinação em massa, o Brasil poderia ser
líder do processo de imunização contra a covid-19 no continente. Mas, para
isso, Bolsonaro teria de ter tido o bom senso de deixar a ideologia e seus
interesses particulares de lado e apostar na ciência quando se viu diante de
uma crise de saúde para administrar.
Ou
seja, o presidente do Brasil teria de ser outro.
Aqui
bem perto, quem dá o bom exemplo é o Chile. A vacinação no país representa o
triunfo dessa abordagem mais científica e humanizada da pandemia. Lá, 15% da
população já está vacinada contra o novo coronavírus e o governo do presidente
Sebastián Piñera, que está longe de ser uma unanimidade, prevê que todos os
cidadãos nos grupos de risco estarão protegidos até o final do primeiro
trimestre deste ano. Que inveja.
Muito a explicar – Opinião / O Estado de S. Paulo
Os
indícios contra Flávio não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida
A comemoração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em relação à decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se tivesse sido declarado inocente no caso das rachadinhas, revela uma enorme confusão. A Corte apenas declarou a nulidade da decisão judicial que decretou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.
Por
4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ não disse que o senador Flávio Bolsonaro é
inocente, tampouco afirmou que as informações sobre as movimentações financeiras
são falsas. Apenas entendeu que o juiz Flávio Itabaiana não fundamentou
devidamente a decisão sobre a quebra do sigilo bancário e fiscal. É, assim, uma
questão processual.
Faz-se
necessário lembrar o óbvio. O caso das rachadinhas ainda não foi esclarecido,
não havendo a rigor nenhum motivo para comemoração por parte do senador. O que
se tem – e isso nenhuma decisão meramente processual do Judiciário modifica – é
um robusto conjunto de indícios envolvendo o filho do presidente da República
com apropriação de parte de salários de assessores parlamentares.
Trata-se
de um sério escândalo. Ainda mais porque envolve a família de quem foi eleito
pregando a honestidade e prometendo eliminar o uso do poder público para fins
pessoais. A prática da rachadinha é precisamente o abuso de uma posição de
poder para obter vantagens pessoais.
Não
é demais lembrar que Flávio Bolsonaro não é o único membro da família envolvido
com suspeitas de rachadinha. Há indícios de que essa prática, que fere os
comezinhos princípios republicanos, também ocorreu no gabinete do então
deputado federal Jair Bolsonaro.
Malgrado
Bolsonaro ter sido eleito como campeão do antipetismo, o presidente e sua prole
têm baseado sua defesa, no caso das rachadinhas, em questões processuais e na
tese da perseguição política, tal como fez o ex-presidente Lula da Silva. Nesse
ponto, os Bolsonaros têm mais em comum com o demiurgo de Garanhuns do que
gostariam de admitir.
Em
primeiro lugar, nem Jair Bolsonaro nem seu filho Flávio apresentaram até agora
uma explicação convincente sobre as movimentações financeiras atípicas.
Insinuam que são alvos de complô de “infiltrados” na Receita Federal, no Coaf,
no Ministério Público e na Justiça, todos interessados em derrubar o
presidente.
Quando
Flávio Bolsonaro diz que o caso da rachadinha é apenas um modo de atingir o seu
pai, sem se dar ao trabalho de explicar a exótica movimentação de dinheiro
entre assessores do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, o País tem a clara sensação de ver a reprise de uma história bastante
conhecida. Sem explicar o que precisa ser explicado, o primogênito de Jair
Bolsonaro recorre à tese de que é vítima da Justiça, tal como fez e ainda faz o
sr. Lula da Silva.
Outra
semelhança que a cada dia fica mais evidente entre aqueles que gostam de se
apresentar como opostos no campo político é a estratégia processual. Sem
enfrentar a questão de mérito, Flávio Bolsonaro vale-se de objeções
processuais. Não há defesa da transparência, da lisura e da intransigência com
o mau uso do dinheiro público. O que há é tão somente a tentativa de evitar que
a Justiça alcance seus dados financeiros e fiscais.
