Presidente
da Câmara encontrou-se com o ministro oito vezes em um mês
Animado
com a perspectiva de ver seus projetos avançarem com a vitória de Arthur Lira
(PP-AL) sobre Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara, o ministro da
Economia, Paulo Guedes, fez planos ambiciosos num almoço no começo de fevereiro
com deputados. O cardápio era a autonomia do Banco Central, mas um entusiasmado
Guedes já projetava, entre uma garfada e outra, a aprovação de marcos legais,
privatizações e reformas que ainda nem tinham chegado ao Congresso. Líder do PL
e principal aliado de Lira, o deputado Wellington Roberto (PB) foi o
responsável por estragar a sobremesa: “Não pensa que agora está tudo resolvido
não, viu?”
Se o alerta naquele dia não foi suficiente, assim como parece não ter sido a demissão do presidente da Petrobras e a intervenção no Banco do Brasil, o balde de água fria pode ter chegado em outra votação tão importante quanto, a proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial. Guedes queria desvincular tudo, ficou sem o fim dos pisos para educação e saúde, sua principal bandeira nesse projeto, e ainda acabou engolindo verbas carimbadas para os militares.
De
um projeto duro para diminuir os gastos obrigatórios e abrir espaço para uma
nova rodada do auxílio emergencial dentro das regras fiscais vigentes, o texto
virou uma série de paliativos opcionais para governadores e prefeitos e criou
uma regra que, apesar do alto engessamento das contas da União existente hoje,
só será aplicada em 2024, caso os gastos obrigatórios continuem crescendo. Isso
se o teto de gastos se manter até lá.
A
PEC abriu uma fissura no teto com a permissão para que o auxílio ignore as
regras fiscais em até R$ 44 bilhões - valor maior que um ano inteiro de Bolsa
Família. Era mais fácil o governo ter esperado uma semana e editado uma medida
provisória (MP) com créditos extraordinários para pagar uma nova rodada do
benefício, fingindo que o “lockdown” decretado por governadores exigiu esse
gasto adicional, do que todo o esforço para votar uma PEC com pouco efeito no
curto prazo e medidas duvidosas no longo prazo.
O
plano para redução dos incentivos tributários e benefícios fiscais, por
exemplo, pode ficar nisso, só um plano, já que as exceções incluídas de largada
dão pouquíssima margem para manobra e as punições para caso os cortes não
ocorram foram excluídas do parecer antes da aprovação. Quando chegar a hora de
votar esse plano, nova pressão surgirá dos atingidos e inclusive dentro do
próprio governo. Ou alguém acha que o presidente Jair Bolsonaro vai propor, a
um ano da eleição, acabar de vez com as deduções com ensino e saúde privados no
Imposto de Renda?
O
almoço em que aliados de Lira “deram a real” para o ministro serviria para que
Guedes explicasse a proposta de estabelecer mandatos para o presidente e os
diretores da autoridade monetária e tirasse as últimas dúvidas dos deputados.
Com a presença de representantes de partidos que, dias antes, sustentavam a
candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) à presidência da Câmara, ali ficou
sacramentada a maioria que, no dia seguinte, deu 339 votos a favor da proposta,
margem suficiente para aprovar uma PEC.
Um
placar tão expressivo foi visto como prova do sucesso vindouro da agenda
econômica, mas esse texto teve peculiaridades. A autonomia do Banco Central
vinha sendo debatida há quase três décadas, mas, na visão dos deputados, é um
projeto mais simples porque quem estava abrindo mão de poder era o próprio
presidente da República. Não haveria desgaste imediato para eles e, por outro
lado, seria uma boa sinalização de que estavam empenhados em adotar medidas
para a economia.
Significaria,
também, o pontapé inicial da nova relação entre Executivo e Legislativo. Os
deputados fizeram seu gesto, o governo fez o dele e o deputado João Roma
(Republicanos-BA) foi nomeado dois dias depois ministro da Cidadania. Demais
trocas na equipe ministerial ficaram suspensas, mas ainda são aguardadas pelo
Centrão para as próximas semanas.
Guedes
encontrou em Lira um aliado, assim como era Maia no início do governo. O novo
presidente da Câmara reuniu-se quase duas vezes por semana com o ministro desde
que assumiu o cargo. Foram oito encontros, entre conversas privadas, reuniões
junto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os atos de entrega
das privatizações da Eletrobras e dos Correios e até uma entrevista “simbólica”
dos dois juntos para uma rádio.
Se
a relação continuará harmoniosa ou descambará para a troca de ofensas públicas,
só o tempo e a efetividade das medidas propostas pelo ministro dirão. Mas o
novo momento já mostra um Guedes mais amadurecido e que silenciou completamente
sobre a aprovação, pela Câmara, de projeto que cria uma linha de crédito
bilionária para as empresas de eventos, obriga uma renegociação das dívidas
desse setor e concede até isenção de impostos por cinco anos para essas
empresas.
O
projeto foi aprovado sem previsão de como essas ações serão pagas, mas Lira
decidiu pautá-lo pelo compromisso assumido com o deputado Felipe Carreras
(PSB-PE), que brigou com o partido ao apoiar publicamente a eleição dele. O
aval do presidente da Câmara levou a um apoio em massa dos partidos, diante do
fechamento do comércio e serviços em várias cidades, e o governo fez vista
grossa para não brigar com o aliado. A estratégia foi engolir calado e
trabalhar para que o projeto fique esquecido nos escaninhos do Senado. Guedes,
que outrora sairia atirando, consentiu calado.
Desde a autonomia do Banco Central e a rejeição das emendas à nova lei cambial, ambas no mesmo dia, outros oito projetos foram votados pela Câmara, mas a agenda de Lira migrou para a vacinação contra a covid-19 e a blindagem aos parlamentares (uma promessa implícita com sua eleição). Na “live” do Valor, há duas semanas, ele reclamou que desanima a pouca importância que o mercado deu à aprovação da autonomia. “Como assim está precificado? A gente não pode estar matando um leão por semana”, protestou. Os temas caros a Guedes voltarão à baila agora, com a PEC para destravar o auxílio emergencial.
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