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O Globo
O
debate político desde a divulgação pelo “Intercept Brasil” das conversas entre
os procuradores de Curitiba e deles com o então juiz Sergio Moro, fruto da
invasão por hackers de aplicativos de mensagem de autoridades em Brasília,
desenvolveu-se entre os favoráveis ou contrários à Operação Lava-Jato, no meio
político e também no Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora as conversas não possam servir como prova, pois conseguidas de maneira
ilegal, elas foram divulgadas amplamente, mesmo com a autorização do Supremo, e
certamente influenciaram a mudança do ambiente político. Essa guerra de
narrativas encontrou na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sua
representação nas pessoas dos ministros Gilmar Mendes, contrário, e Edson
Fachin, favorável.
O que aconteceu ontem foi apenas mais uma etapa dessa disputa, que pode ter
hoje, na reunião da Segunda Turma, seu prosseguimento. O ministro Gilmar Mendes
estaria disposto a levar para o plenário da Turma a questão da parcialidade de
Sergio Moro e provavelmente ganharia, pois, com a chegada do ministro Nunes
Marques, a maioria contra a Lava-Jato ficou fixada antes mesmo de qualquer
julgamento.
Daí o movimento brusco de Fachin de encaminhar os processos contra Lula para a
Justiça Federal de Brasília, preservando os atos de investigação e acusação,
mas anulando as decisões. Os movimentos de Gilmar Mendes e Edson Fachin têm
pouco a ver com o ex-presidente, que acabou se beneficiando desse embate.
Gilmar quer acabar com a Lava-Jato, que já apoiou enfaticamente, e Fachin quer
preservá-la, mesmo abrindo mão dos processos contra Lula.
Se a votação da parcialidade de Moro fosse referendada pela Segunda Turma,
todos os processos da Lava-Jato estariam em xeque. Nada é mais importante do
que analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos tempos no
país para definirmos seu papel neste momento político. A suprema guerra se
desenvolve às claras, nas reuniões plenárias, e sobretudo nos bastidores.
Fachin tentou uma manobra, colocando no plenário virtual uma ação da defesa de
Lula pela parcialidade de dois ministros do Tribunal Regional Federal (TRF-4)
que avalizaram a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia. Como as razões
aventadas eram muito frágeis, provavelmente a defesa do ex-presidente perderia,
o que levaria Fachin a argumentar que, como o TRF-4 havia julgado Lula, e
inclusive aumentado sua pena, não poderiam ser anuladas as decisões de Moro.
O risco era grande, e a defesa de Lula retirou o caso do plenário virtual “para
aperfeiçoá-lo”. O movimento de Fachin ontem talvez não impeça a decisão de
Gilmar Mendes de levar à reunião de hoje a questão da parcialidade de Moro. Ele
estaria disposto a arrostar a decisão de Fachin, e a disputa pode ter que ser
resolvida pelo presidente Luiz Fux, adepto da Lava-Jato.
A pressão política para que o ex-juiz Moro seja julgado é grande, mesmo com a
decisão do relator da Lava-Jato de considerar extinta a causa, por falta de
objeto. Fachin alegou na sua decisão que, embora a questão da competência já
tivesse sido suscitada indiretamente, “esta é a a primeira vez que o argumento
reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e
aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal”.
Ele se refere à jurisprudência que teria sido alterada nos últimos meses,
restringindo o alcance da competência da 13ª Vara Federal e enviando para Varas
de todo o país, e para Tribunais Eleitorais (TREs), os processos iniciados pela
Lava-Jato, contra seu voto. Se a Justiça do DF confirmar as condenações e Lula for
novamente condenado na segunda instância, voltaria a ser inelegível, mas isso
dificilmente acontecerá, pois os crimes já devem estar prescritos, ou quase, e
ninguém vai assumir o mesmo desgaste de conduzir essa batalha da Lava-Jato.
Nada que saiu de Curitiba, fora os processos do Rio de Janeiro, avançou. Os
processos que não tenham vínculos claros com a Petrobras serão anulados. E Lula
provavelmente será o candidato do PT em 2022. A não ser que o inesperado volte
a fazer uma surpresa, como sói acontecer no Brasil.
Edson Fachin, que era ligado ao PT antes de ser indicado para o STF, beneficiou
Lula, mas esse não era seu objetivo principal. Gilmar Mendes, que estava
rompido com Lula, que fora seu amigo, também ajudou a libertar o ex-presidente.
A suprema guerra escreve política por linhas tortas.
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