O Brasil atingiu a inimaginável marca dos 250 mil mortos por Covid-19 sem que seu presidente tenha tido a decência mínima de decretar luto oficial, de determinar medidas enérgicas para conter uma curva que só empina ou de se empenhar para garantir vacina e auxílio emergencial a um país entregue à pandemia sem perspectiva de saída.
Assim
como outras marcas tenebrosas em um ano de circulação do novo coronavírus em
terras brasileiras, essa também passou em branco pelo Palácio do Planalto e
pela Esplanada dos Ministérios. Vamos enterrando pessoas aos milhares todos os
dias, sem que o governo federal reconheça a gravidade da crise sem precedentes
que atravessamos.
Diante
de uma tragédia que nenhum de nós, crianças ou velhos, viveu antes, Jair
Bolsonaro está fazendo planos de mandar buscar em Israel não vacinas, mas spray
nasal experimental.
Eduardo
Pazuello está enviando doses escassas de imunizantes não para o Amazonas,
epicentro das mortes, da falta de oxigênio e da nova cepa do vírus, mas para o
vizinho Amapá, de população e urgência infinitamente menores.
O presidente não está se ocupando de exigir providências do general que enfiou na Saúde, mas do presidente da Petrobras. Não está empenhado em trocar o responsável pelo fracassado Plano Nacional de Imunização, mas sim o encarregado da publicidade oficial.
A
pressa não é para conceder auxílio emergencial a quem precisa, depois que essa
ajuda foi suprimida sem nada para ser colocado no lugar em dezembro, mas para
subsidiar combustível para caminhoneiros que têm o presidente da República como
refém.
No
Congresso, o auxílio emergencial e o acordo para a compra de vacinas de outras
empresas com que Bolsonaro achou por bem não negociar podem esperar. O que é
para ontem é a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição ampliando
ainda mais os limites da já praticamente plena imunidade parlamentar. A
imunidade ao vírus que espere. As pessoas que se virem.
Nesse
cenário de absoluta anomia — estatal, social, cívica —, vivemos de improvisos
que têm por objetivo mitigar o colapso no enfrentamento da pandemia.
O
mais recente deles veio de novo do Supremo Tribunal Federal, que virou uma
Corte de emergências de toda sorte. De acordo com a decisão tomada na
quarta-feira, estados e municípios poderão adquirir vacinas por conta própria.
Trata-se
de algo a ser celebrado, pois parece ser uma possibilidade ao menos de que
saiamos da letargia em que o Plano Nacional de Imunização se encontra,
justamente porque foi sabotado pelo presidente da República, por seus acólitos
e seu general.
A
chancela do STF é antes de tudo um atestado de fracasso, um carimbo da inépcia
do Brasil para lidar com a crise. Outros virão: a decisão abre espaço também
para que, no futuro, empresas privadas possam adquirir vacinas, o que contraria
a lógica do Sistema Único de Saúde.
Mas,
se não for isso, quando teremos a maioria da população imunizada, de forma a
que se possa pensar em começar a reconstruir a economia, a educação e a vida
das pessoas, que estão em decomposição há um ano?
Vivemos
sob um regime que banaliza e precifica mortes, não importa as cifras que elas
atinjam. É como se o presidente visse o taxímetro da pandemia correr e
continuasse rodando despreocupadamente, fazendo barbeiragens em todos os demais
assuntos nos quais esbarra pelo caminho.
Somos
o vice-líder mundial em mortes por Covid-19, só abaixo dos Estados Unidos. E,
no entanto, temos apenas a sexta maior população do mundo. Com o segundo maior
número de mortes, só vacinamos menos de 4% da população. E assistimos a essa
sucessão de indicadores do nosso fracasso como quem acompanha uma entediante
partida de tênis, virando o pescoço indiferentes para um lado e para o outro.
Um ano depois, a constatação é que fomos derrotados. E não há nem choro nem indignação, só letargia.
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