Após um ano de pandemia, situação só piora – Opinião / O Globo
Imaginava-se que as cenas dantescas vividas no Brasil ano passado, durante o auge da pandemia do novo coronavírus, eram a materialização do inferno. Câmeras frigoríficas instaladas junto a hospitais para receber mais e mais cadáveres; engarrafamentos de carros funerários à porta dos cemitérios; profissionais de saúde obrigados a fazer a escolha cruel sobre que paciente levar ao respirador. Um ano depois do primeiro caso de Covid-19 confirmado no país, percebe-se que estávamos apenas na antessala — o inferno mesmo ainda estava por vir.
Depois de uma trégua ilusória, a pandemia voltou a se agravar no fim do ano passado. Foi no início de 2021, depois das aglomerações de fim de ano, que o número de casos explodiu, dando origem à temida — e previsível — segunda onda. Manaus, que se tornara exemplo dos momentos mais dramáticos em 2020, mostrou que, no Brasil de Bolsonaro & Pazuello, o horror não tem limite. Aos efeitos perversos já conhecidos do colapso nas redes pública e privada de saúde, acrescentou-se mais um, altamente letal: pacientes morreram asfixiados porque as autoridades não providenciaram o insumo mais básico numa pandemia de doença respiratória: oxigênio. O ministro-general Eduardo Pazuello foi alertado sobre a escassez, mas não agiu a tempo. Em apenas dois meses de 2021, o número de mortes no Amazonas supera o total de 2020.
Hoje,
a triste constatação é que estamos pior que antes. Novas cepas se espalham e
nem sequer são notadas. UTIs estão no limite em todo o país. Toques de recolher
se multiplicam. O número de mortos diários bate recorde e o total já passa de
250 mil, 40% a mais que no pior cenário traçado pela equipe do então ministro
Luiz Henrique Mandetta. A média semanal de mortes está mais alta que no pior
momento do ano passado. No ranking macabro da pandemia, ocupamos um indesejável
segundo lugar, atrás dos Estados Unidos. Lá, porém, as mortes estão declinando
com o avanço da vacinação. Não é o caso do Brasil. Na verdade, estamos na
contramão do mundo — em vários países, as mortes estão em queda.
Não
se chegou até aqui por acaso. Embora tenha sido alertado por Mandetta sobre a
tragédia que se formava, Bolsonaro deu de ombros. Continuou tratando a mais
letal pandemia em cem anos como uma “gripezinha”. Pregou contra o isolamento,
desprezou as máscaras, fez propaganda de remédios ineficazes (como cloroquina
ou vermífugos), sabotou a vacina, soltou o disparate de que quem a tomasse
poderia “virar jacaré”. E conclamou os brasileiros a enfrentar a pandemia de
peito aberto, afinal não somos um “país de maricas”. Desconectado da realidade,
disse, no fim do ano passado, quando os casos voltaram a crescer, que a
pandemia estava “no finalzinho”.
Graças
ao milagre das vacinas, desenvolvidas em tempo recorde, as perspectivas neste
26 de fevereiro não são tão sombrias como no início do ano passado, quando nem
se sabia se alguma delas seria eficaz. Mas entre a esperança da vacina e a
realidade há um abismo, onde cabem 212 milhões de brasileiros. Alçado à Saúde
depois da demissão de dois médicos que ousaram discordar dos desvarios de
Bolsonaro, Pazuello afirmou em janeiro, em rede nacional de rádio e TV, que o
Brasil tinha 354 milhões de doses asseguradas. Falta dizer onde estão.
Obscurantismo e incompetência matam. Chega de mortes evitáveis. Vacina
já!
A Câmara confirmou que, quando os políticos querem, tudo é possível. Em meros oito dias desde a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), os colegas dele redigiram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para aliviar ainda mais as condições em que parlamentares podem ser presos. Criada para regulamentar a imunidade dos congressistas, foi apelidada “PEC da Impunidade”. Os deputados estavam ontem prontos a aprová-la em primeiro turno.
Para
ter uma ideia da velocidade, a média de tramitação das 108 emendas
constitucionais aprovadas até hoje é 1.318 dias, ou quase quatro anos. Antes da
pandemia, a PEC de tramitação mais rápida foi a da cessão onerosa do pré-sal
(93 dias da apresentação no Senado à publicação no Diário Oficial). Com a
mudança no processo legislativo em razão do novo coronavírus, duas outras
romperam a marca, ambas ditadas pela emergência: a emenda do Orçamento de
Guerra (21 dias) e a do adiamento das eleições municipais (9).
A
prisão de Silveira obviamente não representa emergência nenhuma ao país. Não
impede que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) tenha se aproveitado do
arcabouço criado para a pandemia — basicamente, suspensão da votação em
comissões — para tentar regulamentar a toque de caixa o artigo 53 da
Constituição, que trata da imunidade de deputados e senadores. Não há motivo
algum para a operação-relâmpago, destinada a blindá-los com prerrogativas além
das hoje em vigor.
A
via expressa da PEC atraiu críticas. Para relaxar resistências, a relatora
Margarete Coelho (Progressistas-PI) propôs mudanças. Manteve intacta a Lei da
Ficha Limpa, que impede o registro de candidaturas de condenados na segunda
instância. Desistiu do trecho que atribuía aos Conselhos de Ética, notoriamente
omissos, a prerrogativa de julgar parlamentares por crimes como os de que
Silveira é acusado, ligados ao discurso. Mesmo com as alterações, o texto ainda
cria empecilhos à ação da Justiça, a ponto de ministros do Supremo verem a PEC
como “afronta”.
Dificulta
a prisão em flagrante, retirando de instâncias judiciais inferiores o poder de
decretar medidas cautelares, mesmo por crimes sem relação com a atividade
parlamentar. Busca e apreensão, só com aval do plenário do Supremo, assim como
o acesso ao material recolhido. O parlamentar suspeito ganha tempo para se
desfazer do que o comprometesse. Na prática, isso equivale à volta do foro
privilegiado, mesmo para casos sem relação com o mandato. Seria um retrocesso.
A
PEC traduz a reação do mundo político ao combate à corrupção. A Câmara de Lira
começa a seguir o caminho do Parlamento italiano, que destruiu o legado da
Operação Mãos Limpas. A imunidade parlamentar, necessária ao exercício do
mandato, precisa ser protegida, mas não é absoluta. Câmara e Senado têm a
obrigação de debater o texto mais detidamente. A senadora Simone Tebet
(MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), adiantou sua
opinião: “A PEC da Impunidade transforma réus em reis intocáveis”. Seria mesmo
inaceitável.
União de todos contra o vírus – Opinião / O Estado de S. Paulo
O
iminente colapso do sistema de saúde em boa parte do País não permite relaxamento
– nem das autoridades nem dos cidadãos
O Brasil superou a terrível marca de 250 mil mortes em decorrência da covid-19. É a maior tragédia nacional a se abater sobre as atuais gerações. Para aumentar ainda mais a angústia de milhões de brasileiros, nada indica que a pior fase da peste já tenha passado. Ao contrário, há evidentes sinais de recrudescimento da pandemia. No Amazonas, por exemplo, só nos dois primeiros meses de 2021 foram registradas mais mortes por covid-19 do que ao longo de todo o ano passado.
O
novo coronavírus se espalha como nunca antes pelo País desde o início deste
flagelo, há um ano. Há mais de um mês, os brasileiros convivem com a morte de
mais de mil de seus concidadãos todos os dias. O número é subestimado. A baixa
testagem e a imprecisão diagnóstica escondem a real dimensão da tragédia.
A
campanha de vacinação, única saída para pôr fim ao morticínio, segue lenta,
incerta. A distribuição das poucas vacinas que há é atabalhoada, vide a recente
trapalhada ocorrida no envio dos imunizantes para o Amapá e o Amazonas.
Novas
cepas do coronavírus, mais contagiosas, já circulam livremente Brasil afora,
sem qualquer tipo de rastreamento pelas autoridades sanitárias.
Os
sistemas de saúde de pequenas e médias cidades do interior do Brasil entraram
em colapso. Médicos têm de decidir na porta dos hospitais quem será socorrido e
quem terá de se haver com a própria sorte. Muitos cidadãos, em especial os mais
jovens, comportam-se como se a pandemia tivesse passado. Ou pior, como se não
lhes dissesse respeito. É muito difícil nutrir a esperança por dias melhores
diante da ausência de um espírito mais fraterno que una a sociedade nos
esforços para superar um mal que, independentemente da medida, afeta todos, sem
distinções de qualquer ordem.
