Relação
federativa enfrenta novas dificuldades
Na
primeira quinzena de 2021, talvez ainda comovidos com as festividades de fim de
ano e o novo ciclo que se iniciava, alguns governadores demonstravam relativo
otimismo em relação ao primeiro semestre.
O
programa nacional de imunização contra a covid-19 acabava de ser apresentado
pelo Ministério da Saúde, após pressão do Judiciário e intensos embates entre o
Executivo, governadores e prefeitos. Havia a esperança de que seria realizada,
a curto prazo, uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares
para a discussão não só de como rapidamente imunizar a população, mas do
reaquecimento da economia.
Embora
hoje essa ideia pareça tão distante quanto a imunização total da população
brasileira, à época a expectativa era até justificável. Ainda se acreditava na
possibilidade de confirmação da tal recuperação em formato de “V”, tão
prometida pelas autoridades federais e que depois foi sendo substituído no
discurso oficial para algo como “o símbolo da Nike”. Ou seja, uma retomada
menos vigorosa, após o fundo do poço ter sido atingido. Ainda se aguarda a
concretização desse rebote.
A rápida recriação do auxílio emergencial era vista, pelos governadores, como um pressuposto para que melhores perspectivas surgissem no horizonte. Isso sem contar o fato de que a economia local e a arrecadação de Estados e municípios também dependeriam da manutenção do poder de compra da população. Os governadores estavam confiantes que não haveria muitas dificuldades para o repasse de novas parcelas de R$ 300 para as contas das famílias mais miseráveis do país.
Na
sequência, seria natural que governo federal, governadores e prefeitos
debatessem em conjunto formas de melhor direcionar o investimento público. Não
só as verbas discricionárias dos ministérios, mas também os recursos sob os
cuidados dos Estados e municípios, de modo a otimizar esforços, gerar empregos
e rapidamente melhorar a imagem do Brasil entre os investidores estrangeiros.
Constaria da pauta, ainda, formas de destravar concessões e
parcerias-público-privadas (PPPs) - iniciativas que não representariam riscos
ao teto de gastos e, ao mesmo tempo, colocariam novamente as engrenagens da
economia para se mover nas mais diversas regiões do país.
Era
o plano. E o gatilho que gerava esse sentimento entre os governadores era
justamente a apresentação do aguardado programa nacional de imunização. Não é
de surpreender, portanto, que esse planejamento inicial não se confirmou.
O
conflito entre o presidente da República e os governadores voltou à pauta
extrapolando os limites antes delineados por Bolsonaro. Seus ataques não se
direcionam mais apenas aos governadores que poderiam lhe representar algum
risco direto nas eleições de 2022, como João Doria ou Wilson Witzel. Passaram a
ser horizontalizados. Colocaram todos os governadores, de partidos aliados
inclusive, na linha de tiro.
Primeiro
o presidente enviou ao Legislativo um projeto de lei complementar propondo
mudanças no cálculo do ICMS sobre combustíveis, uma das fontes de arrecadação
dos Estados. O objetivo é dar mais estabilidade aos preços, facilitando
principalmente a vida dos caminhoneiros, categoria alinhada a Bolsonaro.
A
equipe econômica argumenta que o projeto não gera necessariamente perdas aos
Estados e ao Distrito Federal, pois estes manteriam autonomia para fixar
alíquotas e garantir os atuais patamares de arrecadação. Por outro lado, o
simples ato de apresentar a proposição já gerou um ônus político aos
governadores, que irão se ver obrigados a explicar aos eleitores por que o
governo federal estaria sozinho na busca para reduzir os preços dos
combustíveis. O projeto tenta ressuscitar uma ideia que já foi bombardeada duas
vezes no Congresso e acabou não prosperando, mas para o presidente o que
interesse mesmo é um álibi a apresentar durante a campanha à reeleição.
Mais
deselegante foi a recente postagem de Bolsonaro detalhando repasses federais
para cada Estado, entre elas transferências obrigatórias. A publicação incluiu
valores para a saúde, a suspensão ou a renegociação de dívidas, até o auxílio
emergencial cujo valor foi elevado após pressão dos congressistas. Novamente os
governadores ficaram politicamente expostos, mas desta vez o interesse deles se
uniu a um movimento já em andamento em Brasília.
Entre
a linha de tiro e os alvos do presidente, posicionou-se o Congresso. Bolsonaro
ajudou a acelerar as articulações entre os governadores e a nova cúpula do
Legislativo, que vem intensificando os esforços para que deputados e senadores
tenham cada vez mais poder sobre o manejo das verbas orçamentárias. O que os
parlamentares querem acabar é justamente com a personificação das benesses
resultantes da execução do Orçamento-Geral da União na figura do chefe do Poder
Executivo. Bolsonaro pode acabar facilitando a vida dos defensores da ideia.
Essa
aliança tática pode gerar ainda outros constrangimentos a Bolsonaro. Deputados
e senadores insistem, por exemplo, no estabelecimento de prazos para a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar as vacinas, na liberação da
compra dos imunizantes pela iniciativa privada e podem aliviar a situação dos
Estados e dos municípios na PEC emergencial.
O
governo precisará de apoio para que o programa nacional de imunização, o plano
gerido pelo Ministério da Saúde, seja o único instrumento de imunização da
sociedade. As discussões sobre “lockdown”, que Bolsonaro tenta evitar,
necessariamente passarão por eles.
Prefeitos e empresários pressionam o Congresso para que isso seja flexibilizado. Laboratórios estão sendo procurados para que importem ou produzam de forma autônoma as vacinas o mais rápido possível, inclusive unidades veterinárias que poderiam rapidamente ser adaptadas. Os gestores estaduais também se preparam para os debates que a pandemia fomentará em 2022 e com certeza cobrarão a falta de resposta à agenda de retomada.
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