quarta-feira, 28 de abril de 2021

Biden marca 100 dias de governo com pacote de US$ 1,8 trilhão que amplia rede de proteção social

Terceiro grande pacote do governo, que será anunciado hoje em discurso ao Congresso, promove acesso gratuito a faculdades comunitárias, universalização de creches e licença médica remunerada; ricos terão aumento no IR

André Duchiade / O Globo

Tendo atuado como senador por 36 anos, Joe Biden foi um dos políticos americanos que mais assistiu a discursos presidenciais em sessões conjuntas do Congresso. Na condição de vice, por oito anos ele acompanhou os pronunciamentos de Barack Obama aos congressistas. Nesta quarta-feira, antevéspera de completar o centésimo dia de mandato, Biden fala pela primeira vez a deputados e senadores reunidos, numa sessão em que pretende fazer um balanço do início de sua gestão e apresentar caminhos a seguir, com o anúncio de mais um pacote econômico, o terceiro que propõe, agora destinado a ampliar a rede de proteção social do país.

O discurso em sessão conjunta do Congresso no primeiro ano de mandato foi adotado pelos seis últimos presidentes americanos. A fala — que geralmente ocorre em fevereiro, mas foi adiada em função da pandemia — substitui o discurso sobre o Estado da União, e tem como propósito expor a agenda presidencial aos congressistas. Já o discurso do Estado da União, em janeiro dos anos seguintes, serve para que o mandatário faça um resumo de suas realizações.

A grande novidade do discurso será o anúncio de mais um volumoso pacote financeiro, destinado a reforçar a educação, a assistência infantil e os direitos trabalhistas nos EUA. Denominado Plano para as Famílias Americanas, o pacote terá um custo de US$ 1,8 trilhão. Entre as suas prioridades, estão o acesso gratuito a faculdades comunitárias, acesso universal a creches, a instituição de licença médica e familiar remunerada e créditos fiscais para os mais pobres.

O pacote, se aprovado, será financiado principalmente por aumentos de impostos para os americanos mais ricos. Entre as propostas em discussão estão a volta da alíquota de Imposto de Renda para pessoas físicas superior aos índices anteriores aos cortes de 2017 instituídos por Trump; de 37%, a contribuição voltaria para 39,6%. Além disso, a taxa de ganhos de capital para pessoas que ganham mais de US$ 1 milhão anuais subiria para 39,6%, dos atuais 20%. Há ainda outras propostas em discussão, como um imposto sobre a transferência de ativos após a morte.

Este será o terceiro grande pacote econômico de Biden, que tem apostado em uma estratégia de medidas ousadas, em busca de visibilidade. O presidente busca inspiração direta em Franklin Roosevelt, tendo pendurado um quadro do arquiteto do New Deal em seu escritório na Casa Branca. Como disse há um mês, após o governo de Donald Trump e a pandemia do coronavírus, e frente à ascensão da China — que em breve será a maior economia em termos absolutos — Biden entende ser crucial provar ao público que “a democracia funciona”.

Assim como ocorreu com o já aprovado plano de resgate contra a pandemia, de US$ 1,9 trilhão, e com o pacote de infraestrutura e empregos, ainda em avaliação no Congresso, de US$ 2,25 trilhões, republicanos e investidores de Wall Street devem apresentar uma ferrenha resistência ao novo pacote. Funcionários do governo afirmam que, embora vá se mostrar aberto ao diálogo, o presidente está disposto a aprovar os planos mesmo sem apoio bipartidário, pois o momento exige ação.

O governo cita pesquisas que mostram apoio majoritário a uma reforma tributária. No discurso, Biden classificará as medidas como uma forma de tornar mais justa a proporção entre os impostos pagos pela classe média e pelos muito ricos. Segundo cálculos do Tesouro, uma repressão agressiva à evasão fiscal por parte de corporações e dos ricos poderia levantar pelo menos US$ 700 bilhões líquidos em 10 anos. O presidente também deve ressaltar que os aumentos de impostos atingem um número muito restrito de americanos.

Em termos de popularidade, estas medidas ainda não serviram para expandir o apoio ao presidente. A aprovação de Biden mantém-se estável desde que ele assumiu o cargo. De acordo com um balanço da CNN, desde janeiro, o democrata nunca teve menos de 52% de aprovação, e nunca mais do que 55% — índice reiterado por uma pesquisa do Ipsos/Reuters divulgada ontem.

O índice é mais alto do que o desfrutado por Trump em qualquer momento de seu mandato: o republicano nunca teve mais de 50% de apoio, e, em seu centésimo dia, tinha o trabalho aprovado por 45% dos americanos. Ainda assim, a aprovação de Biden não é historicamente significativa, e supera apenas a de Trump e a de Gerald Ford. Quando Barack Obama estava havia 100 dias na Casa Branca, 62% dos americanos o apoiavam. George W. Bush, por sua vez, tinha o endosso de 63%.

Além de apresentar o novo pacote, Biden provavelmente abordará uma reforma da polícia, um assunto reacendido após a condenação, na semana passada, do ex-policial de Minneapolis Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd em 2020.

Em termos de conquistas até aqui, espera-se que, no discurso, Biden faça um balanço de seus esforços para combater a pandemia, que já matou mais de 570 mil americanos. Antes de assumir o governo, ele definiu uma meta de administrar 100 milhões de vacinas em 100 dias. Até segunda-feira, 231 milhões de doses foram administradas, e quase 96 milhões de americanos (29% da população) já tinham recebido as duas doses. Ontem, o governo anunciou que quem estiver vacinado pode andar sem máscara em espaços abertos.

Ainda assim, a pandemia restringirá o alcance do evento. Devido ao vírus, o discurso será apenas para convidados, e cerca de 200 pessoas comparecerão, em vez das mais de mil habituais. O discurso está marcado para as 21h locais (22 de Brasília), e será transmitido pela TV. Após a fala de Biden, o senador republicano Tim Scott, da Carolina do Sul, apresentará uma resposta em nome do Partido Republicano.

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