quarta-feira, 3 de março de 2021

Reforma eleitoral pode gerar retrocessos, dizem analistas

Cientistas políticos avaliam que restrições à atuação do TSE e flexibilização da Ficha Limpa e da cláusula de barreira podem piorar sistema brasileiro

Dimitrius Dantas -/ O Globo

SÃO PAULO - Incentivada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a nova reforma eleitoral tem pontos que podem provocar retrocesso na legislação, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO. Cientista políticos acreditam que o projeto busca tirar protagonismo do Judiciário na definição de regras eleitorais e está inserido no contexto de medidas para proteger parlamentares, como a PEC da Imunidade.

Anteontem, Lira e a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do grupo de trabalho que prepara o texto da nova reforma eleitoral, reuniram-se com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso. Ao GLOBO, Lira disse que a conversa foi sobre a necessidade de ouvir diferentes grupos para a formulação da reforma.

Para a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos, um dos principais pontos é a proposta de proibir que o TSE edite normas que não tenham sido expressamente aprovadas pelo Congresso anteriormente — um exemplo de 2020 citado é a cota para candidatos negros. Deputados avaliam que a Corte cria regras demais sobre eleição e planejam, na reforma, disciplinar em que assuntos o tribunal pode atuar.

— Com a Câmara e o Senado alinhados ao presidente (Jair Bolsonaro), me parece que o Poder Legislativo quer assumir maior protagonismo. Essas lideranças apoiam o presidente e têm total interesse de manter o controle das regras que vão pautar as eleições do ano que vem — disse.

Segundo Maria do Socorro, o Judiciário tem adotado uma postura ativa na área eleitoral desde a década de 1990. Nas últimas eleições, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que os partidos cumprissem cotas de candidaturas negras.

Blindagem de parlamentares

A cientista política chama a atenção ainda para a discussão sobre inelegibilidade. Uma flexibilização da Lei da Ficha Limpa, que constava da PEC da Imunidade, será adotada pelo grupo de trabalho que trata da reforma eleitoral. Uma primeira versão da proposta previa que um candidato seria inelegível após condenação em duplo grau de jurisdição, mais leve do que diz a Lei da Ficha Limpa, que exige condenação por órgão colegiado — o primeiro julgamento de prefeitos e governadores já é numa instância do tipo, os Tribunais de Justiça.

— É um movimento que é coerente com o processo que está se fazendo no Congresso de reverter uma série de conquistas de combate à corrupção nos últimos anos — afirmou o cientista político Carlos Melo, do Insper.

Para Melo, outros pontos que serão discutidos pelo grupo de trabalho são de difícil aprovação. Um deles é o chamado distritão, que mudaria a forma como deputados e vereadores são eleitos. O Brasil utiliza o sistema proporcional para definir cargos no Legislativo: cada sigla tem direito a um número de vagas proporcional à votação de todos os seus candidatos.

Porém, alguns deputados defendem a adoção de um modelo em que são eleitos os candidatos mais votados em determinado distrito, independentemente do desempenho dos outros integrantes do partido. Na visão de cientistas políticos, essa medida praticamente inutiliza os partidos.

Outro ponto em pauta no grupo de trabalho e que recebe crítica de especialistas é o afrouxamento da cláusula de barreira, medida que exige um desempenho mínimo nas urnas para um partido ter acesso ao fundo eleitoral. O objetivo da regra em vigor é reduzir a fragmentação partidária, mas siglas nanicas se articulam para modificá-la.

Maria do Socorro também critica a ideia de mudar o calendário eleitoral para que todas as eleições ocorram no mesmo ano:

— Isso cria instabilidade no sistema, passa a imagem de imprevisibilidade.

Segundo Melo, embora ainda não declarado abertamente pelos deputados, outro ponto que pode entrar em pauta é o voto impresso. Ele destaca o momento inoportuno para os temas:

— Há questões mais importantes, como a vacina. Foi feita uma reforma há menos de cinco anos que ainda está sendo testada.

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