Lula, de novo elegível, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho.
É
difícil avaliar a repercussão e os desdobramentos da decisão de Edson Fachin
que, de uma só vez, monocraticamente, considerou sem validade todas as
condenações de Lula. O ministro considerou que a Vara Federal de Curitiba não
era o foro adequado para julgar os processos do ex-presidente, remetendo-os à
justiça do Distrito Federal.
É
mais fácil pensar no que a motivou. Fachin sabia que seria derrotado na Segunda
Turma, antecipou-se a ela e deve ter tentado esvaziar a provável suspeição de
Sergio Moro, artífice das condenações. Se terá êxito nisso não se sabe. Depois
que se decidiu liberar os áudios da Vaza-Jato a Lula, era só questão de tempo
soltar as amarras do ex-presidente, fazendo com que os processos voltassem à
estaca zero.
Tudo isso tem um preço: como fica a imagem do STF, órgão supremo que precisou de cinco anos para descobrir que tudo que havia sido endossado pelos tribunais inferiores não passava de erro, de farsa, de injustiça? Há um quê de desmoralização que não passa despercebido. Pior para a vida institucional do País, que fica sem retaguarda.
Também
é fácil vislumbrar a espuma de ódio que esguichará da boca dos bolsonaristas.
Não por medo ou raiva, mas sim porque verão no fato um instrumento de campanha
eleitoral, que agora está definitivamente aberta. Sentir-se-ão turbinados,
revitalizados. Vira-se uma página para trás, de volta a 2018, ao antipetismo e
ao antilulismo que tanta força deu à eleição do capitão.
É
uma boa notícia para Bolsonaro, pois agora, quando o governo se mostra mais
perdido e atarantado do que nunca, com nuvens carregadas pela pandemia, pelas
mortes, pelo desemprego, pelas dificuldades fiscais, foi jogada na mesa uma
carta que pode justificar as seguidas omissões presidenciais: ele agora dirá
que o velho “inimigo” de antes voltou ao ringue e precisa ser combatido. O
mesmo trololó de antes, de sempre, com direito a um pouco mais de fúria contra
o STF.
Do
lado de lá, não dá para cravar que a notícia fará com que Lula se proclame
imediatamente candidato. O ex-presidente poderá voltar a ser penalizado no
médio prazo, a depender da velocidade com que trabalharem a Justiça do Distrito
Federal e o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1).
De
certo mesmo é que a decisão de Fachin espirrará em outras eventuais
candidaturas potenciais, tipo Ciro Gomes e Flávio Dino, que ficarão
paralisados, na expectativa dos próximos lances.
Lula,
porém, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho. Volta ao
jogo com a bandeira do “injustiçado” tremulando mais alto, o que é um trunfo
importante. Mas sabe que não vencerá a eleição sem um vínculo com o centro, com
o mercado, os bancos. Poderá subir o tom contra Bolsonaro, lançar feromônios
para seduzir o povo que o adora, mas também precisará suavizar o discurso para
atrair os moderados e oferecer a eles alguma perspectiva de poder.
Até mesmo algo diferente poderá acontecer: uma coalizão de centro-esquerda que faça direito as contas, avalie politicamente a correlação de forças e convença o ex-presidente a aderir a um tertius e a um programa que salve o País. Tudo está, afinal, para ser jogado e no tabuleiro não há peças irremovíveis, nem vitoriosos por antecipação.
*Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp
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