No
mais rico Estado do País, São Paulo, estima-se que em apenas três semanas não
haverá leitos de UTI para dar conta do atendimento de todos os doentes. É de
imaginar o que pode ocorrer – na verdade, já está ocorrendo – em Estados sem as
mesmas condições dos paulistas. O governador João Doria (PSDB) anunciou uma
“restrição de circulação” entre 23 e 5 horas, que valerá de hoje até o dia 14
de março, para tentar conter o avanço da doença.
A
medida está longe do ideal. Mas o que é “ideal” no atual estágio da pandemia e
dos humores da sociedade? Ideal é o que é possível fazer. É verdade que a maior
parte das pessoas já estaria recolhida naquele período, mas também é fato que
há muitos eventos e festas clandestinas que reúnem pequenas multidões nas
madrugadas. Os objetivos do governo paulista são coibir, na medida do possível,
esses eventos e alertar a população, mais uma vez, de que as coisas não vão
bem. Qualquer medida de restrição tem também essa função de alertar os cidadãos
para o risco.
Sempre
é possível questionar as chances de eficácia das medidas impostas pelo Palácio
dos Bandeirantes, seguindo a recomendação do Comitê de Contingência da
Covid-19, na contenção do espalhamento do vírus. No entanto, o fato é que,
sejam quais forem as medidas adotadas por governos, no Brasil e no mundo, por
melhores que sejam entre as paredes dos gabinetes de crise, de nada valerão se
os cidadãos não as respeitarem na vida cotidiana. Em outras palavras, a solução
para uma crise da magnitude da pandemia de covid-19 não depende apenas da
atuação do Estado, mas também do engajamento da sociedade.
Evidentemente,
não se está aqui a relativizar a enorme responsabilidade que os atos e as
omissões das autoridades, em especial do presidente Jair Bolsonaro e de seu
ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm na construção dessa tragédia sem
paralelos recentes. Chegará o dia em que a negligência de um e de outro será
escrutinada pela Justiça. Entretanto, não cabe uma postura igualmente omissa e
passiva de cada um dos cidadãos.
Hoje,
o País chora a morte de 250 mil dos seus, e nada indica que a pandemia
arrefecerá sem uma robusta campanha de imunização e sem a adoção de rigorosas
medidas preventivas. O iminente colapso do sistema de saúde em boa parte do
País não permite relaxamento – nem das autoridades nem dos cidadãos.
Justa causa – Opinião / O Estado de S. Paulo
Trabalhador
que não quiser se vacinar poderá ser demitido por justa causa
Antecipando-se a um debate que certamente será travado quando a vacinação contra o vírus da covid-19 deslanchar, o Ministério Público do Trabalho (MPT) acaba de manifestar o entendimento de que os trabalhadores que não quiserem se imunizar poderão ser demitidos por justa causa, pois colocariam em risco a saúde dos demais empregados.
O
mesmo entendimento está sendo repassado às empresas por meio de pareceres da
área jurídica de praticamente todas as áreas da economia. Na demissão por justa
causa, os empregados não recebem aviso prévio nem 13.º salário proporcional,
não podem se habilitar para receber o seguro-desemprego e as empresas não
precisam pagar a multa rescisória de 40% do FGTS.
Fundamental
para a retomada do crescimento, quando a pandemia for controlada, essa
discussão tem uma dimensão jurídica e uma dimensão moral. No primeiro caso,
apesar de a Constituição garantir aos cidadãos o direito ao livre-arbítrio e o
direito de ir e vir, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre a
questão no ano passado, alegando que a Constituição confere ao poder público a
autoridade para impor medidas restritivas a quem não quiser se vacinar.
A
orientação do MPT segue a mesma linha. Lembra que as empresas têm de incluir em
seu Programa de Prevenção de Riscos Ambientais o risco de contágio da covid-19
e levar em conta as determinações do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional. Também estimula os empregadores a investir na conscientização de
seus funcionários, alegando que eles podem estar desinformados por receberem
pelas redes sociais informações inverídicas sobre os efeitos colaterais da
vacina. Por fim, afirma que, se por um lado, as empresas não podem obrigar os
funcionários a se vacinar, por outro, têm o direito de romper o contrato de
trabalho em último caso – ou seja, depois de terem feito advertência e
determinado a suspensão do trabalhador.
“Como
o STF já se pronunciou, a recusa à vacina permite a imposição de consequências.
Seguimos o princípio de que a vacinação é uma proteção coletiva. O interesse
coletivo sempre vai se sobrepor ao interesse individual. A solidariedade é um
princípio fundante da Constituição”, afirma o procurador-geral do MPT, Alberto
Balazeiro. Contudo, a exigência de vacinação em nome do interesse coletivo deve
seguir a disponibilidade dos imunizantes em cada região e o Plano Nacional de
Imunizações, diz ele.
Já
a dimensão moral dessa discussão envolve um confronto entre duas tradições – a
liberal e a republicana. Na tradição liberal mais extrema, a sociedade é um
conjunto de indivíduos autossuficientes, motivo pelo qual suas vidas dependem
de seus méritos e de seus defeitos. Por seu lado, a ideia de bem comum envolve
a agregação de interesses por meio do mercado. Já na tradição republicana, a
vontade geral está acima do simples somatório das vontades individuais,
exigindo do Estado intervenções capazes de corrigir as falhas de mercado e de
reduzir as desigualdades sociais.
Desde
a eclosão da pandemia, no ano passado, tem prevalecido nesse debate a tradição
republicana, que busca o equilíbrio entre a liberdade de cada indivíduo e a
liberdade dos demais. Se para os liberais extremados os homens são livres
quando não existem restrições, para os republicanos não se pode falar em
liberdade em tempos de pandemia enquanto as condições para seu exercício não
forem objeto de eficientes programas de educação e imunização.
A
iniciativa do MPT, tomada a partir de manifestações já feitas pelo STF com base
na tradição republicana, vem em hora oportuna. Tanto no plano jurídico quanto
no plano moral, fica evidente que o direito de não se vacinar e a liberdade de
sair de casa rumo ao local de trabalho não implicam a liberdade para
contaminar. Esse é o mérito da orientação do MPT: mostrar aos trabalhadores
avessos à vacina que a imposição da vontade de uns sobre a vontade de outros em
tempos de pandemia pode levar à postura egoísta de reivindicar como liberdade a
realização de atividades que põem em risco a vida coletiva.
Atacado
por Bolsonaro, presidente da Petrobrás responde com uma vitória sobre a crise
Com lucro de R$ 59,90 bilhões nos três meses finais de 2020, a Petrobrás superou as perdas causadas pela pandemia, fechou o ano no azul e ultrapassou amplamente as projeções de equipes de analistas do mercado financeiro. “Entregamos nossa promessa”, afirmou na apresentação do balanço o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, referindo-se ao compromisso de vencer a crise. Esse pode ter sido seu último relatório financeiro. Na quinta-feira anterior o presidente Jair Bolsonaro havia anunciado a intenção de demiti-lo, numa retaliação por desagradar a um grupo de seus eleitores, aqueles caminhoneiros envolvidos em 2018 em bloqueio de estradas e paralisação do transporte rodoviário. O anúncio derrubou as ações da estatal no Brasil e no exterior, um efeito aparentemente fora das preocupações – e do horizonte – do presidente da República.
Com
o lucro obtido entre outubro e dezembro, 635% maior que o de um ano antes, foi
possível fechar o exercício com resultado positivo de R$ 7,11 bilhões. Esse
ganho foi 82,3% inferior ao de 2019, mas até surpreendente, depois dos danos
causados no Brasil, assim como no mercado internacional, pela covid-19. Com a
forte contração da economia, a demanda de combustíveis e lubrificantes diminuiu
em todo o mundo e o preço do petróleo despencou. Com isso, a receita da
companhia caiu 10%, para R$ 272,07 bilhões, mas, apesar disso, o ganho antes de
juros, impostos, dividendos e amortização (Ebitda) cresceu 10,6% no ano e
atingiu R$ 142,97 bilhões.