É
um escárnio com a população, que deseja outro patamar moral e cívico na
administração da coisa pública, pretender que suspeitas de crimes sejam
abafadas a partir de questões processuais. Na verdade, a decisão da Quinta
Turma do STJ não é nenhuma vitória do senador Flávio Bolsonaro. É antes prova
de que a família Bolsonaro pretende se esquivar das respostas à população com
base em manobras. Sobre esse caminho, de fato o sr. Lula da Silva, que recorreu
até ao papa em sua campanha contra o Judiciário, tem muito a ensinar.
A
lei processual penal deve ser estritamente seguida, uma vez que protege
direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Mas esse cuidado com o
processo penal não é sinônimo de impunidade. Os indícios das rachadinhas não
foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida. Numa República, todos devem
responder pelos seus atos, seja qual for sua ascendência.
Para Bolsonaro, o Brasil está abaixo de tudo – Opinião / O Globo
Há quem critique o governo Bolsonaro por inconsistência e falta de projeto. Ele chama Paulo Guedes, um ministro de orientação liberal, para conduzir a economia, aí empurra reformas com a barriga, suspende privatizações e intervém na Petrobras para manipular o preço dos combustíveis. Chama outro ministro consagrado pelo combate à corrupção na Operação Lava-Jato, o ex-juiz Sergio Moro, para Justiça e Segurança Pública, depois o frita até queimar e faz de tudo para desmontar os avanços institucionais derivados da operação.
Os
atos de Bolsonaro podem parecer contraditórios e dar a impressão de uma biruta
giratória que age ao sabor dos ventos. Mas não são inconsistentes. Há um
objetivo claro por trás deles, com prioridades definidas e um estilo próprio de
governo. De certa forma, o Brasil de Bolsonaro se assemelha a um condomínio em
que o síndico é um capitão do Exército. Quer mandar em tudo, tem seus
condôminos prediletos, em favor dos quais se desdobra.
A
ordem das prioridades é conhecida. Primeiro, a família, como ficou claro na
decisão do STJ que deverá livrar o filho Flávio, o Zero Um, no caso das
rachadinhas. Em seguida, policiais, milicianos, militares, caminhoneiros e a
claque que bate palmas e o chama de “mito” a cada barbaridade que solta (em
especial na pauta de costumes). Suas decisões são tomadas pensando apenas
nesses públicos, e para eles vale tudo o que estiver a seu alcance.
Vale
acenar com uma vaga no STF ao ministro do STJ que julgará recursos da defesa de
seu filho num caso repleto de provas. Vale demitir o presidente da Petrobras,
Roberto Castello Branco, para tentar manipular o preço do diesel em favor de
sua base eleitoral de caminhoneiros. Pouco importa que, na tentativa de zerar
os impostos federais sobre o combustível, deixe de indicar uma compensação pela
perda de receita, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Vale
emitir decretos por cima da competência do Legislativo para facilitar o acesso
a armas, com o objetivo velado de reunir uma milícia particular, tornando letra
morta o Estatuto do Desarmamento. Vale interferir em todas as reformas, a
começar pela da Previdência, para incluir artigos que privilegiem as
corporações de policiais e militares. Vale usar a política externa para agradar
a grupos religiosos, ainda que isso tenha transformado o país num pária nos
organismos internacionais.
Vale,
por fim, embarcar no negacionismo científico, desdenhar máscaras, vacinas e o
distanciamento social para vender ilusões aos incautos, sem a menor sombra de
preocupação com os 250 mil mortos pela Covid-19.
Enquanto
Bolsonaro fizer tudo isso dentro da lei, está em seu direito. E não existem,
até o momento, as circunstâncias políticas associadas a um processo de
impeachment. O que existe é, apenas e tão somente, a nítida sensação,
comprovada dia após dia, de que, na lista de prioridades de Bolsonaro, o Brasil
está abaixo de tudo.
