Valor Econômico
Risco
é negociações em torno das mudanças tributárias desaguarem em
irresponsabilidade com contas públicas
O
governo vai elevar de 3,5% para em torno de 5,3% a projeção para o crescimento
da economia brasileira neste ano, apurou o Valor. O número alinha o
cenário do Ministério da Economia para o PIB brasileiro com o que já vem sendo
estimado pelos analistas do mercado. O nível de atividade mais forte é um dos
fatores que têm ajudado na recuperação das receitas e dado conforto para o
governo aceitar cortar mais o IRPJ das empresas no âmbito do projeto de reforma
do Imposto de Renda.
O substitutivo preliminar do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), divulgado ontem, atacou a principal preocupação dos empresários: o risco de aumento da carga tributária sobre o capital produtivo. Ao derrubar a alíquota do IRPJ em 10 pontos percentuais no primeiro ano e 12,5 pontos a partir do segundo, muito mais do que os 5 pontos originalmente propostos, o texto aparentemente troca o sinal da reforma em termos de arrecadação. Mas acende o alerta sobre um possível risco fiscal, ainda que o ambiente econômico esteja melhor.
Os
cálculos divulgados por Sabino apontam perda líquida de R$ 26,95 bilhões em
receitas em pleno ano eleitoral. Para 2023, a renúncia sobe a R$ 30 bilhões e é
um dado que mostra melhor o quadro de longo prazo.
Na
prática, o relatório tira o bode da sala na tributação das rendas mais altas,
acomodando a solução nas combalidas contas públicas, deficitárias desde 2014.
As negociações ainda estão no início e o texto ainda tem muito caminho a
percorrer no Congresso. E quem conhece o Parlamento sabe que parte das medidas
de ganho arrecadatório previstas no projeto pode acabar ficando pelo caminho,
agravando as perdas de receita.
O
relatório de Sabino foi feito com apoio do ministro Paulo Guedes. Assustado com
a forte reação do setor empresarial ao projeto, o ministro já vinha sinalizando
derrubar a alíquota do IRPJ e, encorajado pelo bom desempenho da arrecadação
neste ano, topou ousar. As receitas em 2021 crescem acima de 20% em termos
reais, impulsionadas pela alta das commodities e pela melhora no nível de
atividade.
Ponderando
que o processo de discussão da reforma ainda está no início, uma fonte da área
econômica afirmou à coluna que os volumes até agora apresentados não chegam a
assustar. Mas reconhece que é preciso ter cuidado no processo e evitar
empolgação, porque o Brasil ainda está no meio de um processo de consolidação
fiscal.
Ex-secretário
de Política econômica do então Ministério da Fazenda e responsável pelo
Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, Manoel Pires vê exagero no
movimento de redução do IRPJ e levanta preocupações com a estratégia.
“Primeiro, o governo não está em condição de abrir mão de receita nenhuma. Na
verdade, o normal seria ganhar recurso com essa reforma”, disse, lembrando que
a ideia de taxar dividendos sempre foi visto como uma “bala de prata” para
melhorar o fiscal.
Pires
também avalia que é arriscado fazer reforma em que se perde receita, alegando
que está havendo alta na arrecadação. “Essa sensação de aumento de receitas
ocorre em um momento no qual a economia está se recuperando de uma crise. Está
se discutindo perder receita no melhor momento. Quando a água ficar baixa, vai
faltar dinheiro de novo”, comentou. “Acho inoportuno fazer uma reforma que gere
perda de receita, seja R$ 20, seja R$ 10 bilhões. Acho muito ruim sair dessa
discussão perdendo”, completou. Para ele, não há qualquer garantia de que a
menor taxação das empresas vai gerar mais arrecadação no futuro, refletindo uma
maior competitividade das empresas.
O
especialista em contas públicas Guilherme Tinoco considera que os números
ventilados já ensejam atenção, mas o problema é se as perdas aumentarem. “Se
estivermos falando de valores maiores, como R$ 50 bilhões, pode ser um problema
maior, em um momento no qual se tem déficits primários”, salientou, ressaltando
que é difícil ter clareza sobre os números reais de impacto na arrecadação.
“Não é hora de baixar a carga tributária, temos déficit elevado e o desafio é
fechar esse déficit”, completou, lembrando que o cenário para o ano que vem é
de crescimento modesto para a economia, entre 2% e 2,5%, o que tende a conter a
alta de receitas.
O
ex-secretário da Receita Marcos Cintra não vê razão para preocupações fiscais
com a nova versão da reforma. Para ele, o potencial de arrecadação dos
dividendos é maior do que vem sendo estimado e o ambiente de receitas em alta
permite ao governo aceitar eventual perda.
“Não
deve haver razão para se ficar preocupado porque a arrecadação está subindo. Eu
duvido que haja perda de receita com a reforma”, afirmou Cintra. Ele considera
que o substitutivo de Sabino melhorou o projeto, mas ainda vê problemas no
desenho. O economista destaca que a carga tributária de 33% do PIB é uma
“enormidade” e reforça que alta recente na arrecadação pelo lado da atividade
econômica pode cobrir eventual déficit gerado na reforma.
Também
crítico da reforma, o tributarista Ilan Gorin enxerga que, mesmo com os
ajustes, haverá aumento de carga tributária para as empresas, por causa de
medidas como o fim da dedução dos Juros sobre Capital Próprio. “Está se mexendo
para pior, com único propósito de se aumentar a arrecadação e ainda ampliando a
burocracia”, disse, apontando que as estimativas do relator e do governo
subestimam o efeito da taxa nos dividendos.
Leonardo
Ribeiro, especialista em contas públicas e analista do Senado, avalia que, com
a restrição imposta pelo teto de gastos, o governo pode estar buscando fazer
uma expansão fiscal para o ano de eleições via renúncia de receitas. “Mas o
governo tem que observar as metas fiscais e esse tipo de medida deveria ser
tomada com as metas fiscais aprovadas, em vez de ser discutida sem as metas e
sem um planejamento de longo prazo”, salientou, lembrando que, desde 2014, não
se fazia medida de expansão fiscal por meio de tributos, ainda que no caso
atual a estratégia seja mais generalizada, e não setorial, como foi na gestão
petista.
Embora
para o Orçamento trilionário do país e com a economia crescendo uma perda de R$
30 bilhões não pareça um volume difícil de se manejar, é importante lembrar que
o montante equivale a um ano de Bolsa Família. E que o déficit primário
previsto para 2022 é de R$ 170 bilhões, um volume ainda alto. Por isso, é bom
que o governo e a sociedade fiquem atentos para que as negociações não terminem
descambando para a irresponsabilidade fiscal.
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