O Globo
Dizia
minha mãe que um bom remédio para curar uma crise de soluço era um susto bem
dado. Como toda simpatia, não tem eficácia comprovada. Taí Jair Bolsonaro para
mostrar exatamente o contrário: a cada susto que leva, e têm sido vários, o
presidente brasileiro fica mais constipado, mais engasgado.
Haja
água bebida com o nariz tapado, outro truque infalível, só que não, transmitido
de geração em geração contra essa incômoda contração involuntária do diafragma,
diante de tanto calor que o capitão tem passado nas últimas semanas.
O
desconforto abdominal de Bolsonaro é um daqueles momentos da crônica do poder
em que fatos do dia a dia se prestam a perfeitas analogias com a situação
política.
Nunca, em seus tenebrosos dois anos e meio de mandato, Bolsonaro esteve tão acometido por um desconforto, desta vez de natureza política, tão grande e tão prolongado. A ponto de tê-lo levado a tentar um recuo de sua retórica bélica. Algo tão sem credibilidade quanto as simpatias para parar soluços, arrumar marido rico ou curar terçol.
O
calor sentido pelo presidente só existe por causa da CPI da Covid. Adiada por
uma mãozinha que Rodrigo Pacheco deu ao presidente e finalmente instalada por
ordem do Supremo Tribunal Federal, a comissão, e principalmente a composição de
seus cargos diretivos, deu a Bolsonaro algo que ele ainda não tinha enfrentado
até aqui: adversários à altura, inclusive para proferir infâmias.
O
presidente que rebaixou a política à latrina das palavras escatológicas passou
a receber respostas do mesmo calão. Para além disso, a CPI virou um programa
nacional e escancarou a constatação de que o que estamos passando na pandemia
não é fruto apenas de negacionismo e incompetência, mas também de esquemas
nebulosos de transações à custa da vida de milhares de brasileiros.
A
partir daí, o presidente passou a soluçar. E, como é um político eminentemente
covarde, sua reação foi dobrar a aposta na esculhambação de um país já
traumatizado.
Como
antes nunca encontrou resposta, por mínima que fosse, da parte de quem precisa
contê-lo, achou que não haveria limite para a aposta no caos e chegou ao auge
de ameaçar a realização das eleições no ano que vem.
Como
atesta a maioria da população, segundo o Datafolha, o presidente, além de
carecer de outros atributos necessários a um chefe de Estado, não prima pela
inteligência e não enxergou uma verdade singela: políticos vão até um limite
para defender o indefensável, mas, quando isso passa a ameaçar sua própria sobrevivência,
adeus.
Eleições
são hoje o ganha-pão dos partidos, nutridos à base de fundos públicos. São
também o meio de vida dos parlamentares, esses de quem Bolsonaro depende para
que não seja instaurado contra si o já tardio processo de impeachment pelos crimes
de responsabilidade em série que comete desde que tomou posse.
A
reação das instituições e dos políticos aos seus soluços autoritários nada tem
de republicana: é apenas um exercício de autopreservação.
Demorou,
mas a ficha caiu. Ele ensaiou o teatro do pacificador na segunda-feira, indo
até Luiz Fux e até encenando uma conversa civilizada com a imprensa, vejam só.
Mas
o histórico do presidente permite cravar, sem o benefício da dúvida, que o tal
surto do “Jairzinho paz e amor” (a fixação por Lula é algo que merecerá uma
coluna de contornos freudianos em breve, aguardem) passará mais rápido que o
soluço.
Não
é sincero o aceno que o capitão faz ao comedimento e ao entendimento entre os
Poderes. Ele está esperando, mais concretamente, que o Senado aprove o nome de
André Mendonça para o STF e que a Polícia Federal e seu fiel escudeiro Augusto
Aras digam quanto antes que ele não prevaricou no caso Covaxin para voltar à
carga contra todos, inclusive e principalmente contra o processo eleitoral. Não
tem susto que dê jeito.
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