Silenciosamente,
a gestão de Paulo Guedes cumpre sua missão de destruição do banco
A PEC
emergencial contém o que pode ser um golpe fatal e final no BNDES.
No
seu artigo 4º, inciso 7, a PEC revoga o parágrafo primeiro do artigo 239 da
Constituição. O parágrafo revogado estabelece que no mínimo 28% da arrecadação
do PIS/Pasep será destinada ao “financiamento de programas de desenvolvimento
econômico, por meio do BNDES”.
Até
bem recentemente, em 2019, o percentual de repasse era de 40%. Graças a ação
decisiva do Congresso Nacional, o percentual foi apenas reduzido, ao invés de
ser anulado como gostaria a equipe
econômica de Paulo Guedes. Como mostra a PEC emergencial, Guedes continua
no encalço do BNDES.
O
BNDES aparece na Constituição Federal apenas nesse parágrafo e ele pode ser
revogado sem que qualquer discussão de suas consequências seja esboçada: nas
justificativas do relator, o BNDES não é sequer mencionado.
Os repasses do FAT são a fonte de financiamento (funding) mais importante para o BNDES. Para entender a gravidade da proposta é preciso compreender o que nunca esteve tão claro: o fim dos repasses constitucionais é o último movimento de uma série que foi planejada para acabar com o BNDES. A arquitetura da destruição foi posta em marcha a partir de 2016. Não há dúvida de que a conjunção dos ataques será fatal.
Em
2016 iniciaram-se as antecipações de pagamento dos empréstimos feitos pelo
Tesouro Nacional a partir de 2009, a título de permitir que o BNDES enfrentasse
os desdobramentos da crise
financeira internacional de 2008.
A
antecipação de pagamento determinada pelo governo federal, controlador do
BNDES, fere de forma clara a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nos seus
artigos 36 e 37, criados originalmente para impedir o abuso do controle de
entes da federação sobre os bancos a eles subordinados, como foi o caso dos
bancos estaduais nos anos 1990. Apesar da evidente ilegalidade, a antecipação
do pagamento dos empréstimos foi avalizada pelo TCU e continuou ocorrendo
sistematicamente desde os primeiros R$ 100 bilhões, em 2016.
A
violação da LRF é tão clara que o TCU preferiu recentemente ancorar sua
autorização na tese, também muito frágil, de que os empréstimos foram ilegais.
Interpretação que desautoriza uma decisão aprovada no Congresso Nacional.
Em
seguida à antecipação do pagamento dos empréstimos, em 2017 a competitividade
do BNDES e sua capacidade de influenciar a tomada de decisão do setor privado
foram fortemente atingidas pela mudança radical na formação da sua taxa de
juros base: trocou-se a TJLP (que vigorava desde o Plano Real e era fixada pelo
Conselho Monetário Nacional) pela TLP, uma taxa complexa, indexada e
determinada pelo comportamento de títulos do governo no mercado financeiro.
No
governo Bolsonaro, depois da resistência de Joaquim
Levy ser superada com a nomeação de Gustavo
Montezano, iniciou-se a venda acelerada da carteira de ações da BNDESPar, o
braço de participação acionária do BNDES. Em jogo, como pode se ver, não uma
questão ideológica, mas, talvez, de conhecimento da história brasileira e de
experiência. Uma carteira de mais de R$ 100 bilhões está sendo desfeita no meio
de uma pandemia sob expectativa geral de valorização
de commodities no mundo. Todo “dinheiro deixado na mesa” pelo BNDES,
como diz o jargão, engorda bilionariamente o mercado financeiro privado,
nacional e internacional. Cinquenta anos de existência da BNDESPar, toda a
experiência acumulada, estão indo para o ralo.
Descapitalização,
perda de competitividade, destruição de uma carteira responsável por parte
considerável da lucratividade do BNDES. Para acabar com o banco só faltava a
suspensão dos repasses constitucionais. Silenciosamente, a gestão de Paulo
Guedes cumpre sua missão de destruição.
O
que está em jogo no Congresso Nacional é acabar com uma instituição como o
BNDES sem nenhum plano alternativo, baseando-se apenas na superstição —como
apontava Celso Furtado em relação ao discípulo brasileiro de Adam Smith, o
Visconde de Cairu— do “deixai fazer, deixai passar, deixai vender”. Haja fé na
mão invisível!
*Economista
e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES); foi
recém-eleito para integrar o conselho de administração do BNDES
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