quarta-feira, 28 de abril de 2021

Nilson Teixeira - Avanço rápido das reformas é improvável

- Valor Econômico

Desgastes na imagem do governo dificultam a conquista da maioria necessária para aprovar seus projetos

O resultado dos embates para a sanção do orçamento federal de 2021 foi negativo. Como em 2020, o governo precisou redefinir as regras do resultado primário, do teto dos gastos e de ouro - “veda que os ingressos financeiros oriundos do endividamento sejam superiores ao conjunto de investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida”.

As despesas relativas à pandemia superiores a R$ 100 bilhões (1,3% do PIB) retiradas do cálculo das regras fiscais incluem: o Auxílio Emergencial de R$ 44 bilhões; os gastos em saúde com a pandemia; o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) - transferências em contrapartida aos acordos para manutenção do vínculo de emprego em caso de suspensão temporária do contrato de trabalho e de redução da jornada e do salário; e o Programa Nacional de Apoio aos Microempreendedores e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) - financiamento para investimentos ou capital de giro por 36 meses à taxa Selic mais 1,25% ao ano para empresas no Simples com renda anual de até R$ 4,8 milhões.

O aumento dos recursos destinados às emendas parlamentares não acrescentou por si só um risco relevante para a sustentabilidade da dívida pública. Parte da elevação dessas despesas obrigatórias não será executada, pois muitos beneficiários serão incapazes de atender as condições para liberação dos recursos. No entanto, a redefinição das regras fiscais sinaliza possível nova alta de gastos em 2022, quando haverá eleições para renovação do Congresso.

Porquanto cientes dos riscos, alguns participantes do mercado avaliam que a definição do orçamento deste ano foi favorável ao transferir o foco para uma agenda mais positiva. Segundo essa leitura, os parlamentares passarão a analisar medidas para o equilíbrio fiscal e para o aumento do crescimento potencial, como os projetos de melhoria das condições de negócios e as Reformas Administrativa e Tributária - o acordo é que a primeira comece a transitar na Câmara dos Deputados e a segunda no Senado.

Sou cético sobre a aprovação de medidas profundas o suficiente para promover uma transformação dos fundamentos. As propostas do governo têm sido parciais, além de serem prejudicadas pela dubiedade do presidente da República. A aprovação da Reforma Previdenciária, quando o governo tinha uma base de apoio robusta e uma maior taxa de aprovação, é um bom exemplo. As propostas do Ministério da Economia esbarraram na visão do presidente, que apoiou mudanças que estabeleceram uma menor idade mínima para a aposentadoria, regras de transição mais suaves e a manutenção de privilégios para os militares.

A proposta de Reforma Administrativa padece do mesmo mal, ao não incluir os atuais servidores e, portanto, impedir que haja uma economia relevante por muitos anos. Além disso, não existe uma percepção consolidada na sociedade sobre a desmedida transferência de recursos públicos para os servidores. Enquanto não ocorrer esse convencimento, os ajustes não terão impacto no curto prazo. Apesar dos seus pontos positivos, a falta de uma defesa enfática dessa reforma pelo presidente estimulará a desconfiguração do projeto, com a submissão de muitas emendas para defesa dos privilégios do funcionalismo.

O governo divulgou o conceito geral da sua Reforma Tributária no ano passado, mas optou por só encaminhar a primeira fase no PL 3887/2020, supostamente para elevar a chance de sua aprovação. A falta de articulação com os projetos já em tramitação no Congresso - PEC 45/2019 da Câmara dos Deputados e PEC 110/2019 do Senado - foi notória e tende a prolongar a tramitação da proposta. O relatório da Comissão Mista da Reforma Tributária, já postergado várias vezes, buscará aparentemente uma consolidação dos pontos consensuais do PL e das PECs. Mesmo assim, é provável que essa versão também sofra alterações substanciais durante sua tramitação.

As propostas de Reforma Tributária desde 2004 têm sido sujeitas a muita pressão por parte dos entes da federação e de grupos de interesse. Os Estados e municípios lutam pelo aumento da sua parcela das receitas, enquanto os diversos setores buscam a redução da sua carga de impostos e a manutenção de subsídios e renúncias tributárias. Apesar de o debate sobre os pontos comuns às três propostas ser possivelmente a alternativa viável, é difícil discutir apenas parte da reforma e alcançar uma tributação eficiente. De toda forma, nem os coordenadores políticos do governo nem os líderes da sua coalizão de apoio têm tratado das reformas, o que sugere que o debate está longe de despertar interesse.

Esses obstáculos crescem com os prognósticos incertos sobre a vacinação, em função de questionamentos sobre a oferta de vacinas pelos laboratórios no exterior e de insumos para sua produção doméstica. Com o número de mortes por covid-19 alcançando cerca de 3,5 mil por dia e acumulando quase 400 mil, o governo terá dificuldade para transferir o foco do Congresso para outro tema.

A fraca articulação política do Executivo também não permite vislumbrar avanço imediato no debate sobre as duas reformas. A instalação da CPI da Pandemia no Senado atesta essa fragilidade. O governo não foi capaz de construir uma base majoritária na comissão nem de garantir a escolha de um presidente e de um relator que lhe seja favorável. Assim, é provável que o Executivo sofra desgastes reiterados na sua imagem nos próximos meses, dificultando a conquista de uma maioria sólida necessária para aprovar seus projetos.

Em suma, ajustes mais significativos no curto prazo exigiriam uma liderança política do governo ainda inexistente. O atual momento da saúde pública e a falta de interesse do presidente em cortar privilégios sugerem que o otimismo de uma parte dos participantes de mercado está mais associado à esperança de uma resposta política adequada do que à realidade. Nessas condições, é possível que haja uma desilusão sobre esses avanços e uma maior certeza de que o progresso virá apenas com a posse de um novo governo e uma eventual renegociação do atual acordo social.

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