Não
faltaram recados e indiretas a Jair Bolsonaro, embora Renan Calheiros tenha
evitado citar nominalmente o presidente da República. Em seu discurso na
primeira sessão da CPI da Covid, o relator, porém, foi mais direto ao falar das
Forças Armadas, botando o dedo diretamente na relação que é uma das principais
bases de apoio do governo Bolsonaro.
Em dois anos e meio, os militares apoiaram o presidenciável Jair Bolsonaro, ocuparam muitos postos na administração federal e, em que pesem alguns estremecimentos e rompimento com os que foram demitidos do governo, os principais atritos entre o presidente e os militares se restringiram à preocupação manifestada fora dos microfones de que um mau desempenho do governo contamine a imagem das Forças Armadas. Esse ponto jamais esteve tão em risco como agora, e a CPI será um novo teste da solidez dessa aliança.
Não
se trata de esperar que os militares, categoria longe de ser homogênea,
abandone ou não o presidente. Mas o Exército, especialmente, dificilmente
escapará do escrutínio da CPI, e precisará limitar até que ponto poderá dividir
responsabilização sobre erros da crise com o governo.
A
fala de Renan tocou em pontos sensíveis na caserna. Citou as “454 mortes em
combate na Segunda Guerra Mundial”, episódio quase sagrados para as Forças,
lembrando em seguida que diariamente morre um número maior de brasileiros. “O
que teria acontecido se tivéssemos enviado um infectologista para comandar
nossas tropas?”, perguntou Renan. “Porque guerras se enfrentam com
especialistas, sejam elas bélicas ou sanitárias. A diretriz é clara: militar
nos quartéis e médicos na Saúde. Quando se inverte, a morte é certa. E foi isso
que aconteceu”.
É
muito possível, porém, que a CPI tenha de ir além da participação de militares
na gestão de Eduardo Pazuello. Embora Renan tenha dito em seu primeiro discurso
que “não é o Exército que estará sob análise”, as investigações que a comissão
fará sobre propaganda e distribuição de remédios sem eficácia cientificamente
comprovada pode alcançar a compra de insumos e produção da hidroxicloroquina
pela Força. O Exército, inclusive, já foi instado pelo Tribunal de Contas da
União a, juntamente com o Ministério da Saúde, prestar esclarecimento sobre os
gastos com a produção e distribuição do remédio.
Uma
eventual convocação de um militar da ativa, fardado, a dar depoimento na mesa
da CPI, é uma cena com grande potencial de danos à imagem das Forças Armadas.
O
último comandante do Exército, general Edson Pujol, perdeu o posto após
divergência públicas com o presidente no discurso de combate à pandemia.
No
seu retorno ao protagonismo do noticiário político, Renan Calheiros reservou
também outros recados. Um dos principais articuladores da resistência da classe
política à Lava-Jato, repetiu no discurso ataques ao ex-juiz Sergio Moro — “não
vou condenar ninguém por convicção” — e aos procuradores da antiga força-tarefa
de Curitiba — “aqui nessa CPI não vai ter PowerPoint”.
Opositor
ao governo Bolsonaro, o senador não perdeu a oportunidade de lançar uma
alfinetada ao procurador-geral da República, Augusto Aras. Numa referência
indireta à inércia da PGR para investigar possíveis crimes do presidente na
pandemia, Renan afirmou que “CPIs vicejam quando os canais tradicionais de
investigação se mostram obstruídos e isso é um ensinamento histórico”.
Por fim, fez também uma provocação a Bolsonaro, mesmo sem citá-lo. Ao elogiar o Supremo Tribunal Federal (STF) por ter garantido à minoria do Senado o direito de instalação da CPI após atingir as assinaturas necessárias, afirmou que o tribunal foi “terrivelmente democrático”, fazendo questão de usar o advérbio preferido do presidente sempre que afirma, há dois anos, que indicará um evangélico para o Supremo.
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