Medidas de contenção à brasileira dificultam combate à Covid-19 – Opinião / O Globo
Na falta de diretrizes claras do Ministério da Saúde, cada um dos 5.570 municípios brasileiros busca enfrentar a pandemia de Covid-19 a seu jeito, embora a severidade da doença não seja tão diferente de uma cidade para outra. O descompasso cria situações bizarras. Numa mesma rua em São Paulo, moradores seguem regras distintas, como mostrou o “Jornal Hoje”. De um lado, sob administração de São Bernardo, valerá, a partir do fim de semana, toque de recolher das 22h às 5h. Do outro, sob jurisdição de Diadema, não haverá restrições. Para escapar ao confinamento, basta mudar de calçada.
Essa
situação esdrúxula já tinha ocorrido no ano passado, quando prefeituras
passaram a adotar medidas de restrição para conter a disseminação do vírus. Em
São Paulo, um shopping na divisa entre Sorocaba e Votorantim manteve apenas
parte das lojas fechadas, já que as regras para funcionamento do comércio não
essencial eram diferentes nas duas cidades.
Não
se discute a autonomia das prefeituras para tomar medidas que visam a
restringir o contágio. Foi um avanço a decisão do Supremo ao reconhecer o
direito de estados e municípios para adotá-las. Diferentemente do que diz o
presidente Jair Bolsonaro, o STF não eximiu o governo federal de responsabilidades.
Apenas determinou que as iniciativas fossem compartilhadas. Quem abdicou de
suas obrigações foi o Palácio do Planalto, abandonando estados e municípios à
própria sorte. Se dependesse do governo federal, não haveria nem
distanciamento, tratado como neurose por Bolsonaro.
Situação
semelhante ocorre agora com as vacinas. O Supremo autorizou estados e
municípios a comprar suas próprias doses, caso não as recebam do Ministério da
Saúde. Pode não ser o ideal, já que o vírus desconhece divisões territoriais.
Mas é conhecida a inépcia do governo Bolsonaro para tratar do assunto. Na
terça-feira, a vacinação estava suspensa em pelo menos dez capitais. O
Ministério da Saúde conseguiu transformar num fiasco o Programa Nacional de
Imunização, que já foi referência internacional. Em um mês de campanha, o país
imunizou menos de 3% da população.
Se,
numa situação de calamidade, a autonomia concedida aos municípios tem salvado
vidas, é inegável que a falta de coordenação por parte do Ministério da Saúde
dificulta o enfrentamento da pandemia. Claro que cada região tem suas
especificidades. Mas há problemas comuns. A iminência de colapso nas redes
públicas de saúde aflige quase todos os estados do país.
Com
lockdowns à brasileira, flexibilizações que mantêm escolas fechadas e bares
abertos, toques de recolher seletivos e vacinação intermitente, dificilmente o
país conseguirá deter a tragédia que já tirou a vida de 250 mil brasileiros. O
Ministério da Saúde não pode abrir mão de suas obrigações na gestão da crise
sanitária. Ou será que alguém acredita que, com medidas de restrição
irregulares e uma vacinação claudicante, o país conseguirá vencer o novo
coronavírus?
Centrão acelera blindagem judicial de parlamentares – Opinião / Valor Econômico
Com
um Executivo que desdenha da moralidade pública, o estrago para a democracia
das iniciativas do Centrão não encontrará obstáculos para se realizar
O
novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) definiu outras
prioridades além das pautas econômicas do governo - a blindagem dos
parlamentares diante da Justiça é uma delas. A celeridade com que essa agenda
está sendo executada chama a atenção. Sem a instalação das comissões na Câmara,
projetos nesse sentido saem da gaveta e vão diretamente para o plenário. Não se
trata só de evitar acerto de contas judiciais com o passado (políticos do
Centrão têm muitas), de proteção contra pecados do presente (como a prisão de
Daniel Silveira), mas também de garantir o futuro. Um dos pontos de uma
proposta de emenda à Constituição (PEC) que começou a tomar rapidamente forma
dificulta a aplicação da Lei da Ficha Limpa, mesmo após condenação (Valor, ontem).
