O
ministro do Supremo Edson Fachin redesenhou ontem não apenas o futuro jurídico
da Operação Lava-Jato, mas provocou um abalo político que terá repercussões até
2022. Anulou as decisões do ex-juiz Sergio Moro em quatro processos contra o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a aceitação da denúncia. Decidiu
que Moro não tinha competência para julgá-lo nem condená-lo, pois seu escopo de
ação estava limitado a suspeitas relacionadas à Petrobras. Despachou à Justiça
de Brasília quatro processos que tramitaram em Curitiba e julgou não terem
relação alguma com a estatal. Preservou apenas o trabalho de instrução
realizado pela polícia e pelo Ministério Público. O novo juiz decidirá o que
fazer. Pode nem sequer aceitar as denúncias.
O
primeiro efeito da decisão se dará no julgamento, na Segunda Turma, do pedido
de suspeição de Moro pela defesa de Lula. Fachin deu por extintas as causas
alegando parcialidade de Moro. O segundo efeito é que, se a decisão resistir ao
recurso da Procuradoria-Geral da República, Lula recuperaria seus direitos
políticos e poderia se candidatar em 2022.
Não é difícil entender a intenção de Fachin, relator da Lava-Jato e ministro conhecido pela posição favorável à operação. A derrota prevista para o julgamento de Moro na Segunda Turma poderia ter consequências ainda mais nefastas. Primeiro, o processo inteiro contra Lula seria anulado (na decisão, Fachin não anulou as provas colhidas na fase de instrução). Segundo, uma decisão que referendasse promiscuidade entre Moro e os procuradores da Lava-Jato com base na troca de mensagens vazadas ilegalmente poderia ter repercussão em dezenas de outros processos e pôr a perder todo o trabalho da operação.
Fachin
procurou preservar o que era possível. Ainda que seja um golpe forte na
Lava-Jato, a decisão poupa Moro de dores de cabeça futuras, com a repercussão
de uma decisão desfavorável da Segunda Turma noutros processos. Nas últimas
semanas, Moro vinha sofrendo seguidas derrotas no Supremo no embate para
invalidar o uso das mensagens como prova. A decisão de Fachin poderá tornar
irrelevante a questão.
Em
seu voto, Fachin lembra que que, em 2015, quando já se multiplicavam as
denúncias sobre o esquema montado na Petrobras, o plenário do Supremo decidiu
que o então relator da Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, assim como Moro, só
receberia casos que envolvessem a Petrobras. Processos que chegaram a ir para
Curitiba já foram distribuídos à Justiça de outros estados (caso do que envolve
a refinaria Abreu e Lima, retirado de Curitiba e enviado ao Recife). É possível
que o plenário do Supremo tenha de referendar a decisão de Fachin, que
extrapola o esperado no julgamento de embargos da defesa. Seria uma garantia de
maior legitimidade.
A
principal consequência dela, porém, já está na mesa. A mera possibilidade de
Lula se candidatar em 2022 fez derreter os mercados. Isso porque permitiria, em
tese, que Jair Bolsonaro repetisse a polarização ideológica que o levou à
vitória em 2018, contra o petista Fernando Haddad. Aumenta bastante o desafio
para a oposição de centro. É cedo para especular sobre o destino das
candidaturas, mas é inegável que Lula é o rival dos sonhos de Bolsonaro — e
vice-versa.
Incertezas
criadas com anulação de ações contra Lula requerem resposta do STF
Ao
anular com uma canetada todas as ações movidas pela Lava Jato contra o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Curitiba, o ministro Edson
Fachin, do Supremo Tribunal Federal, tomou sozinho uma decisão de enorme
impacto.
O
despacho desta segunda (8) determina que os processos sejam encaminhados à
Justiça Federal do Distrito Federal, para que as acusações do Ministério
Público Federal sejam reexaminadas e o líder petista tenha novo julgamento.
A
anulação das sentenças que condenaram Lula nos casos do tríplex de Guarujá e do
sítio de Atibaia restitui por ora seus direitos políticos e abre caminho para
que ele volte a disputar eleições, embaralhando as cartas da sucessão do
presidente Jair Bolsonaro.
Fachin
tomou a drástica medida ao examinar um recurso apresentado pela defesa do
ex-presidente no fim do ano passado, em que os advogados questionaram mais uma
vez a competência da Justiça Federal do Paraná para julgar Lula.