O
desempenho melhor nos meses finais possibilitou a reversão de baixas contábeis
determinadas na fase de retração. Isso teve efeito positivo de R$ 31 bilhões.
Mas outros dados são especialmente importantes para avaliar o trabalho dos
atuais dirigentes. A dívida total passou a US$ 75,5 bilhões, com redução de US$
11,6 bilhões. A dívida líquida, US$ 63,2 bilhões no fim do exercício, ficou US$
15,7 bilhões inferior à de um ano antes.
A
gestão iniciada em 2019 continuou o trabalho de recuperação da empresa,
começada no governo do presidente Michel Temer. Além de espoliada, a Petrobrás
estava superendividada e com sua administração devastada no final do período da
presidente Dilma Rousseff. Um grande esforço de reconstrução gerencial, de
reavaliação de planos e de arrumação financeira vem sendo realizado, com inegável
sucesso, depois de encerrado o período petista. A gestão de Roberto Castello
Branco avançou nessas e em outras frentes, tendo ainda conseguido aumentar a
produção de petróleo e gás no ano passado.
Em
seus ataques desvairados ao executivo da Petrobrás, o presidente Jair Bolsonaro
o acusou de ter passado 11 meses sem trabalhar, período em que ficou em regime
de home office. É uma acusação grotesca – como se todos os trabalhadores que
estão em home office em razão da pandemia em todo o mundo fossem uns boas-vidas.
A verdade é que dificilmente se encontraria, entre esses milhões, algum
trabalhador tão improdutivo quanto um presidente negacionista, propagandista de
drogas inúteis contra a covid-19 e incapaz de prever a necessidade da compra de
vacinas e a forma de realizar uma eficiente campanha de imunização.
O
trabalho a distância tem sido recomendado por autoridades de saúde em todos os
países onde haja sinais de governo – algo muito raramente observado no Brasil a
partir de 2019. Nem todos os profissionais podem seguir esse conselho, mas nem
por isso devem negligenciar os cuidados possíveis contra o contágio. O home
office, comentou o executivo Roberto Castello Branco, foi uma inovação exigida
pelo momento, reduziu a contaminação pelo vírus, diminuiu custos e aumentou a
produtividade. Não só a Petrobrás, acrescentou, foi beneficiada por essa
mudança.
Isso
dificilmente será compreensível, ou relevante, para um presidente concentrado
em agradar a caminhoneiros, armar seus apoiadores, cuidar de sua reeleição e
proteger filhos investigados por traquinagens como peculato e lavagem de
dinheiro. Que mais pode fazer um chefe de governo?
Um ano mortal – Opinião / Folha de S. Paulo
Epidemia
faz aniversário no Brasil em rota calamitosa traçada por Bolsonaro
O
Brasil completa 12 meses da
chegada da Covid ao país com um quarto de milhão de mortos. Os
250 mil óbitos lhe dão um vergonhoso segundo lugar no mundo, atrás dos EUA e
suas mais de 500 mil vítimas.
O
vírus Sars-CoV-2 matou no país mais que todos os tipos de tumor (235 mil
pessoas em 2019), mais que outras doenças do aparelho respiratório (162 mil),
mais que a soma de todas as causas externas (143 mil), como os homicídios e
acidentes de trânsito.
Brasileiros
somos menos de 3% da população planetária, mas aceitamos 10% da mortandade pelo
coronavírus. Em várias nações as curvas de infecções e mortes recuam, enquanto
aqui se bate novo recorde diário de mortos nesta quinta (25). O indicador de
nosso fracasso cotidiano está há mais de um mês acima do patamar de mil óbitos.
O
governo de Jair Bolsonaro carrega a maior responsabilidade pelas vidas cujas
perdas poderiam ter sido evitadas. Para tanto precisaria empenhar-se na questão
sanitária, e não em fomentar mitologias entre seguidores fanáticos.
A
manutenção do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde atesta
indiferença diante da epidemia galopante. Nenhum sintoma da incompetência é
mais escandaloso do que entregar no Amapá 78 mil doses de vacina destinadas ao
flagelado Amazonas, com mais mortes por Covid-19 em 2021 que no ano de 2020
inteiro.
