Mundo
político acorda para a tragédia em curso no país, mas Congresso ainda não
embarcou
O
apocalipse sanitário à espreita do Brasil provocou um levante de
governadores contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Tal
clima de indignação pela falta de rumo e sabotagem intencional de ações
coordenadas por parte do Planalto já havia sido registrado em abril do ano passado,
mas agora a situação é muito mais grave.
Quase
um ano se passou e, sem o devido preparo, o país se depara com variantes novas
do Sars-CoV-2 mais transmissíveis e talvez mais letais para pessoas mais
jovens, segundo
a observação empírica nos hospitais.
As
cenas de revolta se repetem. Aliados de Bolsonaro, como Ratinho Jr. (PSD-PR) e
Ronaldo Caiado (DEM-GO), coassinam carta de 19 mandatários estaduais rebatendo
a campanha de desinformação promovida por Bolsonaro.
O
presidente, acentuando o que já havia feito em outros momentos, resolveu culpar
os governadores pela a ameaça de o Brasil virar uma grande Manaus, do ponto de
vista epidemiológico. Em vez de dizer que "o Supremo me tirou o
poder", agora questiona "onde está o dinheiro que enviei?" a
estados e municípios.
Pegou
mal. A aliados, Ratinho Jr. se disse inconformado com o tratamento dispensado
pelo presidente, que mentiu ao listar
repasses federais obrigatórios como parte de um "pacote contra a
pandemia", além de ignorar os R$ 1,48 trilhão de impostos recolhidos nos
estados que param na mão da União.
O governador baiano, Rui Costa (PT), chorou ao comentar a dificuldade de implementar medidas de restrição de circulação de pessoas em seu estado. Ações que são bombardeadas dia sim, dia sim por Bolsonaro e por seu entorno em redes sociais.
Candidato
a maior protagonismo no cenário nacional, o gaúcho Eduardo Leite (PSDB) disse
que Bolsonaro "despreza sua gente" e a está "matando".
Algo
bem diferente do que há menos de um mês, quando
ele ponderava em entrevista que seu partido não teria como fazer
oposição sistemática a Bolsonaro porque buscava diferenciar-se de João Doria, o
tucano paulista que
é o maior antagonista do presidente na crise.
A
questão do controle da transmissão do vírus é cultural, alguns alegam, mas quem
enalteceu a revolta de brasilienses na frente da casa do governador Ibaneis
Rocha (MDB) devido
ao seu ensaio de lockdown no domingo (28) foi o presidente da
República.
O
questionamento do uso de máscaras e a empáfia ao dizer que "não errou
nenhuma" acerca da pandemia, quando a realidade está à sua volta, causaram
revolta no grupo de WhatsApp do Fórum dos Governadores.
Cientes
de que a fatura sempre cai no colo de quem está na ponta primeiro,
especialmente no momento em que há um crescimento de demanda por vacinas ainda
inexistentes, os governadores se reorganizaram.
Estados
voltaram a pressionar pela compra avulsa de vacinas, como
a russa Sputnik V, de forma a não contar com os cronogramas fantasmas
do Ministério da Saúde. E houve o embate das verbas, provocado por Bolsonaro.
Leite
teve papel de protagonismo na elaboração da nota, com apoio de outros chefes
estaduais que querem moderar o destaque de Doria.
As
nuances do embate político subjacente à tragédia em curso no país se mostraram
também na dura carta do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde na
segunda, na
qual era pregado o toque de recolher e eventual lockdown em locais mais
afetados do país
Jean
Gorinchteyn, o secretário de Doria, não
apoiou o texto por considerar lockdown inviável agora —em entrevista à
rádio CBN, falou que pessoas irão "morrer de fome" caso a medida
ocorra sem contrapartidas de natureza financeira.
Em
São Paulo, Doria está sob ataque de bolsonaristas a cada movimento que faz para
tentar controlar o vírus, e
busca consenso com prefeitos. Há pressão interna, também. O Centro de
Contingência da Covid-19, montado por Doria como um marco na transparência e no
cientificismo no trato da pandemia, costuma sugerir medidas mais duras.
Mas
ele é uma instância sem poder decisório, e as recomendações são filtradas em
inúmeras reuniões com integrantes de outras áreas do governo, onde a palavra
lockdown é um palavrão, para ficar num exemplo.
Saindo
de São Paulo e das pretensões presidenciais de Doria e, como gostariam alguns tucanos,
de Leite, a questão é que atores do mundo político parecem ter acordado para o
tamanho do problema.
Dois
presidentes de partidos do centrão que
celebravam há pouco tempo o apoio de Bolsonaro à eleição de Arthur
Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara disseram, sob reserva, que Bolsonaro
"está maluco" na condução da crise.
Para
eles, o
ministro Eduardo Pazuello (Saúde) deveria ser substituído já. Noves
fora o interesse específico do grupo em retomar as polpudas verbas da pasta, é um
termômetro da fervura em Brasília.
Lira,
que passou as duas últimas semanas preocupado cozinhando medidas para aumentar
a impunidade de parlamentares, também teve seu momento de lucidez e buscou
pegar carona no levante dos governadores, convocando um almoço nesta terça para
discutir medidas contra o caos.
Não
foi exatamente um embarque, mas uma sinalização.
Não
se vê tal disposição ainda no pacato Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que assumiu o
Senado neste ano. Enquanto alguns membros da Casa pedem uma CPI sobre a crise,
ele não conseguiu fazer críticas objetivas a Bolsonaro nas entrevistas que
concedeu ao desfilar por São Paulo na segunda.
Mas um correligionário dele afirma que é uma questão de tempo, lembrando que até Romeu Zema (Novo-MG), um dos governadores mais amigáveis em relação ao Planalto, foi a Brasília discutir a crise com Lira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário