O
pensamento estatizante do ex-deputado federal fluminense continua vivo no atual
presidente
Como
sociedade, valorizamos a saúde e a vida. Valorizamos também a liberdade
individual e o convívio social. Além, claro, das nossas necessidades materiais
para a sobrevivência e bem-estar.
A
pandemia parece ter criado uma barreira entre a proteção à vida e a
possibilidade de produção material e convívio social. Revelou-se também uma
forte lacuna entre as pessoas que são a favor e as que são contra as medidas de
isolamento social impostas pelos governos.
De
forma geral, tenho a impressão que uma das principais transformações na
sociedade contemporânea é a crescente polarização sobre diversos temas importantes
que nos defrontamos. A polarização é a divisão da sociedade em grupos
antagônicos, com visões completamente opostas a respeito de diversos temas.
Como, por exemplo, a aderência ao isolamento social e a vacinação, o controle
ou não dos preços dos combustíveis, entre outras questões.
Na verdade, não há problema que, em uma democracia, as pessoas pensem de forma diferente sobre diversos tópicos. Ao contrário, parece natural que esse seja o caso. Pessoas de diferentes gerações pensam de forma distinta e o contexto e experiências individuais moldam nossas posições.
Mas
é necessário o mínimo de respeito às diferenças. Sem falar que alguns desafios
em qualquer sociedade precisam ser superados de forma coletiva. Principalmente
quando a ação de um indivíduo tem efeito direto sobre o bem-estar de terceiros.
É
certamente o caso da pandemia atual. A covid-19 tem efeito diverso nas pessoas
e o risco de complicações e óbito variam com diversos fatores individuais. Um
desses principais fatores de risco é a idade. Nos Estados Unidos, por exemplo,
cerca de 80% das mais de 500 mil mortes em decorrência da covid-19 foram de
pessoas com mais de 65 anos de idade. Assim, as pessoas com baixo perigo de
complicações não internalizam os riscos sociais da transmissão do vírus.
Como
consequência, é essencial os governos informarem a população sobre os riscos de
contágio do vírus e de como controlar sua transmissão, guiando as ações
individuais com o objetivo de conter a pandemia. Em alguns casos, intervenções
mais fortes de restrições à circulação das pessoas são necessárias para evitar
o colapso do sistema público de saúde. Tais intervenções estão sendo agora
implementadas por diversos governadores do Brasil, com o crescimento da segunda
onda de infecções e o aumento na ocupação das UTIs por pacientes com
complicações geradas pelo novo coronavírus.
Até
recentemente, as medidas de isolamento social e higiene eram praticamente as
únicas formas de preservar vidas nesta pandemia. Agora, com a chegada de
diversas vacinas e a confirmação de que as mesmas são eficazes contra um quadro
grave decorrente de covid-19, há forte esperança de volta a certa normalidade
que tínhamos há pouco mais de um ano. É o caso de Israel, onde mais de 50% da
população já recebeu a primeira dose de alguma vacina contra a covid-19 e o
país vem relaxando as restrições de circulação de pessoas e de convívio social.
O Reino Unido segue caminho parecido com mais de 30% das pessoas vacinadas.
Nesses
países há uma forte mensagem das autoridades sanitárias para as pessoas se
vacinarem. A Rainha Elisabeth II deu o exemplo, incentivando as pessoas a se
vacinarem. O governo de Israel adotou um certificado digital de vacinação para
o acesso das pessoas a academias e espetáculos esportivos e culturais.
O
ponto é que o governo e as lideranças políticas têm papel fundamental para
influenciar as expectativas e o comportamento das pessoas, seja de forma
positiva ou negativa para a melhoria do bem-estar social.
Temos,
em geral, a visão que as normas sociais e as crenças são persistentes e
difíceis de sofrerem alterações. Mas não é necessariamente o caso. O brasileiro
Leonardo Bursztyn, professor de economia da Universidade de Chicago, tem
dedicado sua pesquisa ao assunto. Ele estuda diversas questões sobre como as
normas sociais podem ser modificadas. Um exemplo, é o seu trabalho “Do
Extremismo ao Mainstream”, publicado na American Economic Review, mostrando que
a chegada do ex-presidente Donald Trump ao poder em 2016 levou ao aumento da
xenofobia e da tolerância à xenofobia nos Estados Unidos.
Ro’ee
Levy, pesquisador do MIT, publicou no último volume da American Economic Review
seu artigo que demonstra como os códigos das redes sociais podem aumentar a
polarização. Tratam-se de veículos de transmissão de ideias e notícias, que
através dos botões de “likes” e “dislikes” tendem a mostrar os conteúdos com os
quais concordamos. Assim, tais códigos aumentam a exposição das pessoas a sua
forma anterior de pensar e diminuem a exposição a outras ideias e notícias. Ele
vai além e em experimento controlado, demonstra que as pessoas expostas às
ideias inicialmente contrárias às suas, diminuem a postura negativa em relação
às ideias anteriormente antagônicas.
Quando
Jair Bolsonaro entrou no poder, a expectativa era que algumas de suas retóricas
agressivas contra determinados grupos eram apenas uma estratégia de ocupar um
vácuo na sociedade e chegar ao poder. No entanto, a retórica e os exemplos
irresponsáveis do presidente nesta pandemia, inclusive em relação à vacinação,
preencheu de forma negativa os noticiários nacionais e internacionais. A forma
de defesa do presidente e seus aliados foi sempre agredir o mensageiro.
O
lado intervencionista e corporativista de Jair Bolsonaro já tinha sido
demonstrado durante seus anos de deputado federal. A esperança de muita gente
era que, assim como os indivíduos do experimento do Ro’ee Levy, a exposição às
ideias liberais, através do convívio e conversas com Paulo Guedes, poderia
mudar a visão intervencionista do presidente Bolsonaro.
A
agenda liberal do atual governo parece ter sido abandonada, mas alguns podem
argumentar que a pandemia acabou com qualquer plano estratégico do governo. No
entanto, o anúncio da demissão do presidente da Petrobras, Roberto Castello
Branco, com o objetivo de controlar o preço do diesel, demonstra que o
pensamento estatizante do ex- deputado fluminense continua vivo no atual
presidente. Nossa experiência recente com o intervencionismo na Petrobras
mostra que há mais conformidade de Jair Bolsonaro com o governo Dilma do que
antes poderia se imaginar nos códigos das redes sociais.
*Tiago Cavalcanti, professor de economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
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