Daniel
Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la
A
prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da
Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também
dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022.
A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão
democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se
sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)
Claro
que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio
econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e
meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta
for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve
ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da
atividade e do emprego.
Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.
Sobre
Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário,
viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos
parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo
Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo
sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia,
eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.
Funcionou
a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se
finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto
já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do
comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à
pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a
desestabilização do governo.
“Defender reajustes dos combustíveis bem acima
da inflação não é propriamente algo popular”
E
isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de
impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências
no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.
A
decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente
ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação
unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça
a ideia de que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável
quando a diretoria da Petrobras toma decisões.
Há
um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro
pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive
porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para
um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os
candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma
narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado
tema do sustento.
E
defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é
propriamente algo popular.
Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727
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