Vinculação de receita é a forma possível de garantir prioridades
Na
versão de seu relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), a proposta
da emenda emergencial à Constituição, entre várias iniciativas para
lidar com o presente aperto fiscal, extingue os pisos obrigatórios do gasto
público com saúde e educação, assegurados na Carta de 1988.
A
discussão sobre o tema não diz respeito ao reconhecimento das severíssimas limitações
daquilo que o governo pode desembolsar sem comprometer sua capacidade política
e administrativa ou travar de vez o já trôpego andar da economia. Só os
nefelibatas —com ou sem diploma em ciências econômicas— podem imaginar que
limites fiscais são perversas invenções do neoliberalismo.
Tampouco
se trata de debate sobre liberdade de escolha, em que um imaginário prefeito
governaria melhor se pudesse decidir, por conta própria, despender mais com a
crescente população idosa do que com escolas de primeiro grau cuja clientela
minguou. Só pode achar que esse é o dilema quem se imagina no país de Birgitte
Nyborg, a simpática primeira-ministra dinamarquesa da série Borgen, da Netflix.
Não é demais lembrar a maneira pela qual instrumentos tão pesados —toscos, em português claro—, como as vinculações mandatórias, adentraram a Constituição. No texto original, saúde, Previdência e assistência social foram reunidas sob o mesmo princípio do direito universal à seguridade, garantido por um Orçamento único. No percurso da teoria à prática, descobriu-se porém que o cobertor era curto demais: para atender à Previdência, era comum deixar a saúde desassistida --em plena montagem do SUS. Por isso, não por uma perversa maquinação antiliberal, a EC (emenda constitucional) número 29 criou o piso de gasto.
Já
a vinculação obrigatória de recursos à educação é anterior aos trabalhos da
Constituinte: foi introduzida pelas chamadas emendas Passos Porto (EC 23/83) e
João Calmon (EC 24/83), ambas visando assegurar recursos permanentes ao sistema
público de ensino, nos três níveis da Federação. Incorporada à Carta, a
vinculação foi aprimorada com a criação do Fundef em 1996 e sua transformação
em Fundeb, dez anos depois. A meta sempre foi assegurar financiamento adequado
e prover estímulos para reduzir o vergonhoso atraso educacional brasileiro.
Os
pisos de gasto em saúde e educação destinaram-se a proteger as duas áreas da
inevitável disputa por recursos quando as demandas são muitas; os interesses,
divergentes; e o dinheiro, curto. Ou seja, uma forma de dizer que aquelas devem
ser políticas de Estado, com estabilidade e permanência asseguradas, acima —e
apesar— das intenções dos governantes de turno.
*Maria Hermínia Tavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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