O SUS
pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, em Santa Catarina, Tocantins,
Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe
Há
um ano, bem no começo da pandemia da covid-19, se discutia se era uma “gripezinha”,
como disse o presidente Jair Bolsonaro, ou uma grave crise sanitária. O então
ministro da Saúde, Henrique Mandetta, insistia que era preciso adotar a
política de distanciamento social, para achatar a curva de contaminação e
evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto se esperava uma
vacina eficaz contra o novo coronavírus. Acabou demitido por contrariar
Bolsonaro. O oncologista Nelson Teich, que o substituiu, pediu demissão
rapidinho. Bem-mandado, o general de divisão Henrique Pazuello foi nomeado para
o cargo.
Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.
Bolsonaro
agiu como aquele rei persa que apostou e perdeu a partida de xadrez. Como
recompensa, o seu vizir pediu um grão de trigo no primeiro quadrado do
tabuleiro, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando
sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante, oferecendo
joias, odaliscas, palácios, mas o vizir recusou. Só desejava os montes de
trigo. Na hora de pagar a aposta, porém, o rei teve uma surpresa muito
desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi
crescendo, 128, 256, 512, 1.024… Quando chegou à última das 64 casas do
tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões.
A
história foi contada pelo físico norte-americano Carl Sagan (Bilhões e bilhões:
reflexões sobre vida e morte, Companhia das Letras, 1998) para chamar a atenção
para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da
escala dos mais variados assuntos. É o caso da pandemia de coronavírus, que
pode virar uma endemia, se a política de vacinação do governo continuar
errática, para não dizer toda errada, como está sendo realizada.
Ontem,
o ministro Pazuello anunciou que o governo tem três estratégias para enfrentar
a pandemia: atendimento imediato em unidades básicas de saúde, estruturação de
leitos de UTI e de enfermaria e impulsionamento da vacinação. Ou seja,
descobriu a pólvora. Admitiu que a nova cepa do coronavírus, que surgiu em
Manaus, já está em várias regiões do país. Citou aumento da contaminação no
Pará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Goiás, em Santa Catarina e no Rio
Grande do Sul. Na verdade, os sinais de que o SUS pode entrar em colapso, como
aconteceu em Manaus, vêm da escassez de leitos em Santa Catarina, Tocantins,
Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe.
Quando Pazuello fala em pronto atendimento nas unidades básicas de saúde, não fica claro qual é o tipo de tratamento. Segundo a revista científica New England Journal of Medicine, a pesquisa Solidarity (Solidariedade) mostrou que medicamentos como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. A pesquisa é organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, conduzida pela Fiocruz. Esse coquetel faz parte do chamado “tratamento precoce”, que era recomendado pelo Ministério da Saúde e foi desaconselhado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).
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