Valor Econômico
Um
país onde golpista corre risco de ser alvo de achaque
O
Brasil tornou-se um país em que uma comissão parlamentar de inquérito suspeita
que aventureiros tenham procurado o Ministério da Saúde para dar um golpe e
acabaram sendo achacados. Neste mesmo país, contudo, algumas instituições ainda
insistem em desempenhar o papel que delas se espera. Se tiver o tempo
necessário e as ferramentas apropriadas, a CPI da Covid pode entrar nessa
lista: ela tem em mãos uma excelente oportunidade para esclarecer potenciais
desmandos na aquisição de produtos essenciais para o combate ao coronavírus - e
não se fala aqui só de vacinas.
Diante da possível investida, a base aliada insistirá na tese de que o pior ocorreu nos Estados e municípios. Talvez até seja verdade. Mas, o fato é que as mais recentes denúncias envolvendo a compra de imunizantes expuseram para os integrantes da CPI um veio promissor, de onde podem ser extraídas informações preciosas a respeito da atuação de autoridades federais e indicados políticos para funções estratégicas na Esplanada dos Ministérios.
Alguns
personagens que emergiram recentemente são conhecidos daqueles que já
trabalharam na pasta da Saúde. Os métodos também.
Ganharam
notoriedade há poucas semanas, a partir da veiculação das denúncias de que
Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do ministério, teria cobrado
propina de um policial militar de Minas Gerais que tentava intermediar a venda
de vacinas da AstraZeneca ao governo brasileiro. Em tese, o PM não poderia
falar em nome do laboratório e muito menos estar em Brasília fazendo esse tipo
de negócio, mas pelo menos ele colocou Dias em evidência. Este, aliás, é da
mesma repartição que está no centro de outra polêmica, o tortuoso processo que
visava adquirir vacinas da Covaxin.
Dias
nega o envolvimento em qualquer irregularidade, mas foi demitido e chegou a ser
preso pela CPI por perjúrio. Se decidir colaborar, pode contribuir para
elucidar suspeitas que vão além das negociações para a compra de vacinas. Seu
departamento tinha papel central na estrutura do governo para o combate à
pandemia.
O
Brasil gastou uma fortuna para garantir o abastecimento de equipamentos de
proteção individual, respiradores e medicamentos em todas as unidades da
federação. Correto. É o que se espera de um governo. O que se pondera na CPI,
entretanto, é que será preciso jogar luz sobre esses gastos, diferenciar os
custos decorrentes das distorções do mercado provocadas pelo excesso de demanda
dos eventuais malfeitos.
Foram
distribuídos, por exemplo, 17.888 ventiladores. O governo federal enviou para
Estados e municípios 260,9 milhões de máscaras cirúrgicas e 34,7 milhões do
tipo N95. Luvas? Foram 39,9 milhões. Sapatilhas e toucas? Outras 21,3 milhões
de unidades. Os cálculos incluem ainda 3,3 milhões de aventais e 2,9 milhões de
óculos ou protetores faciais.
Números
que não traduzem o drama que milhares de profissionais de saúde enfrentaram,
sobretudo no início da pandemia, quando precisaram ir para a linha de combate
mais expostos do que o recomendável. Esses produtos eram escassos inclusive nas
farmácias.
Processos
licitatórios foram acelerados. Como em vários momentos da história, houve quem
tentou transformar a crise em oportunidade. A pandemia gerou um mercado enorme
para atravessadores e intermediários, muitos dos quais tentaram vender o que
não possuíam a pronta entrega.
Isso
ocorreu, por exemplo, em uma operação logo no início da pandemia, quando se
negociou a compra de milhares de respiradores. Depois de assinado o contrato, a
empresa informou que só poderia entregar uma parcela ínfima do prometido e
ainda mediante pagamento numa conta no exterior. O alerta de fraude soou e o
contrato foi rompido sob a justificativa de falha no fornecimento.
Perfeito.
O problema é que agora se considera a possibilidade de que isso pode não ter
ocorrido sempre.
Uma
possível linha de investigação é seguir os caminhos trilhados pelos principais
processos de compra do Ministério da Saúde, como cada área do governo agiu e em
que momento atuou.
Em
tese, todos os interessados em vender para a pasta precisavam se dirigir ao
mesmo guichê. Na área técnica, é feito um pré-acordo, que passa então para a
análise da assessoria jurídica. Só depois de receber o carimbo do jurídico o
caso segue para o gabinete do ministro. Aprovado, faz o caminho de volta.
Se
a demanda vai de cima para baixo, há algo errado. A desconfiança aumenta,
claro, caso uma ordem parta diretamente do Palácio do Planalto.
Outro
aspecto a ser observado é se o ministro de Estado apenas recebeu representantes
do setor privado para conversas registradas na agenda oficial ou participou
diretamente das negociações e fechou acordos comerciais, o que é considerado
estranho às práticas tradicionais da administração pública. O “pulo do gato”
está na cronologia dos fatos, no momento que cada ator entrou no processo de
aquisição e porque entrou. Cabe à CPI ir em busca de provas.
Pró-governo
Em
relação à indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF),
uma notícia positiva e outra negativa para os adversários do presidente Jair
Bolsonaro. A negativa, na verdade, é para os pré-candidatos progressistas que
concorrerão ao Planalto: não há chance de Mendonça flexibilizar suas posições
em possíveis julgamentos envolvendo liberdades individuais e pautas de
costumes.
A notícia positiva é que, se confirmado pelo Senado, a tendência é Mendonça reforçar a ala da Corte que normalmente vota a favor do governo em julgamentos com impactos fiscais relevantes. Qualquer governo. Quem o conhece assegura que, nestes casos, pesará mais a história pessoal que construiu em sua carreira na Advocacia-Geral da União (AGU) do que qualquer alinhamento ideológico.
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