- Ele mente! Ele
mente! Ele mente!...
Cínicos,
confortavelmente coniventes com a deturpação da verdade, um ou dois dos
concorrentes, sem a mesma coragem, assistiam no fundo aquela cena escatológica
de indignação.
Era o debate
entre os candidatos à Presidência da República do Brasil na eleição de 2006. Um
deles fazia a análise da realidade brasileira para os 80 milhões de
telespectadores que assistiam ávidos aqueles que, como pretensos futuros chefe
do Estado brasileiro, dissertavam sobre soluções para as angústias da população,
apresentando retóricas plataformas de Governo.
Mesmo o Brasil sendo tratado como país emergente, a brasilidade parece alinhar-se ainda hoje mais com a enxurrada de mentiras que candidatos a cargos políticos apresentam, como verdades absolutas. São versões fantasiosas, parcializadas, distorções estatísticas e jeitinhos criativos, inclusive para as contas públicas. Desfigurar a verdade tornou-se tão comum, que tende a se transformar em uma teoria de desenvolvimento – uma ciência do engano – embora já sejam marcas do perfil irresponsável dos brasileiros: o uso pleno do direito de mentir, como previu Benjamin Constant.
Há lá fora uma
descrença generalizada nos governos do Brasil e, internamente, ainda maior com
relação aos pretensos governantes. Todos mentiam e continuam
mentindo, cada vez mais. De tanto mentir, convencem a si mesmo de que a
comunidade internacional acredita na lisura e honorabilidade que pregam. A
evasão fiscal e a fuga dos investimentos estrangeiros no País (27% do total
arrecadado), demonstram o contrário.
O País perdeu a
direção desde que abandonou a expressão unificadora do civismo – estigmatizada
de fascista - que mantinha os brasileiros interconectados por uma
identidade comum. Mergulhou-se em um caldeirão de direitos difusos e
ambiguidades trazidas pela modernidade tardia pelas minorias e pelas
ideologias conspiratórias, gerando uma insegurança geral.
A cidadania
passou a flutuar sobre ondas sucessivas de temas como questões de gênero,
liberdade para o consumo de drogas, combate ao racismo (?) e ao trabalho
infantil, etc. Com verdades parciais, o brasileiro ingressou num mundo de
mentiras e de ódio, importando modelos doentios. Nesse caldeirão, a redução da
pobreza tornou-se um problema menor. O número de pobres aumenta e o de mortos
também, e não é só por força do Covid. Stálin ensinou aos pretensos
governantes que a morte de uma pessoa é, de fato, uma tragédia, mas a de
milhares apenas uma estatística.
A verdade vos
libertará. Não caia nessa. Pois o que se entende por verdade está vagarosamente
desaparecendo, dando lugar ao direito de mentir. Verdade vem se
tornando coisa para místicos, mergulhados em ilusões, que se esforçam em
dar aparência real ao que é apenas um estado metafísico, configurado na
linguagem que adota.
Enquanto Kant
descreveu a verdade como subjetiva, Nietzsche a descreveu como uma ilusão, uma
imposição daqueles que exercem o poder e que chegam a justificar a mentira
como oportunas. Há quem acredite, sobretudo as vítimas, que a
verdade um dia aflorará. A história a libertará. Ora, que papo! Qual
história vai fazer isso? Não a contada por Stálin, por Hitler,
por Enver Hoxha e por alguns governantes da América Latina. Mente-se,
mente-se e mente-se, com tanta convicção que fazem escola. Assim vai
sendo construída a história da brasilidade.
Lembro-me do nosso
mago, fazedor de milagres, Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda que, deixou o
governo Médici, anunciando uma inflação de 11%. O sucessor, o também economista
Mário Simonsen, professor da Fundação Getúlio Vargas, ao substituí-lo,
mostrou que ela estava em 25%, e que logo, logo, chegaria a 40%. Na Nova
República, chegou a 2.000% ao ano. Embora mentira tenha consequências,
todo pretendente a governante quer contar a própria história: é a
influência de narciso.
No Brasil, agora,
caminha-se para o reconhecimento legal do “hackerismo”, essa atividade ilegal
e corruptora dos sistemas e da vida social, fazendo uso do direito
benjaminiano de mentir.
Dadas as mesmas
condições, ele vai se legitimar em jurisprudências, e ganhar um lugar
institucional no mundo do trabalho, e até cursos em universidades. É a
privacidade que vai, oficialmente, “pras cucuias”, com a ajuda do nosso
Judiciário. A prática da mentira já está instalada no cotidiano do brasileiro,
pelo admitido como a “ciência do engano”.
Imaginar
que o STF é o guardião da verdade constitucional e que presidentes ou
candidatos políticos trazem ilibadas verdades é para lá de ingênuo e de abuso
contra o cidadão. Uma CPI da Lava Toga seria oportuna para interromper o fluxo
de mentiras, se não servir para legitimar, como verdade, falsas versões
correntes.
Vão-se quase dois
anos que 27 senadores assinaram o requerimento para a abertura da CPI da Lava
Toga. Com medo da verdade, os próprios autores a mantêm arquivada. Para
enterrá-la, inventaram a CPI da Covid. O País está mergulhado em verdadeiras
oficinas do Diabo, que levam os brasileiros a enxergar virtudes
e heróis, em cima de plataformas de mentiras.
*Aylê-Salassié F. Quintão, jornalista e professor
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