Bolsonaro
não cairá de podre, é o país que pode apodrecer
Ao
mergulhar no populismo dos combustíveis e tarifas, o presidente da República
faz uma aposta que não apenas o posiciona no jogo de 2022 como desmonta o
daqueles que se apresentam para enfrentá-lo.
Na
tentativa de forçar a polarização com o PT, Jair Bolsonaro mexeu-se para
abraçar a pauta do adversário. E foi por ele abraçado. A ordem é “não importa a
cor do gato, o que importa é que mate o rato”.
Nessa
linha, os sindicatos de petroleiros comemoraram a derrubada do ex-presidente da
Petrobras, Castello Branco, e alimentam expectativas, correntes também nos
meios militares, de que a BR Distribuidora venha a ser reestatizada e a venda
de refinarias, suspensa
O
tom com o qual Jair Bolsonaro queixou-se publicamente do trabalho remoto de
Castello Branco, não se diferencia muito daquele que o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tem usado, internamente, para se queixar dos dirigentes
sindicais que evitam se expor às aglomerações da pandemia.
Se
Bolsonaro se move para roubar a bandeira do populismo fiscal, como se
diferenciaria do PT? Com seu programa “Armas para Todos” e com uma pauta
radicalizada nos costumes, acelerando a volta do Brasil ao estágio
pré-civilizatório.
O
jogo é um campo minado para todo o resto. Um aumento médio de 30% nos
combustíveis em menos de dois meses do ano afeta não apenas a base bolsonarista
de caminhoneiros e produtores rurais, mas precarizados de toda ordem que hoje
ganham a vida em aplicativos de transporte. É discurso para o campo e a cidade.
Não é à toa que o enfrentamento deste discurso desnorteie a oposição. Abraçar uma política de preços 100% ditada pelo mercado é um suicídio eleitoral. Atacá-la à la Bolsonaro também o é. Uma coisa é endividar o país quando se tem o poder nas mãos de implementar políticas que gerem crescimento capaz de pagar essa dívida.
Outra
coisa é defender uma política de preços que passe por endividamento acelerado
quando não se tem o poder nas mãos. Cenário que se agrava quando o presidente
de plantão não tem compromisso com resultados, só com a tentativa. E piora em
proporções estratosféricas quando o sócio majoritário é o Centrão.
O
bloco quer acomodar esse avanço populista de Bolsonaro desamarrando os limites
fiscais e destruindo não apenas as vinculações orçamentárias que garantem
alguma chance de resgate da dívida social do país, como é o caso dos recursos
da saúde e da educação.
O
Congresso avança também para desmantelar o próprio Estado, como é o caso da
desvinculação dos recursos que garantem a autonomia da Receita, contida no
substitutivo da PEC emergencial. Sem verba vinculada, os auditores teriam que
negociar todos os anos com o Congresso. Quais serão as próximas vítimas, o
Judiciário, a Polícia Federal? Vão fazer fila para pedir dinheiro àqueles a
quem devem vigiar?
O
Centrão, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixou claro na
“Live do Valor “,
avança até para a intermediação dos recursos para as prefeituras. Quer eliminar
a Caixa Econômica Federal, onde os critérios de liberação são mais rígidos,
como agente dessa intermediação.
O
ideal para o Centrão é que as transferências sejam feitas diretamente dos
ministérios para as prefeituras, como aconteceu no repasse de emendas que
marcou a eleição das Mesas. É um mecanismo por onde fica mais fácil operar as
rachadinhas entre prefeitos e parlamentares.
É
um golpe por dentro das instituições que ameaça desmontar a Constituição. E
conta, no Judiciário, com atores bem postos para prestar serviços à sociedade
Bolsonaro-Centrão, como se viu na invalidação das provas contra o senador
Flávio Bolsonaro, mas não apenas.
As
tentativas do presidente do Supremo, Luiz Fux, de estabelecer pontes com o
Senado que lhe permitissem furar o cerco que lhe é imposto pela trinca Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, esbarraram na eleição do senador
Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência da Comissão de Constituição e
Justiça da Casa.
O
ensaio de aproximação entre Fux e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(DEM-MG) fracassou pela determinação deste em delegar integralmente as questões
relativas ao sistema de justiça ao presidente da CCJ.
Sem
pontes com o Congresso, os ministros que ainda buscam preservar os alicerces do
controle da corrupção podem se tornar cada vez mais reféns das investidas do
desmonte da Lava-Jato. Há expectativas de que, a requisição de informações do
TCU sobre o registro de ligações de integrantes da operação, encontre ministros
do Supremo do outro lado da linha.
A
sociedade entre Bolsonaro, Centrão e Judiciário é o que faz com que o populismo
fiscal do atual presidente seja muito mais grave do que aquele observado no
governo Dilma Rousseff. A ex-presidente foi derrubada pela aliança de um
mercado incomodado com a gastança e um Centrão/Supremo reativo à inação do
governo frente ao avanço do programa “Lama para Todos”, patrocinado por juízes,
procuradores e policiais federais.
O
que torna a situação de hoje mais grave não é a rouquidão do 'Fora Bolsonaro'.
Pior é a interdição de alianças que projetem alternativas competitivas para
2022, a começar pela aproximação entre esquerda e centro
Trata-se
de uma corrida de obstáculos. A começar pela modulação programática. A esquerda
se sente desobrigada de fazer concessões liberais ante um mercado que jogou na
retranca quando seus presidentes estiveram no poder.
E
ainda investe, ao lado do Centrão, na desidratação das instituições de
controle. Justifica-se com o argumento de que, ao longo de seus governos, atuou
para fortalecê-las e recebeu, como retribuição, atuações desmedidas contra suas
lideranças.
Entre
as lideranças de centro, a visão não é menos embaçada. Consumidos na
fulanização de suas vaidades, estão mais interessados em comer pelas beiradas a
aliança de Bolsonaro com o Centrão do que em lançar pontes com a esquerda.
Entre aqueles que têm chances de projetar um futuro para o país, no centro e à esquerda, a crença majoritária ainda é que o bolsonarismo cairá de podre. Não dá sinais de que cairá. Antes disso, é o país que corre o risco de apodrecer.
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