quarta-feira, 14 de julho de 2021

Nilson Teixeira* - Alternativa é cobrar mais dos mais ricos

Valor Econômico

A sociedade não está convencida de que é preciso reduzir gastos públicos e cortar renúncias tributárias

O ideal é o sistema tributário ser progressivo, simples e justo. Não é o caso no Brasil. Os mais pobres pagam mais impostos, em termos relativos, do que os mais ricos. Isso porque as camadas menos favorecidas têm pouca influência sobre a estruturação dos tributos. Já era esperada, portanto, uma vasta oposição dos grupos afetados pela 2ª parte da proposta de Reforma Tributária, que inclui a incidência de tributação sobre lucros e dividendos, bem como a alteração dos impostos sobre fundos exclusivos, sobre o patrimônio mantido no exterior e sobre imóveis no país.

As alegações contrárias utilizadas por esses segmentos são: enorme aumento dos impostos sobre as empresas; bitributação, pois os dividendos são distribuídos após o pagamento dos impostos; maior insegurança jurídica, por conta do imposto sobre dividendos entre empresas; desestímulo aos empreendedores e aos investimentos que geram empregos; inconstitucionalidade da tributação sobre rendimentos passados; e impropriedade da cobrança de imposto sobre ganhos de capital não realizados.

Menos de duas semanas após sua divulgação, o governo já reduziu a estimativa do impacto financeiro da proposta, gerando maior desconfiança sobre o seu real propósito e ampliando a crença sobre uma sanha simplesmente arrecadatória. Apesar disso, não há o que fazer para convencer os grupos afetados de que o aumento da sua carga tributária é necessário, por mais robustas que sejam as argumentações.

Por outro lado, o Executivo errou ao não negociar de antemão com os partidos políticos aliados, de forma a angariar maior apoio. A falta de coordenação política do governo praticamente eliminou o seu controle sobre a tramitação e o teor das revisões da proposta no Congresso, tornando-o completamente dependente das preferências do presidente da Câmara dos Deputados e de líderes de alguns partidos políticos.

O governo poderia, ao menos, evitar atritos adicionais com os outros Poderes. Os preocupantes comentários do presidente Bolsonaro sobre as eleições deterioram o ambiente político e tiram o foco da agenda econômica. As recorrentes bravatas do presidente geram contrariedade entre os congressistas e afastam a construção de acordos sobre as propostas.

O Executivo também erra ao não incluir outras medidas visando o aprimoramento da eficiência tributária. Uma das principais seria o corte de parte das renúncias tributárias, que totalizam 4,0% do PIB em 2021. Essas vantagens só se justificariam se fossem criadas externalidades maiores em termos de elevação do número de postos de trabalho, melhoria da distribuição de renda, aumento do produto ou alta da produtividade. Não é esse o caso. A maioria das renúncias é mais custosa do que os benefícios trazidos para a sociedade, com uma parte significativa delas representando apenas uma transferência de recursos públicos para grupos privados. Mesmo assim, propostas de corte de renúncias tributárias enfrentam a oposição de grupos de interesse e o descaso da sociedade. Isso explica o pouco foco dos parlamentares no tema e a tramitação lenta no Congresso de projetos com essa finalidade.

O Simples Nacional é a maior das renúncias - estimativa de R$ 90 bilhões em 2021, sendo um exemplo das distorções. O regime permite, por exemplo, que profissionais liberais ofereçam seu trabalho com a incidência de IRPJ inferior às alíquotas do IRPF. Diversos artigos já demonstraram que o Simples não foi capaz de alcançar seus objetivos - aumento significativo do número de postos formais de trabalho, alta da produtividade e crescimento do tamanho das empresas. Apesar disso, o Congresso tem reiteradamente flexibilizado as regras e os limites de enquadramento, ampliando as distorções tributárias.

Outra opção seria o aumento da efetividade na cobrança de impostos. Essa estratégia, porém, tem resultados graduais, por conta da fiscalização insuficiente e de questionamentos judiciais de longa duração.

A sociedade e, consequentemente, os parlamentares não parecem convencidos da necessidade da redução de gastos públicos e do corte de renúncias tributárias de forma imediata. Assim, o fortalecimento dos números fiscais e o aumento das transferências financeiras para os mais desfavorecidos exigem elevação da carga tributária sobre os mais ricos.

A Receita Federal defende a proposta divulgada ressaltando que é correto cobrar mais impostos de uma parte ínfima da sociedade - 0,07% dos que declararam IRPF ou 0,01% da população - que teve renda de R$ 230 bilhões em 2020 e foi tributada por uma alíquota média de apenas 1,8%.

Mesmo assim, a proposta do governo tem enfrentado intensa rejeição dos prejudicados que, apesar de poucos, são bastante vocais. A incidência de imposto direto de 20% sobre os dividendos, por exemplo, tem sofrido muitas críticas, entre as quais a insuficiente redução da alíquota do IRPJ para compensar a nova tributação. Essa alegação é atenuada pela decisão recente do Judiciário - exclusão do ICMS na cobrança de PIS/Cofins - que diminui a carga tributária sobre pessoas jurídicas. Além disso, a incidência apenas sobre dividendos acima de R$ 20 mil por mês reduz a cobrança a um universo ainda menor da parcela da população que declara IRPF.

O Brasil precisa reduzir a pobreza e a enorme disparidade de renda existente, bem como estabelecer políticas de estímulo à criação de oportunidades para as novas gerações. O debate sobre como financiar esse objetivo tende a ser longo, pois é baixa a probabilidade de aprovação de uma ampla Reforma Tributária neste e no próximo ano, ainda mais com um governo impopular.

Mesmo a aprovação do corte de uma pequena parcela dos privilégios parece difícil no curto prazo. Após concluírem sobre a necessidade de tornar o sistema tributário menos regressivo, é provável que os parlamentares optem pela elevação de impostos sobre os mais ricos, mesmo sob o risco, como no passado recente, de parte do aumento dos tributos ser direcionada para ampliação ineficaz de renúncias tributárias e de gastos com a folha de pagamentos dos servidores.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos

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