Ao
longo dos anos, o STF estabeleceu o entendimento de que somente processos
relacionados ao esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato na Petrobras
tramitariam em Curitiba, sendo transferidas a outras jurisdições as demais
ramificações.
A
corte ainda não havia tratado do problema no caso específico de Lula, em que as
conexões com os desvios na estatal não são incontestes. Ao fazê-lo, Fachin
entendeu que as ações movidas contra o ex-presidente estavam no lugar errado e
remeteu tudo para Brasília.
Embora
os questionamentos do líder petista à competência de Curitiba tenham sido
recorrentes nos últimos anos, o ministro argumentou que somente agora a
consolidação da jurisprudência do tribunal tornava viável seu exame.
A
decisão não tem relação com os questionamentos feitos pela defesa de Lula à
isenção do ex-juiz Sergio Moro, assunto de um habeas corpus que agora Fachin
mandou arquivar. Existe a hipótese de que ele tenha procurado conter danos,
impedindo o efeito cascata que uma reprovação a Moro poderia gerar.
Mas
é possível que os advogados do ex-presidente insistam para que a corte examine
os métodos heterodoxos do ex-juiz, com o objetivo de anular também as
investigações que, sob sua supervisão, reuniram as provas anexadas às denúncias
do Ministério Público, o que criaria tumulto em toda parte.
Os
demais ministros do STF ainda terão chance de opinar sobre a decisão de Fachin
no plenário, quando for recebido o recurso anunciado pela Procuradoria-Geral da
República contra a medida. Caberá ao colegiado encontrar rapidamente o
equilíbrio necessário para a preservação da ordem jurídica e da credibilidade
do tribunal.
Vexame em Israel – Opinião / Folha de S. Paulo
Comitiva
que gasta verba pública em busca de spray deveria aprender sobre vacina
Na
sequência de descalabros da gestão da pandemia de Covid-19 pelo governo Jair
Bolsonaro, a viagem
de uma comitiva a Israel em busca de um spray nasal que está em fase
inicial de testes seria apenas ridícula se não consumisse dinheiro público já
escasso.
Comandado
pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o grupo oficial de dez
integrantes desembarcou naquele país no sábado (6) com objetivo principal de
assinar um memorando para trazer tal droga ao Brasil —conforme declarado pelo
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que faz parte da trupe.
Ocorre
que o remédio, chamado EXO-CD24 e dado como possivelmente “milagroso” pelo
chanceler, ainda está na chamada fase 1 de pesquisa clínica. Não se sabe se a
droga, que é usada contra o câncer de ovário, é segura e eficaz para pacientes
de Covid-19.
A
previsão é que a etapa inicial dos experimentos com o spray em Israel —com
apenas 30 pessoas— seja concluída em 25 de março. Tudo correndo bem, o
desempenho da droga contra o coronavírus será então testada nas etapas
seguintes com amostras maiores.
Não
tem cabimento, portanto, uma viagem oficial por um produto cuja pesquisa
clínica está apenas começando. Para uma ideia, somente em drogas aplicadas por
inalação contra a Covid-19 há 35 experimentos em humanos no mundo. A pesquisa
de Israel está entre as mais incipientes delas.
O
vexame da incursão em Israel é maior por se tratar do país recordista mundial
em vacinação na crise sanitária. Mais da metade da população israelense já foi
imunizada, ante menos de 5% no Brasil.
Lá,
os membros da comitiva foram instados a
fazer distanciamento social e a usar máscaras faciais —práticas que
renegam aqui.
Enquanto
isso o governo de Jair Bolsonaro fracassa miseravelmente em providenciar o
único instrumento capaz de conduzir à superação da pandemia —a vacina. Ao menos
esse ensinamento deveria ser absorvido em Israel, se os enviados mostrassem
alguma disposição para o aprendizado.