Como
aperitivo, Lira acatou requerimento de urgência de deputado de seu partido e
enviou diretamente ao plenário projeto de lei que cria o juiz de garantias.
Esse projeto foi resposta parlamentar às acusações de parcialidade contra o
então juiz e depois ministro da Justiça, Sergio Moro. O benefício a
parlamentares envoltos nas malhas da lei é indireto, ao acrescentar morosidade
a processos penais já lentos. O princípio é que o juiz de instrução dos
processos, que autorizam operações de busca e apreensão e prisões preventivas,
não será o juiz que julgará o caso. O ministro Luiz Fux suspendeu a aplicação
de lei semelhante já aprovada por liminar, até julgamento em plenário.
O
caso da prisão do provocador bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) foi o
pretexto urgente para que se iniciasse a coleta rápida de assinaturas para PEC
que restringe a prisão de parlamentares e dificulta o afastamento do mandato.
Já há indícios de que Silveira pode não ser cassado pela Comissão de Ética. Os
deputados do PSDB, PV, DEM, PP, Republicanos, PL e PSD, que se reuniram para
acelerar a tramitação, querem garantias plenas. Lira assegurou que uma vez
atingido o número necessário, a PEC irá também diretamente a plenário.
A
PEC proíbe que juízes de primeira instância autorizem operações de busca e
apreensão nas residências ou gabinetes de parlamentares. Também não terão o
direito de determinar a prisão em flagrante mesmo de crime inafiançável, o que
é um absurdo porque qualquer policial tem o dever de agir diante de tal
situação. Para isso, a proposta muda parcialmente o entendimento de
prerrogativa de foro do STF, que restringiu-a a crimes cometidos durante o
mandato e a ele relacionados. O STF, se o projeto passar, deverá se imiscuir em
investigações de crimes comuns.
A
prisão, após o flagrante por crime inafiançável (os previstos na Constituição,
como racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo etc), só poderá ser feita
por decisão do STF, fora do plantão forense, e só ocorrerá após julgamento no
plenário da Corte. Até que a Câmara autorize ou desautorize a prisão, o
parlamentar ficará sob custódia do Congresso.
O
Judiciário, na PEC, perde a prerrogativa de afastar deputados de seu mandato,
como já fez, e atribuição será exclusiva do parlamento e, nele, de suas
inoperantes e camaradas Comissões de Ética. A Lei da Ficha Limpa é atingida
pelo quesito do projeto que diz que um político só será inelegível após duas
decisões judiciais, mesmo que a primeira seja colegiada. A condenação nas
turmas do STF não bastará - será preciso também a decisão do plenário da Corte.
Péssimas
ideias vêm em bando e de vários lados. Não bastasse a pressa bem focada do
Centrão, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu, a ouvidos interessados no
Congresso, que seria bom mudar a lei de improbidade administrativa. Antes da
sugestão do presidente, destinada segundo ele a retirar burocracias que
“engessam o prefeito”, o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PE) já havia dado
sua contribuição para o aprimoramento profissional do setor público ao defender
a legalidade do nepotismo: “O poder público poderia estar mais bem servido
eventualmente com um parente qualificado do que com um não parente
desqualificado”. (Estado de S. Paulo, ontem). Obviamente, o importante aqui não
é a qualificação, mas o parentesco.
O Centrão, com Lira, turbina uma agenda corporativa que acelera a desmoralização acentuada dos partidos. Há mais por vir nessa trilha: mudanças na legislação eleitoral. Com um Executivo que desdenha da moralidade pública e não serve de anteparo nem de orientador, o estrago para a democracia das iniciativas do Centrão não encontrará obstáculos para se realizar.
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