sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Ruth de Aquino - Daniel Silveira, o bode no paredão

- O Globo

Está preso o deputado federal que nada fez além do que manda, pensa e fala a família Bolsonaro. Quando o marombado ex-PM Daniel Silveira quebrou a placa de Marielle, estava “restaurando a ordem”, disse o senador Flávio Bolsonaro. Quando o truculento Daniel Silveira exigiu a destituição dos 11 juízes ministros do Supremo, ecoava o deputado Eduardo Bolsonaro, para quem “basta um soldado e um cabo para fechar o STF, não precisa nem de um jipe”. A questão não é ‘se’ haverá uma ruptura com o Supremo, mas ‘quando’. Esse último "flagrante" de Eduardo não faz um ano.

Quando o misógino Daniel Silveira se recusou a usar máscara, ofendendo uma policial civil “folgada pra c...alho”, imitava a família Bolsonaro. Imitava também a repugnante classe política que babou bacilos na posse de ministros, indiferente à morte de 250 mil brasileiros, ao agravamento recorde da Covid e ao colapso de hospitais. Bolsonaro era abraçado por puxa-sacos pegajosos, beijado por mulheres que queriam selfies. Era cercado por um batalhão de seguranças sem máscara. A porta de vidro de acesso à Câmara se estilhaçou com a passagem do cortejo brutamonte. Bolsonaro deu à luz os extremistas Daniel Silveira, Bia Kicis - e os 300 da Sara Giromini, que tentaram, com ameaças, tochas e granadas, incendiar a democracia.

Quando o indisciplinado Daniel Silveira elogiou o AI-5 e atacou a imprensa, apenas obedecia a seu ídolo, o capitão expulso do Exército e eleito presidente. Bolsonaro insiste que, se pudesse, fecharia os jornais. Não suporta perguntas sobre o senador das rachadinhas e dos milicianos Flávio Bolsonaro, hoje blindado pela suspensão da quebra de sigilo bancário. E agora? O que vão fazer com o Silveira, arraia-miúda do bolsonarismo de raiz? Tem de prender e suspender para dar o exemplo. Que exemplo? 

Ah, sim, existe na Câmara Federal o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Ainda bem. O Conselho vai botar moral agora. Um Conselho que decidiu não trabalhar nem online durante toda a pandemia. Cambada de preguiçosos que nem se reuniram virtualmente. O mandato do Conselho é de dois anos. Em março, seus integrantes serão trocados, apesar de um ano de férias, e os novos analisarão os casos clamorosos. O Conselho já deveria ter cassado ano passado a deputada Flordelis, acusada com fartas provas de mandar matar o marido. Só agora o Conselho abriu processo contra ela. Depois que ela foi afastada pelo Tribunal de Justiça do Rio. 

Daniel Silveira obrigou a Câmara a reativar o Conselho de Ética por motivo nobre: querem evitar prisão de coleguinhas com a PEC-a-jato da impunidade. O Congresso teria “a custódia” de parlamentares indignos. Assassinos, corruptos, ladrões ou apalpadores de seios. Um jogo de cena. 

Quando ouço que “as instituições estão funcionando no Brasil”, embatuco. Em todo lado, enxergo escombros de um país que poderia ter sido mas não foi. O Conselho de Ética, criado em 2001, define a conduta adequada de um parlamentar e lista as punições, de censura verbal a suspensão ou perda do mandato. Bolsonaro pai foi acusado, entre 2011 e 2016, de quebrar o decoro por apologia a crime de tortura, ameaça de estupro, agressão a outro parlamentar e crime de racismo. Todos os processos foram arquivados. Um decreto do presidente nos dá agora “o direito” de ter seis armas em casa! A Câmara não acha abuso a falta de consulta ao Legislativo.

Folha corrida de Daniel Silveira? Ele é o bode expiatório que carrega os pecados dos Bolsonaro. Foi para o paredão. Ainda bem que as instituições estão funcionando. Me engana que eu gosto.

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