A macabra proeza de Bolsonaro – Opinião / O Estado de S. Paulo
Bolsonaro
está conseguindo fazer o que parecia impossível. Ao ignorar suas
responsabilidades, está abrindo caminho para o retorno político de Lula
Jair Bolsonaro está conseguindo fazer o que parecia impossível. Ao ignorar suas responsabilidades e debochar continuamente dos problemas do País e da saúde dos brasileiros, está abrindo caminho para o retorno político do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, seja por meio de algum preposto, seja pessoalmente, agora que o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações do demiurgo de Garanhuns – e na hipótese de que o Supremo mantenha essa nefasta sentença. Bolsonaro, por palavras e omissões, ajudou a recriar o monstrengo que já atormentou em demasia este país.
O
assunto é da maior gravidade, pois traz de volta ao cenário político um grande
perigo para o País. Aquele que foi eleito por ser o mais antipetista dos
candidatos não apenas descumpre suas promessas de campanha, como está
produzindo a perfeita antítese das expectativas do seu eleitorado: o
ressurgimento do fantasma do lulopetismo.
Não
se trata de mera hipótese ou recurso retórico. Recente pesquisa de opinião
feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) constatou que, nas
atuais circunstâncias, o líder político com maior potencial de voto é o sr.
Luiz Inácio Lula da Silva. Nada mais nada menos que metade dos entrevistados
revelou a possibilidade de votar em Lula.
É
desolador constatar que o mais famoso ficha-suja do País, condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro, voltou a ser, para metade do eleitorado, uma
opção possível de voto. Tal resultado não se refere obviamente a nenhum mérito
do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que, como se sabe, tem nos últimos tempos se
dedicado especialmente às suas pendências com a Justiça penal.
A
pesquisa revela o que o governo de Jair Bolsonaro tem sido capaz de despertar
no ânimo dos brasileiros. Tal é o descalabro da atual administração federal que
metade da população já não vê como impossível votar naquele cujo governo
produziu os maiores escândalos de corrupção da história do País.
Pode
parecer ironia, mas Jair Bolsonaro está fazendo com que parte considerável da
população se esqueça dos males e prejuízos causados pelo mensalão e petrolão e
já não exclua do horizonte o voto em Lula – ou no seu preposto. Aquele que prometeu
eliminar o lulopetismo é quem está agora lhe dando uma inesperada e perigosa
sobrevida.
Há
quem pense que, por estar inelegível em razão da condenação criminal, o sr.
Luiz Inácio Lula da Silva não representaria perigo ao País. Não seria, assim,
preciso preocupar-se com o líder petista. Nada mais distante da realidade.
Mesmo quando esteve impedido de se eleger, Lula foi capaz de produzir sérios
estragos por meio de seus testas de ferro. Basta pensar no governo de Dilma
Rousseff e nas eleições de 2018. Fernando Haddad chegou ao segundo turno por
obra e graça daquele que, na ocasião, estava na carceragem da Polícia Federal
de Curitiba.
Não
há como amenizar a gravidade da situação criada pelo presidente Jair Bolsonaro.
É um tremendo retrocesso para o País o fato de que parcela relevante da
população, estupefata com os contínuos desastres produzidos pelo atual governo
federal, volte a considerar o PT como um voto possível. É como se o despautério
do tempo presente levasse a esquecer ou, ao menos, a relevar o aparelhamento
político-ideológico da máquina estatal, os desvios da Petrobrás, a
interferência na autonomia do Congresso, a omissão nas reformas, o abuso do
poder político, os privilégios às corporações.
Em
2018, muitos eleitores votaram em Jair Bolsonaro convictos de que era a melhor
opção para o País. Outros deram o seu voto ao ex-capitão do Exército pensando
que era o único jeito de derrotar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Sabiam que,
apesar de constar na cédula o nome de Fernando Haddad, o verdadeiro candidato
do PT – quem iria de fato mandar caso a chapa fosse eleita – era Lula. Agora,
há uma situação inteiramente inversa. Em vez de ser o ex-prefeito petista de
São Paulo, é o próprio Bolsonaro que faz Lula sonhar em ter viabilidade
política.
A
situação esdrúxula expõe um novo engano. Quem continua apoiando Jair Bolsonaro
achando que, assim, ao menos impede um mal maior – a volta do PT ao poder –
pode, na verdade, estar contribuindo exatamente para aquilo que tanto rejeita.
Não se vence a irresponsabilidade petista com outra irresponsabilidade.
