quarta-feira, 14 de julho de 2021

Vinicius Torres Freire - Reforma do IR agora beneficia ricos

Folha de S. Paulo

Mudança incompetente era um atoleiro para Guedes; agora, abre um buraco para o governo 

reforma do Imposto de Renda tinha se tornado um atoleiro para Paulo Guedes. Agora, transformou-se um buraco, pois vai reduzir a receita do governo geral em pelo menos R$ 30 bilhões, além de tirar mais dinheiro de estados e municípios, o que pode dar em algum problema político. Mas o governo não está nem aí, e Jair Bolsonaro, menos ainda.

A satisfação se deve ao fato de que tiraram um bode político da sala superpovoada de bovídeos e de vacas no brejo. A revolta dos empresários deve amainar, até porque a reforma perde o caráter progressivo que tinha, apesar de toda torta.

A mudança era quase em geral criticada ou detestada por aumentar a carga de impostos de muita empresa (nem todas), manter privilégios tributários de certas firmas (da pejotização), por ser tecnicamente ruim e por nada mudar a vida de 85% da população, pelo menos, indiferente à mudança do IR por mal ter renda.

De quebra, revelara outra vez que salseiro inepto é o Ministério da Economia diante das críticas, ninguém quis assumir a responsabilidade pelo pacote feio. Poucos dias depois de apresentada, uma reforma grave, com impactos econômicos sérios, Paulo Guedes já dizia que poderia mudar alíquotas como se apostasse feijões em uma mesa de pôquer do vovô, o que mostra a seriedade técnica e política com que a coisa foi planejada.

Com a nova versão da reforma, que talvez nem deva mesmo ser a última, muita empresa e, no fim das contas, seus acionistas, vão pagar até menos imposto, mesmo com a indevidamente famosa tributação de 20% dos dividendos. A alíquota do IR das empresas vai cair de 25%, na prática, para 12,5%.

Até por causa disso, estados e municípios vão perder mais receita (pois o bolo dos impostos recolhidos pela União é dividido). Na arrecadação do governo geral, apareceu um buraco de pelo menos R$ 30 bilhões por ano, segundo a conta dos autores do projeto a ressalva é necessária, pois raramente é possível acreditar que virá todo o dinheiro previsto nas fontes de receita alternativa.

É fácil cortar imposto e perder receita; inventar métodos de recuperar o tutu perdido é difícil, a conta é chutada para cima e, além do mais, quem vai em tese ou em princípio pagar mais ainda vai espernear. A nova versão do projeto prevê, como compensação maior, o corte de benefícios tributários para a indústria de cosméticos e perfumaria, de remédios, de produtos químicos, de barcos e aeronaves.

O que o governo vai fazer em relação à perda de receita? Por ora, não está nem um pouco preocupado. Primeiro, porque a arrecadação aumentou muito além da conta imaginada por causa da despiora mais veloz da economia e da contribuição gorda da inflação. Segundo, porque a perda de receita não altera em nada o que o governo pode gastar no ano que vem, o que depende do teto de gastos (a receita dá para o gasto no teto).

Na verdade, havia previsões de que o déficit fiscal diminuiria mais do que o previsto, dada a arrecadação extra inesperada. Terceiro, gente do governo diz que, por causa da redução da carga tributária e dos impostos sobre empresas, o crescimento econômico seria ainda maior, compensando a perda.

No mais, para famílias que administram suas fortunas por meio de holdings familiares, o projeto novo é risonho e franco. Os incentivos à pejotização aumentaram, em uma primeira leitura de um projeto sempre tão enrolado, detalhado e com impactos tão variados (mesmo sobre contribuintes aparentemente iguais) como os de reforma tributária.

No caso dos assalariados, a reforma continua na mesma.

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