quarta-feira, 28 de abril de 2021

Elio Gaspari - O caos de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo / O Globo

No Brasil, ao padecimento sanitário juntou-se um governo negacionista e caótico

Outro dia, o capitão perguntou:

— O que eu me preparo?

E respondeu:

— Não vou entrar em detalhes, um caos no Brasil.

Em março do ano passado, Bolsonaro reclamava da “histeria” diante do vírus, levantava o estandarte do Apocalipse, com uma frase que explica seu comportamento diante da pandemia:

— Vai ter um caos muito maior se a economia afundar. Se a economia afundar, afunda o Brasil. (...) Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo.

Entre as duas referências de Bolsonaro ao caos, morreram perto de 400 mil pessoas, e a população aguentou o tranco com sofrimento e paciência.

Todos os povos e governos sofrem com a pandemia. No Brasil, ao padecimento sanitário juntou-se um governo negacionista e caótico. Fritou três ministros da Saúde, combateu o distanciamento, menosprezou as máscaras e enalteceu as virtudes da cloroquina.

Uma coisa é um governo que se acautela diante do risco de um caos. (Nesse caso, os detalhes são bem-vindos.) Bem outra é apreciar o caos, até mesmo desejando-o.

Em apenas uma semana, o governo de Bolsonaro produziu alguns episódios sinalizadores de um governo que, até mesmo por inépcia, patrocina o caos.

O programa Pátria Solidária, aninhado no Palácio do Planalto com o objetivo de recolher doações para enfrentar a pandemia, gastou R$ 9,6 milhões para fazer propaganda de si e arrecadou R$ 5,89 milhões.

A Secretaria de Comunicação do Planalto não comentou a discrepância. Até há bem pouco tempo, ela era dirigida pelo doutor Fabio Wajngarten. Ele acabara de dar uma entrevista contando que, em setembro, tentou apresentar ao Ministério da Saúde uma proposta do laboratório Pfizer. Já haviam morrido 123 mil pessoas:

— Se o contrato da Pfizer tivesse sido assinado em setembro ou outubro, as vacinas teriam chegado no fim do ano passado. (...) Incompetência e ineficiência.

Dias depois, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi fotografado num shopping center de Manaus sem máscara, fazendo piada com a transgressão:

— Onde se compra isso?

O general estava nas redes, e seu sucessor, Marcelo Queiroga, de máscara, contava que faltavam vacinas para a segunda dose em alguns estados porque eles seguiram a recomendação do ministério de avançar sobre os estoques.

Bolsonaro sonhava com crises antes mesmo da pandemia. Com ela, transmutou-se num São Jorge cavalgando o cavalo branco para matar o dragão e salvar a princesa. Ela está lá, de máscara, e o dragão não apareceu. Os desconfortos que afligem o governo decorrem da armadura desconjuntada do Santo Guerreiro, de sua lança torta e de uma sela visivelmente desconfortável.

A marquetagem do Pátria Solidária, as revelações de Wajngarten, a conduta de Pazuello e a falta de vacinas refletem um caos que está no governo, não vem de fora dele.

A Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil de Bolsonaro encaminhou a 13 ministérios uma pauta de 23 perguntas que poderão aparecer na CPI da Covid, pedindo pronta resposta.

Lê-las é um passeio pelo caos da desarticulação e da falta de gestão do governo. Algum membro da CPI bem que poderia devolvê-las, perguntando por que a curiosidade só surgiu agora.

Nas próximas quatro quartas-feiras, o signatário usufruirá o isolamento e o ócio, sempre pesquisando as virtudes da cloroquina.

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