Dólar alto, expectativas baixas – Opinião / O Estado de S. Paulo
Incertezas
crescem, governo se omite e pioram as projeções para a economia
Pandemia solta, vacinação lenta, hospitais lotados, inflação pressionada, juros em alta no mercado americano, incerteza sobre os juros no Brasil, insegurança fiscal: há um vasto cardápio de motivos para explicar os temores do mercado. Denunciar a falta de rumo já se tornou lugar comum, entre economistas de renome, nas avaliações do governo federal. Nesse ambiente de muita névoa e muita dúvida, a semana começou com o dólar disparando nas primeiras negociações de ontem. A cotação cedeu com as vendas de exportadores, mas no meio da tarde estava acima de R$ 5,72, nível 11% superior ao do início do ano. Parece estranho, além de assustador, um dólar tão caro num país com superávit comercial, contas externas em ordem e robusto volume de reservas. Algo muito anormal deve estar ocorrendo.
A
estranheza desaparece quando se vê o presidente da República demitir o
presidente da maior estatal brasileira, uma grande empresa de petróleo, para
dar satisfação a seus amigos caminhoneiros. Tudo parece mais claro – e até mais
assustador – quando esse presidente se refere a seu indicado para a vaga como
alguém disposto a atender às suas preferências. “Agora o general vai chegar na
Petrobrás e fazer o trabalho que eu gostaria que fizesse, que o outro não
fazia”, disse ele em seu pronunciamento semanal. Assim se trata uma grande
empresa de capital aberto e com ações negociadas no exterior? Sim, se a decisão
depender do capitão Bolsonaro.
O
dólar instável e muito mais caro do que seria, se houvesse no Brasil um governo
central de padrões normais, tem sido, desde o ano passado, um importante
combustível para a inflação. Mas esse governo, ou, mais propriamente,
desgoverno, é um permanente fator de insegurança. Há motivos muito sérios para
se restabelecer o auxílio emergencial, especialmente num quadro de alto
desemprego, agravamento da pandemia e preços já muito altos para as famílias
pobres. Mas ninguém pode dizer com alguma segurança como se arrumarão as contas
públicas neste ano e no próximo.
A
insegurança quanto a essas contas tende a dificultar o financiamento do
Tesouro. Será inútil o Banco Central (BC) insistir em juros básicos de 2% ao
ano se faltar, no mercado, confiança em relação ao controle das finanças
federais. Se o pessimismo aumentar, a rolagem da dívida pública ficará mais
difícil e mais cara, com perdas para o governo e para o setor privado.
A
essas preocupações é preciso adicionar o temor da inflação. No mês passado, o
Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu 2,71%,
pouco menos que em janeiro (2,91%), mas a taxa ainda foi muito elevada. O
indicador aumentou 5,69% no bimestre e 29,95% em 12 meses. Em fevereiro do ano
passado, a variação mensal havia sido de 0,01%, com 6,40% de alta acumulada em
12 meses.
O
Índice de Preços por Atacado, principal componente do IGP, subiu 3,40% em
fevereiro e 41,77% em 12 meses. Perdeu um pouco de impulso, mas permanece
ameaçador. Em sentido contrário, o Índice de Preços ao Consumidor aumentou
0,54% em fevereiro, o dobro da taxa de janeiro (0,27%), e acumulou variação de
5,41% em 13 meses. As sérias dificuldades da maior parte das famílias têm
claramente impedido um repasse maior de aumentos do atacado ao varejo.
Alimentos
e matérias-primas têm ficado mais caros fora e dentro do País. O dólar tem
ampliado a alta dos preços no mercado interno, prejudicando as famílias e
dificultando a recuperação da economia.
Como
resultado de todo esse desarranjo, pioram as expectativas, como indica a
pesquisa Focus, conduzida pelo BC. A inflação projetada para o ano subiu pela
nona semana consecutiva e atingiu 3,98%, número bem superior ao centro da meta (3,75%)
fixada para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em quatro
semanas o crescimento estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 3,47%
para 3,26%. A insegurança cresce, as expectativas pioram e o presidente ofende
quem chora os mortos, tenta evitar o coronavírus e cobra alguma coordenação do
poder federal. Para piorar o quadro ressurge o abantesma petista.