Não
admira, em face de erro tão crasso de logística, que o Brasil esteja na 19ª
posição do ranking global de vacinação. Em seis semanas, aplicaram-se pouco
mais de 6 milhões de doses, suficientes para menos de 3% da população —e isso
num país que já se mostrou capaz de imunizar 1 milhão de pessoas por dia contra
a gripe.
A
razão do fiasco está na escassez de vacinas, vez que Bolsonaro se dedicou mais
a pôr em dúvida sua segurança e eficácia do que a providenciar encomendas.
Mesmo no auge do morticínio o presidente mantém objeções contratuais risíveis
contra fornecedores, como se estivesse em situação de escolher qual produto
comprar.
Nada
a estranhar num governante que se recusa a coordenar um plano nacional para a
Covid, que fez campanha diuturna a favor de charlatanices, que se recusa a dar
exemplo usando máscara e que promove aglomerações.
Nunca
fizemos distanciamento social decente, não rastreamos contaminados para
isolá-los e seguimos despreparados para a vigilância genômica capaz de detectar
novas variedades do vírus. Cometemos erros em todos os níveis de governo e como
cidadãos.
De novo a Eletrobras – Opinião / Folha de S. Paulo
Após
desastre na Petrobras, privatização da gigante de energia volta à pauta
O colapso das
ações da Petrobras e a disparada dos juros e do dólar ocorridos
após a interferência do presidente Jair Bolsonaro na estatal motivaram um recuo
tático por parte do governo, que agora tenta mitigar os temores de que estaria
em curso uma guinada populista na política econômica.
Nesse
sentido, o Executivo indicou uma retomada dos processos de privatização da
Eletrobras e dos
Correios. No caso da gigante do setor energético, foi editada
medida provisória alterando pontos que já constavam de projeto
de lei em tramitação no Congresso.
Seria
fácil concluir que se trata apenas de diversionismo, já que o governo nunca
apoiou de fato a agenda de desestatização. Mas há elementos na MP que sugerem
uma calibragem para aplacar resistência dos parlamentares e contemplar
objetivos eleitorais do governo.
Tenta-se,
de início, facilitar o apoio das bancadas que perderiam o acesso a cargos na
estatal por meio de dinheiro novo para as regiões das usinas. Estão
previstos R$ 8,7 bilhões em dez anos, divididos em itens como a
revitalização das bacias dos reservatórios de Furnas e a redução de custos de
geração na Amazônia Legal.
A
verba possivelmente é justificável, mas sua aplicação ficará a cargo de comitês
a serem criados, senha para indicações políticas.
A
expectativa de receita subiu para R$ 50 bilhões com a inclusão da usina de
Tucuruí, a segunda maior do país depois de Belo Monte (Itaipu tem controle
compartilhado com o Paraguai e, como a Eletronuclear, não entra na operação).
Os
recursos serão divididos, meio a meio, entre os cofres federais e a Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE) —antes, o governo ficaria com dois terços.
Mais dinheiro na CDE significa maior espaço para redução nas contas de luz,
convenientemente a tempo da eleição.
Mesmo
com tais ressalvas, a retomada do processo é vantajosa para o país. Foram
preservados os elementos principais da boa proposta do governo Michel Temer
(MDB), pela qual a União abrirá mão do controle da empresa por meio da oferta
de ações em mercado.
Nenhum
grupo poderá deter mais que 10% da empresa, nem poderá ser celebrado acordo de
acionistas para dirigi-la —limitações que serão garantidas pelo poder de veto
conferido à União por uma ação especial (“golden share”).
Estaria
assegurada a pulverização das ações e governança similar à existente na Embraer
e na Vale. Ainda que por caminhos tortuosos, parece haver uma nova oportunidade
política para a privatização e seria positivo aproveitá-la.
Pandemia se intensifica em um país que vacina pouco – Opinião / Valor Econômico
Para
vacinar todos os adultos com mais de 65 anos, o Brasil precisaria fazer esforço
menor que o dos países desenvolvidos
Com
números sinistros em sequência - 10 milhões de infectados, mais de 250 mil
mortos - o Brasil se tornou o país com mais casos por milhão de habitantes na
média de 7 dias na semana passada. O número de mortos é 10% do total mundial
(2,5 milhões), apesar da população brasileira ser apenas 3% da global. Evidente
desde o início, a falta de coordenação para enfrentar um vírus poderoso, com a
franca hostilidade do presidente da República a qualquer ação contra o
contágio, contribuiu para esses resultados assustadores.
Toda
a experiência adquirida em vacinações em massa, pela qual o Brasil é bem
avaliado, foi insuficiente para enfrentar a falta de imunizantes, atitudes divergentes
de autoridades sobre extensão e duração do isolamento social, inexistência
quase completa de rastreamento, descaso de parte da população com os riscos
mortais do vírus e impossibilidade de grande parte dela de garantir seu
sustento mantendo-se isolada.
Além
da gravidade e extensão do contágio, o Brasil teve de se defrontar com rivais
inesperados, sob as condições já adversas dadas pela sua péssima distribuição
de renda e deteriorada infraestrutura pública. Não é comum que um presidente
ignore a orientação majoritária da comunidade médica, como fez Jair Bolsonaro.
É ainda mais incomum que o Executivo troque duas vezes de ministro da Saúde em
pleno alastramento da covid-19, e raríssimo um mandatário que os substitua por
alguém que não tem a mínima experiência na área ou familiaridade com a
medicina.
Em
atos de uma comédia macabra, Bolsonaro boicotou seus ministros da Saúde por não
seguirem suas orientações mal informadas. O presidente tornou-se
garoto-propaganda de remédios que não têm eficácia contra a covid-19.
Desrespeitou as determinações sanitárias para passear sem máscara,
infectando-se e infectando seus ministros. O apogeu deste festival de
ignorância foi a manifestação de descrença pública do presidente de que até
mesmo vacinas - engendradas em tempo recorde, uma proeza científica - não
surtiriam efeitos ou ocasionariam outros, indesejados.
O
esforço heróico de médicos e de todo o pessoal de apoio da saúde se mantém em
meio a contratempos quase inverossímeis. Milhares de testes foram desprezados
em depósitos em aeroportos e se perderam. Convênios com universidades que
ensaiaram trabalhos de rastreamento - praticamente inexistente no país, ao
contrário das iniciativas asiáticas e alemã, por exemplo - foram
descontinuados. O governo apostou em poucas vacinas e criou uma situação
paradoxal. Vacinas que receberam aprovação emergencial da Anvisa não têm
produção regular por problemas de fornecimento da China. E a única vacina
aprovada em definitivo, a da Pfizer e BioNTech, não está disponível no país.
O
contágio da covid-19 é hoje tão intenso como no pico da pandemia em 2020. Há 35
dias o número de mortes é superior a 1 mil pessoas e as UTIs em várias capitais
e grandes cidades estão a caminho do esgotamento. Mapas do Google mostram que
tanto para ir ao trabalho como para recreação, o grau de mobilidade dos
brasileiros é o maior entre as nações do G-20. É preciso acelerar a vacinação e
regularizar o fornecimento de insumos, ao mesmo tempo em que se põe de pé um
programa de imunização sensato.
É
viável fazer isso. A demografia ainda favorece o Brasil. Para atingir um
objetivo importante, de vacinar todos os adultos com 65 anos ou mais, o país
precisa fazer um esforço consideravelmente menor que o dos países
desenvolvidos. Garantir essa imunização reduziria a ocupação das UTIs, o número
de casos e de mortes.
Foram
aplicadas 3,8 vacinas por 100 habitantes até agora no país. Com 9 unidades todo
o grupo de risco teria uma primeira dose e com, 18, a segunda, de acordo com a
Oxford Economics. Com maior fatia de população idosa, o Reino Unido aplicou 27
doses por 100 habitantes - o Brasil não precisaria chegar lá. Mas, pela
velocidade de vacinação em meados do mês o país levará 20 semanas (5 meses)
para fazer isso - a projeção não contava com a interrupção da imunização.
Há novas vacinas a caminho (a da Johnson é uma delas) e com a autorização para que os Estados possam obtê-las seria possível sopesar parte da inoperância federal. Vacinados os grupos de risco, a economia se livrará de sua maior trava e será possível planejar os próximos passos contra a covid-19 que, suspeita-se, poderá se tornar endêmica e exigir o resgate da competência em campanhas de vacinação em massa, que um dia o país já teve.
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