Valor Econômico
A
sociedade não está convencida de que é preciso reduzir gastos públicos e cortar
renúncias tributárias
O
ideal é o sistema tributário ser progressivo, simples e justo. Não é o caso no
Brasil. Os mais pobres pagam mais impostos, em termos relativos, do que os mais
ricos. Isso porque as camadas menos favorecidas têm pouca influência sobre a
estruturação dos tributos. Já era esperada, portanto, uma vasta oposição dos
grupos afetados pela 2ª parte da proposta de Reforma Tributária, que inclui a
incidência de tributação sobre lucros e dividendos, bem como a alteração dos
impostos sobre fundos exclusivos, sobre o patrimônio mantido no exterior e
sobre imóveis no país.
As
alegações contrárias utilizadas por esses segmentos são: enorme aumento dos
impostos sobre as empresas; bitributação, pois os dividendos são distribuídos
após o pagamento dos impostos; maior insegurança jurídica, por conta do imposto
sobre dividendos entre empresas; desestímulo aos empreendedores e aos
investimentos que geram empregos; inconstitucionalidade da tributação sobre
rendimentos passados; e impropriedade da cobrança de imposto sobre ganhos de
capital não realizados.
Menos de duas semanas após sua divulgação, o governo já reduziu a estimativa do impacto financeiro da proposta, gerando maior desconfiança sobre o seu real propósito e ampliando a crença sobre uma sanha simplesmente arrecadatória. Apesar disso, não há o que fazer para convencer os grupos afetados de que o aumento da sua carga tributária é necessário, por mais robustas que sejam as argumentações.
Por
outro lado, o Executivo errou ao não negociar de antemão com os partidos
políticos aliados, de forma a angariar maior apoio. A falta de coordenação
política do governo praticamente eliminou o seu controle sobre a tramitação e o
teor das revisões da proposta no Congresso, tornando-o completamente dependente
das preferências do presidente da Câmara dos Deputados e de líderes de alguns
partidos políticos.
O
governo poderia, ao menos, evitar atritos adicionais com os outros Poderes. Os
preocupantes comentários do presidente Bolsonaro sobre as eleições deterioram o
ambiente político e tiram o foco da agenda econômica. As recorrentes bravatas
do presidente geram contrariedade entre os congressistas e afastam a construção
de acordos sobre as propostas.
O
Executivo também erra ao não incluir outras medidas visando o aprimoramento da
eficiência tributária. Uma das principais seria o corte de parte das renúncias
tributárias, que totalizam 4,0% do PIB em 2021. Essas vantagens só se
justificariam se fossem criadas externalidades maiores em termos de elevação do
número de postos de trabalho, melhoria da distribuição de renda, aumento do
produto ou alta da produtividade. Não é esse o caso. A maioria das renúncias é
mais custosa do que os benefícios trazidos para a sociedade, com uma parte
significativa delas representando apenas uma transferência de recursos públicos
para grupos privados. Mesmo assim, propostas de corte de renúncias tributárias
enfrentam a oposição de grupos de interesse e o descaso da sociedade. Isso
explica o pouco foco dos parlamentares no tema e a tramitação lenta no
Congresso de projetos com essa finalidade.
O
Simples Nacional é a maior das renúncias - estimativa de R$ 90 bilhões em 2021,
sendo um exemplo das distorções. O regime permite, por exemplo, que
profissionais liberais ofereçam seu trabalho com a incidência de IRPJ inferior
às alíquotas do IRPF. Diversos artigos já demonstraram que o Simples não foi
capaz de alcançar seus objetivos - aumento significativo do número de postos
formais de trabalho, alta da produtividade e crescimento do tamanho das
empresas. Apesar disso, o Congresso tem reiteradamente flexibilizado as regras
e os limites de enquadramento, ampliando as distorções tributárias.
Outra
opção seria o aumento da efetividade na cobrança de impostos. Essa estratégia,
porém, tem resultados graduais, por conta da fiscalização insuficiente e de
questionamentos judiciais de longa duração.
A
sociedade e, consequentemente, os parlamentares não parecem convencidos da
necessidade da redução de gastos públicos e do corte de renúncias tributárias
de forma imediata. Assim, o fortalecimento dos números fiscais e o aumento das
transferências financeiras para os mais desfavorecidos exigem elevação da carga
tributária sobre os mais ricos.
A
Receita Federal defende a proposta divulgada ressaltando que é correto cobrar
mais impostos de uma parte ínfima da sociedade - 0,07% dos que declararam IRPF
ou 0,01% da população - que teve renda de R$ 230 bilhões em 2020 e foi
tributada por uma alíquota média de apenas 1,8%.
Mesmo
assim, a proposta do governo tem enfrentado intensa rejeição dos prejudicados
que, apesar de poucos, são bastante vocais. A incidência de imposto direto de
20% sobre os dividendos, por exemplo, tem sofrido muitas críticas, entre as
quais a insuficiente redução da alíquota do IRPJ para compensar a nova
tributação. Essa alegação é atenuada pela decisão recente do Judiciário -
exclusão do ICMS na cobrança de PIS/Cofins - que diminui a carga tributária
sobre pessoas jurídicas. Além disso, a incidência apenas sobre dividendos acima
de R$ 20 mil por mês reduz a cobrança a um universo ainda menor da parcela da
população que declara IRPF.
O
Brasil precisa reduzir a pobreza e a enorme disparidade de renda existente, bem
como estabelecer políticas de estímulo à criação de oportunidades para as novas
gerações. O debate sobre como financiar esse objetivo tende a ser longo, pois é
baixa a probabilidade de aprovação de uma ampla Reforma Tributária neste e no
próximo ano, ainda mais com um governo impopular.
Mesmo
a aprovação do corte de uma pequena parcela dos privilégios parece difícil no
curto prazo. Após concluírem sobre a necessidade de tornar o sistema tributário
menos regressivo, é provável que os parlamentares optem pela elevação de
impostos sobre os mais ricos, mesmo sob o risco, como no passado recente, de
parte do aumento dos tributos ser direcionada para ampliação ineficaz de
renúncias tributárias e de gastos com a folha de pagamentos dos servidores.
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos
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