Um governo de verdade – Opinião / O Estado de S. Paulo
Governadores
ocupam o vácuo administrativo gerado pela indiferença de Bolsonaro
A mobilização de quase todos os governadores do País para dar um caráter nacional às medidas de enfrentamento da pandemia de covid-19, anunciada no fim de semana passado, é consequência não somente da percepção da emergência sanitária, mas, sobretudo, da conclusão de que não temos governo federal – ao qual deveria caber a coordenação desses esforços.
Os
governadores envolvidos representam mais de 95% da população nacional, o que é
um indicativo da abrangência do movimento. Esses Estados já estavam tomando as
medidas que julgavam adequadas ou possíveis, e há tempos deixaram de contar com
a colaboração do Ministério da Saúde – comandado por um obediente servidor do
presidente Jair Bolsonaro, hoje o mais feroz adversário dos governadores. A novidade
é que agora os governadores pretendem adotar providências mais ou menos
uniformes no País, como se tivessem sido formuladas e encaminhadas por um poder
central.
Não
se sabe se a iniciativa terá sucesso, mas é um claro sinal de que os gestores
estaduais pretendem ocupar o vácuo administrativo gerado pela indiferença de
Bolsonaro em relação à pandemia. Para imprimir uma marca institucional ainda
mais forte ao projeto, os governadores buscaram – e aparentemente obtiveram – o
envolvimento do comando do Congresso. A resposta foi inicialmente positiva, e
já se fala na criação de um “gabinete de crise” – algo que deveria existir
desde quando a pandemia tornou-se realidade, há mais de um ano.
Havia
a expectativa de envolver também o intendente Eduardo Pazuello, mas apenas como
coadjuvante, o que dá a dimensão do descrédito que o governo federal inspira
naqueles que são obrigados a lidar com a dura realidade da pandemia.
Desde
sempre, Bolsonaro – que estimula aglomerações, critica o uso de máscaras e
ataca restrições adotadas por Estados e municípios – julga que seu papel na
pandemia é apenas o de liberar verbas, e olhe lá. Por suas ordens diretas e
explícitas, o Ministério da Saúde deixou de participar da corrida mundial por
vacinas, e hoje o País só não enfrenta escassez maior de imunizantes porque o
governo paulista se esforçou para produzir a Coronavac – que Bolsonaro tudo fez
para desmoralizar, por razões eleitoreiras.
Ante
o desastre econômico, social e humanitário resultante de sua condução errática
e muitas vezes criminosa da crise e ante a queda acentuada de sua popularidade,
Bolsonaro afinal parece ter decidido ao menos parar de sabotar a vacinação –
defendida veementemente pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, como a
única forma de acelerar a recuperação do País.
O
governo informou, como se fosse um grande feito, que Bolsonaro acaba de
negociar pessoalmente com a Pfizer o fornecimento de vacinas. A Pfizer,
recorde-se, ofereceu imunizantes ao Brasil em agosto do ano passado, mas
Bolsonaro rejeitou, de forma truculenta. Ou seja, o presidente finalmente tomou
uma decisão correta, mas insuficiente e claramente tardia, pois milhares de
vidas poderiam ter sido poupadas.
Conscientes
de que Bolsonaro não será o líder de que o País precisa, os governadores
pretendem pelo menos reduzir os danos produzidos por sua irresponsabilidade.
Querem diluir o ônus político das medidas restritivas contra a covid-19
transformando-as em ações coordenadas entre os diversos Estados.
Na
prática, os governadores sabem que Bolsonaro continuará a prejudicar seus
esforços, ao defender que não haja nenhuma forma de fechamento, explorando
demagogicamente a aflição dos brasileiros que precisam voltar a trabalhar.
Ontem, o presidente disse que não vai decretar lockdown e, qual um Brancaleone,
ainda declarou: “O meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar
em casa”.
Não
se sabe a que exército o presidente estava se referindo, pois o Exército
brasileiro não tem dono. Mas Bolsonaro, que já disse que “eu sou a Constituição”,
se considera senhor do Estado. Então, deixemos que Bolsonaro brinque de ser
presidente de seu cercadinho de lunáticos, enquanto as forças políticas,
judiciais e sociais responsáveis se unem para dar um mínimo de governança ao
Estado real, que deve enfrentar problemas reais com soluções reais.
