Quem
são esses eleitores? Onde moram, como vivem, o que pensam?
Parece
que nossos políticos são fruto de um experimento malsucedido, qualquer lama
tóxica criada em laboratório, mistura de enxofre com mofo e mandinga do mal,
que transbordou do tubo, criou membros e saiu se estapeando até chegar ao
Planalto. É claro que essa é a origem de alguns funcionários públicos, mas não
dos políticos.
Os
políticos foram eleitos. Por voto direto, num sistema democrático. Isso quer
dizer que alguém — muitos alguéns — acordaram num dia em novembro, foram até um
local de votação e apertaram uns botõezinhos, pensando: o Daniel Silveira fará
do Brasil um país melhor. Agora vai.
A
pergunta, então, não é como é possível sermos representados pelo pior, mas como
é possível sermos um povo que escolhe ser representado pelo pior. Quem são
esses eleitores? Onde moram, como vivem, o que pensam? Por que a suposta
ignorância é sinônimo de escolhas destrutivas?
Há 500 anos, um jovem de 22 anos se fez a mesma pergunta. O Discurso sobre a Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie, afirma que as pessoas se submetem a líderes autoritários e medíocres por hábito, apatia, e pela crença numa sociedade configurada com pirâmide: o tirano é apoiado por estafetas (o pessoal que saiu do tubo), apoiados por mais estafetas (nova leva), e assim por diante, até chegar à base amorfa e subserviente. La Boétie era francês, e só depois de quase 300 anos da publicação do livro é que a França se organizou como povo, afiou a guilhotina e se tornou mais justa.
“No
Brasil não há povo”, disse o biólogo francês Louis Couty em 1881 (mais sobre o
assunto no excelente livro de José Murilo de Carvalho “Os bestializados”). Povo
no sentido de sociedade organizada. No Brasil, os políticos levam o povo no
cabresto, perpetuando-se no poder devido à ignorância, apatia e alienação,
quando deveria ser o oposto: o povo é que tem que manter os políticos no
cabresto, cobrando ações e exigindo resultados.
Em
outubro do ano passado eu enviei dezenas de postais para eleitores de estados
republicanos, ressaltando a importância do voto e da democracia. Eu estava
cansada, a mão doía, dava preguiça, era um saco. Milhares de pessoas fizeram o
mesmo. Gente que não estava envolvida diretamente com política, mas viam em
Trump uma ameaça ao bem comum, e se sentiram no direito e no dever de agir.
Teve gente que ligou para eleitores. E os que produziram conteúdo que se tornou
viral nas mídias. Depois foram aqueles cinco dias de frente para a TV
acompanhando a contagem dos votos, e cada estado que se tornava democrático era
uma vitória pessoal, ligada às noites de mão doída escrevendo aos outros.
Por
muito pouco Trump não se reelegeu. E só não se reelegeu por causa da
extraordinária e massiva organização popular. Por causa do “We the people”
(Nós, o povo), que são as primeiras palavras da Constituição americana. A
Constituição brasileira começa de modo parecido: “Nós, os representantes do
povo.”
"Nós, os representantes do povo" (i.e., aquelas pessoas cheias de empatia que estão no Congresso), representam hoje a si mesmos. Nós, que escolhemos os representantes, precisamos nos organizar como povo e agir. Vai dar trabalho, mas é a única forma de evoluirmos como nação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário