Outra dimensão diz respeito ao jogo político: a condenação de Lula, desde sempre questionada por parcela da comunidade jurídica, mais uma vez se torna elemento de disputa política. Agora, com sinal trocado. Se antes, desafetos do ex-presidente usavam a Justiça para detratá-lo; neste momento, serão seus aliados que evocarão a mesma Justiça para erguer a bandeira de sua vitimização. Isso traz saldos.
Abre-se, assim, um novo campo na cena conjuntural.
À parte de erros gritantes, Bolsonaro se dava ao luxo de ainda não ter um
antagonista à altura, que se impusesse política e eleitoralmente. Um adversário
de carne e osso. João Doria, é verdade, tem tentado. Mas, vindo de um apoio ao
presidente em 2018, estava na defensiva. O resto do chamado centro se perde
repleto de nomes e sem alternativa clara. Com Lula, é diferente.
O petista reemerge para o jogo político com pelo
menos duas vantagens: a primeira, a narrativa do injustiçado, como já se disse.
A segunda, beneficiado pelo pior momento e pelo desgaste amplo e geral do
adversário. A lista é grande: a condução do governo na pandemia é literalmente
uma tragédia, a crise econômica carece de rumo, já é reconhecido o estelionato
eleitoral no combate à corrupção e na conversão ao liberalismo; os problemas
com os filhos, a mansão de Flávio Bolsonaro, tudo faz sangrar.
Além, é claro, o mau humor da comunidade
internacional com o Brasil. O temor do mundo de que o País possa, em razão das
atitudes de Bolsonaro, significar o maior risco do planeta na proliferação de
novas variantes do vírus.
Num cenário visto assim tão de perto, é difícil
afirmar que a liberação de Lula possa de algum modo favorecer a Jair Bolsonaro.
Contudo, há que se considerar que, é verdade, o presidente passa a ter a
bandeira do antipetismo para empunhar novamente. Seus argumentos serão mais
frágeis e sua credibilidade muito mais abalada do que em 2018, mas não deixará
de ser oportunidade de um evocação às bases. Uma ordem unida para juntar a
tropa.
Evidente que, ainda sob o impacto do fato novo, não
se sabe como militares, eleitores e políticos de centro, além de setores da
economia, reagirão a esse chamamento. Nem como Lula se comportará nesse
primeiro momento: dará vazão ao ressentimento, articulará novos pactos e
alianças, ou deixará que, por enquanto, Bolsonaro sangre na soma de seus erros?
O certo é que a decisão de Fachin acelerou o processo.
*Carlos Melo, cientista
político. Professor do Insper.
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