O
fantasma petista assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se
afastando, por causa de seus desatinos na pandemia
Como
dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até
seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz
natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se
opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da
Odebrecht, OAS e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de
Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua
própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.
A
decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as
expectativas de punição do ex-ministro Sérgio Moro e dos integrantes da
força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa
de Lula. No mundo jurídicos e nos meios políticos, a aposta era de que somente
a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por
suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria
mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo.
Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes
ficou com o voto na mão.
Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sérgio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção.
Outros
réus poderiam pedir anulação de seus respectivos processos, pois é disso que se
trata, principalmente para os advogados que atuam na Lava-Jato e sempre
questionaram os métodos heterodoxos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na
prática, a decisão de Fachin pode garantir a presença de Lula na eleição porque
uma condenação em segunda instância, no Tribunal Regional Federal de Brasília,
uma Corte garantista, leva em média 6 anos; além disso, como Lula tem mais de
70 anos, o caso já estará prescrito, pois os fatos ocorreram há quase dez anos
e a prescrição cai de 16 para oito anos.
O
segundo foco é o Congresso, principalmente a Câmara, cujo presidente, Arthur
Lira lidera as articulações para acabar com a Lava-Jato. O Centrão e maioria
das bancadas do PT e do PSDB apostavam na suspeição de Moro. O terceiro, o
Palácio do Planalto, muito mais interessado no fim da Lava-Jato e na
inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A retórica de Bolsonaro sobre a decisão mira o desgaste do Supremo junto aos militares e uma parte da opinião pública. A candidatura de Lula já está precificada. No esquema binário da narrativa bolsonarista, a esquerda é o inimigo principal. O fantasma de Lula assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia e outras questões nas quais confronta os grandes consensos. Com Lula livre, o discurso golpista de Bolsonaro ganha uma dimensão eleitoral antecipada, com sua cantilena contra a urna eletrônica. Ou seja, quer ganhar no voto ou no grito.
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