Falta de insumos coloca mais barreiras à retomada – Opinião / Valor Econômico
Em
vez de buscar soluções, Executivo e o Legislativo discutem temas secundários
A
retomada do nível de atividades no fim de 2020 pegou alguns setores da economia
com estoques baixos. Desde então, as empresas vêm tentando recompor a produção.
Mas nem todos os insumos estão disponíveis, sem falar que alguns preços
subiram, na esteira da alta de diversas commodities e da desvalorização do
real. A segunda onda da covid-19 vai acentuar a crise de abastecimento. O
quadro põe em xeque a expectativa de recuperação da produção e ameaça as vendas
ao mercado externo, também colocadas em risco por causa da demora da vacinação
da população.
Um
dos setores mais afetados é a indústria automobilística, surpreendida com
estoques baixos por um inesperado aumento da demanda já no fim do ano passado.
Faltam aço, materiais plásticos, pneus e, mais recentemente, componentes
eletrônicos. A escassez de chips afeta montadoras no mundo todo e fabricantes
de diversos bens como eletroeletrônicos. Em uma visão otimista há quem aposte
que o gargalo dos chips vai ser resolvido em seis meses. Mas há quem espere uma
melhora apenas no próximo ano. Não só a forte demanda de produtos eletrônicos
provocada pela pandemia causa o problema, mas também a guerra comercial entre
os Estados Unidos e a China, desencadeada pelo então presidente americano
Donald Trump.
Há
também entraves de logística como dificuldades de transporte. Muitas montadoras
operam com estoques mínimos, pela estratégia “just in time”, e foram
surpreendidas pela diminuição das frotas de cargueiros e menor oferta de voos,
resultado da restrição aos contatos para desacelerar o contágio pelo
coronavírus.
Inicialmente
foram feitas paralisações pontuais da produção, depois transformadas em
interrupções mais longas que exigiram a negociação entre empresas e sindicatos
por uma saída para evitar demissões. Das 12 montadoras, foram obrigadas a parar
total ou parcialmente suas fábricas General Motors (GM), Fiat, Honda e Renault.
Em
consequência dessas dificuldades, a produção das montadoras caiu 3,5% no mês
passado na comparação com fevereiro de 2020. Entre carros de passeio,
utilitários leves, caminhões e ônibus, 197 mil veículos foram montados em
fevereiro, o volume mais baixo dos últimos sete meses. Os estoques continuam
baixos: são 98 mil unidades entre indústrias e concessionárias, volume
suficiente para 18 dias de vendas. As exportações somaram 33,1 mil unidades, o
menor volume embarcado no mês de fevereiro desde 2015.
Outros
setores que consomem aço e plásticos também relatam gargalos de abastecimento
como as indústrias de máquinas, de material de construção e de
eletroeletrônicos. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos (Abimaq) trabalha com a expectativa de que os atrasos na entrega
de aço durem mais quatro meses. Há forte demanda para a recomposição de
estoques e as usinas estão trabalhando com 60% a 70% da capacidade instalada
tomada.
A
Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) reclama da falta de
resinas plásticas e óleo de palma, usado em cerca de metade dos alimentos
industrializados do país. Já a Associação Brasileira da Indústria do Plástico
(Abiplast) se queixa de dificuldades de entregas de polipropileno e da alta dos
preços. A Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) registra
demanda em alta desde o início da pandemia dado o forte aumento das atividades
de comércio eletrônico. Janeiro foi o sétimo mês seguido de recorde mensal de
vendas. Mas os períodos de lockdown em diversas regiões interromperam a coleta
de material reciclado que compõe quase 70% da fibra usada na produção de
embalagens de papel ondulado, dobrando o preço final em alguns casos.
A falta de insumos aflige a economia em um momento em que termina a carência de linhas especiais de crédito concedidas no ano passado e o pagamento das dívidas precisa ser retomado. Além disso, perderam a vigência os programas de apoio à manutenção dos empregos, sem falar no fim no auxílio emergencial. O gargalo vem se somar à preocupação com a desaceleração do nível de atividades causada pelo recrudescimento da pandemia. Em vez de buscar soluções, o Executivo e o Legislativo desviam o foco para temas secundários como a liberação de armas e a imunidade parlamentar. Ou então divergem em relação ao ajuste fiscal, contribuindo para elevar ainda mais o dólar. A consequência é o enfraquecimento ainda maior da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário