quarta-feira, 14 de julho de 2021

Vera Magalhães - Os soluços do capitão

O Globo

Dizia minha mãe que um bom remédio para curar uma crise de soluço era um susto bem dado. Como toda simpatia, não tem eficácia comprovada. Taí Jair Bolsonaro para mostrar exatamente o contrário: a cada susto que leva, e têm sido vários, o presidente brasileiro fica mais constipado, mais engasgado.

Haja água bebida com o nariz tapado, outro truque infalível, só que não, transmitido de geração em geração contra essa incômoda contração involuntária do diafragma, diante de tanto calor que o capitão tem passado nas últimas semanas.

O desconforto abdominal de Bolsonaro é um daqueles momentos da crônica do poder em que fatos do dia a dia se prestam a perfeitas analogias com a situação política.

Nunca, em seus tenebrosos dois anos e meio de mandato, Bolsonaro esteve tão acometido por um desconforto, desta vez de natureza política, tão grande e tão prolongado. A ponto de tê-lo levado a tentar um recuo de sua retórica bélica. Algo tão sem credibilidade quanto as simpatias para parar soluços, arrumar marido rico ou curar terçol.

O calor sentido pelo presidente só existe por causa da CPI da Covid. Adiada por uma mãozinha que Rodrigo Pacheco deu ao presidente e finalmente instalada por ordem do Supremo Tribunal Federal, a comissão, e principalmente a composição de seus cargos diretivos, deu a Bolsonaro algo que ele ainda não tinha enfrentado até aqui: adversários à altura, inclusive para proferir infâmias.

O presidente que rebaixou a política à latrina das palavras escatológicas passou a receber respostas do mesmo calão. Para além disso, a CPI virou um programa nacional e escancarou a constatação de que o que estamos passando na pandemia não é fruto apenas de negacionismo e incompetência, mas também de esquemas nebulosos de transações à custa da vida de milhares de brasileiros.

A partir daí, o presidente passou a soluçar. E, como é um político eminentemente covarde, sua reação foi dobrar a aposta na esculhambação de um país já traumatizado.

Como antes nunca encontrou resposta, por mínima que fosse, da parte de quem precisa contê-lo, achou que não haveria limite para a aposta no caos e chegou ao auge de ameaçar a realização das eleições no ano que vem.

Como atesta a maioria da população, segundo o Datafolha, o presidente, além de carecer de outros atributos necessários a um chefe de Estado, não prima pela inteligência e não enxergou uma verdade singela: políticos vão até um limite para defender o indefensável, mas, quando isso passa a ameaçar sua própria sobrevivência, adeus.

Eleições são hoje o ganha-pão dos partidos, nutridos à base de fundos públicos. São também o meio de vida dos parlamentares, esses de quem Bolsonaro depende para que não seja instaurado contra si o já tardio processo de impeachment pelos crimes de responsabilidade em série que comete desde que tomou posse.

A reação das instituições e dos políticos aos seus soluços autoritários nada tem de republicana: é apenas um exercício de autopreservação.

Demorou, mas a ficha caiu. Ele ensaiou o teatro do pacificador na segunda-feira, indo até Luiz Fux e até encenando uma conversa civilizada com a imprensa, vejam só.

Mas o histórico do presidente permite cravar, sem o benefício da dúvida, que o tal surto do “Jairzinho paz e amor” (a fixação por Lula é algo que merecerá uma coluna de contornos freudianos em breve, aguardem) passará mais rápido que o soluço.

Não é sincero o aceno que o capitão faz ao comedimento e ao entendimento entre os Poderes. Ele está esperando, mais concretamente, que o Senado aprove o nome de André Mendonça para o STF e que a Polícia Federal e seu fiel escudeiro Augusto Aras digam quanto antes que ele não prevaricou no caso Covaxin para voltar à carga contra todos, inclusive e principalmente contra o processo eleitoral. Não tem susto que dê jeito.

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