Estamos tão viciados na dicotomia Bolsonaro-PT que não largamos dela
Em
breve descobriremos se a decisão
do ministro Fachin de anular quatro processos contra Lula por um erro
de jurisdição (que já tinha sido discutido no passado) veio a favor ou contra
Lula, a favor ou contra Moro, para salvar ou matar a Lava Jato.
Tudo
está em aberto, a depender da velocidade do tribunal do Distrito Federal e da
segunda instância. Se
os julgamentos demorarem, a vitória é de Lula, que concorrerá em 2022. Se
forem rápidos, Lula voltará a ser ficha-suja, dessa vez sem a esperança de uma
reversão graças à suspeição
de Sergio Moro. Uma decisão judicial deveria ser completamente alheia à
política. Mas a instabilidade, arbitrariedade e casuísmo das decisões no Brasil
obrigam que a gente as interprete apenas dessa maneira.
Seja como for, essa reviravolta monocrática, ainda que coloque tudo de volta no mesmo lugar, reacendeu nos corações e mentes aquela suspeita chata, que buscamos afastar e que, como uma mosca, se recusa a ir embora: a de que, em 2022, ficaremos entre Bolsonaro e PT.
Os
males de Bolsonaro dispensam apresentação. Estamos há dois anos sob o governo
mais inepto que este país já viu, com um presidente que é fonte constante de
instabilidade e ataques às instituições. Educação, saúde pública e meio
ambiente jogados ao fogo; o Brasil, um pária internacional; o debate público envenenado
por mentiras numa escala inédita; perseguição à imprensa; a tal agenda de
reformas já com o pé na cova.
Lula,
por sua vez, traz um PT não só sem a famosa “autocrítica”, mas empedernido em
seus piores crimes. Pelo discurso partidário, não houve mensalão nem corrupção
na Petrobras ou junto às empreiteiras. Foi tudo uma criação da mídia e da
direita e chegou a hora da desforra. Nas propostas, é populismo na veia: da
economia ao controle da mídia.
É
quase impensável Bolsonaro não ir pro segundo turno. Vivemos
o pior momento da pandemia em que, sem figura de linguagem, Bolsonaro
matou ao menos dezenas de milhares de pessoas. Se os seus 30% não o abandonaram
até agora, é preciso muita fé para imaginar que o abandonarão depois. A chance
de impedir o Bolsonaro-PT, portanto, está em alguém superar o candidato do PT
no primeiro turno.
Pelo
que as pesquisas mostram, há uma chance. Se o voto da esquerda for fragmentado
e o centro se unificar em um candidato (que concentre os votos hoje
pulverizados entre Moro, Doria, Mandetta, Huck) há um caminho para alguém de
fora da polarização ir para o segundo turno. Outro caminho é Ciro conseguir
alguns votos do centro e conquistar parte da esquerda que iria para o candidato
do PT. Só não é provável.
Se
Lula for candidato, fica ainda mais difícil. Lula concentra os votos que
estariam dispersos na esquerda. Isso mata a chance de um nome de
centro-esquerda como Ciro. Bolsonaro também se fortalece com Lula candidato, o
que dificultará a vida dos demais nomes de centro.
O
nome que poderia mais naturalmente se colocar ao mesmo tempo contra Lula e
Bolsonaro e ainda reivindicar o legado da Lava Jato —hoje enterrada por uma
combinação dos três Poderes— é Sergio Moro, mas ele parece determinado a se
omitir do debate político.
PT
e Bolsonaro, se acontecer, não será uma escolha difícil. Cada um de nós já sabe
muito bem como votaria. Mas colocar-nos nessa escolha já é uma derrota. Estamos
tão viciados na dicotomia e tão descrentes de qualquer terceira via que não largamos
dela. Guiamos para o precipício, vemos o precipício na nossa frente, mas não
mudamos a rota.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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