Não deveria ser surpresa a dificuldade do governo Bolsonaro com políticas econômicas de cunho liberal. Além do histórico antirreformas como parlamentar, já na campanha eleitoral seu discurso conflitava com o de Paulo Guedes, que tinha lá suas inconsistências. Como esquecer a inexequível promessa de receita de trilhões com a venda de ativos estatais?
O
“piloto automático” no Brasil é o intervencionismo estatal e a expansão de
gastos públicos. Romper esse padrão demanda um mínimo de convicção do
presidente e, certamente, muita capacidade política.
Depois dos avanços no breve governo Temer, seria importante Bolsonaro ao menos preservar o compromisso com a disciplina fiscal. E não só pelas consequências de curto prazo — já temos assistido aos efeitos do descontrole fiscal no mercado financeiro e no ambiente econômico. É preciso uma sequência de governos responsáveis para consolidar valores da sociedade e boas práticas na gestão pública, de modo afastar desvios perigosos de rota, como o do governo Dilma. Além disso, o compromisso depende de reformas estruturais para conter despesas obrigatórias, o que abriria caminho para melhorar a qualidade do gasto público e, em um futuro ainda distante, reduzir a carga tributária, muito mais elevada do que de outros emergentes.
As
despesas obrigatórias comprometem quase a totalidade do orçamento da União e
crescem automaticamente — por conta de indexações (como a correção de benefícios
previdenciários ao salário mínimo), vinculações e gastos mínimos (como na
educação), regras do funcionalismo (ajustes de salários e progressões na
carreira) e o próprio envelhecimento da população.
A
pandemia agravou o problema fiscal e a falta de perspectivas de superação da
crise de saúde alimenta a pressão por aumento de gastos. Para que as novas
gerações não sejam prejudicadas ainda mais — crianças e jovens mais pobres já
são muito penalizados com a falta de educação e empregos —, é crucial conter o
aumento da dívida pública.
A
disciplina fiscal não significa fechar os olhos aos vulneráveis. Afinal, os
mais pobres não podem arcar com as consequências da temerária gestão saúde
agravada pelas atitudes do presidente estimulando o descuido de cidadãos. Tampouco
se trata de forçar um ajuste rápido das contas públicas — nem seria possível
com regras que regem o orçamento público. A ideia é buscar medidas
compensatórias ao socorro aos vulneráveis, mesmo que com efeitos apenas no
médio-longo prazo. O importante é mudar o cenário atual de crescimento a perder
de vista da dívida pública.
Flexibilizar
a regra do teto para retomar o auxílio emergencial sem contrapartidas sólidas
será um grande equívoco e é um risco concreto que a PEC Emergencial oferece. Há
ameaças de todos os lados. O próprio líder do governo no Senado, Fernando
Bezerra Coelho, admitiu, em entrevista à Folha, o risco de outras medidas
criadas na crise pegarem carona no projeto.
Enquanto
isso as contrapartidas encolhem. A crise atual deveria elevar a barra de
exigências, mas o que ocorre é o contrário. O projeto atual preserva, em boa
medida, o funcionalismo, diferentemente da proposta original do Executivo, de
dezembro de 2019.
A
PEC Emergencial apresenta regras demais e instrumentos de menos para o efetivo
corte de despesas. A ideia de estabelecer uma trajetória para o endividamento
público, por lei complementar, poderá reduzir a força da regra do teto, que, de
tantos furos, poderá ter o mesmo fim da “regra de ouro” — descumprida
seguidamente, sem maiores consequências.
Além
disso, poderá atrapalhar a condução da política monetária pelo Banco Central.
Os gatilhos para medidas de ajuste quando as despesas sujeitas ao teto
atingirem 95% da despesa total poderão se mostrar inócuos na prática.
O
cenário mais provável é que a atual gestão contribua quase nada para o ajuste
fiscal, deixando a batata quente para o próximo governo. Além disso, pela
proposta, nada impediria novos decretos de calamidade pública adiante,
inclusive em 2022, abrindo espaço para mais gastos.
Muitos
parlamentares defendem aprovar a liberação de recursos agora e deixar a votação
das contrapartidas para depois. A depender do conteúdo final, de tão tímidas as
contrapartidas, o fatiamento da PEC não faria grande diferença.
A reação negativa dos mercados poderá constranger Executivo e Congresso. O fato é que os anúncios do governo perdem credibilidade a olhos nus.
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