O Globo
O
Brasil lida mal com conflitos e divergências de interesse. Com frequência, a
resposta de governantes foi o autoritarismo e, nas democracias, o
patrimonialismo - a concessão de benesses e proteções a grupos organizados em
troca de apoio político ou simplesmente para conter opositores.
Buscou-se
o caminho supostamente mais fácil, em vez de se aprimorar as instituições
democráticas para o diálogo e o debate público, de forma a construir soluções
republicanas para os conflitos.
O
corporativismo - com suas peculiaridades no Brasil - foi uma construção de
Getulio Vargas que sofreu transformações e sobreviveu às mudanças de regime. Na
ditadura varguista, visava a intermediar e inibir os conflitos de classes, em
um ambiente marcado por contestações sociais e pelo movimento operário.
Na democracia, tornou-se um instrumento de defesa de interesses dos grupos representados ou corporações, que podem ser de servidores públicos, militares e segmentos do setor privado. Diante de intervencionismo estatal e patrimonialismo, cada um quer defender o seu, abocanhando recursos públicos em detrimento do restante da sociedade.
O
corporativismo fere a democracia quando não é suficientemente transparente e
impede o debate público qualificado, enquanto o reduzido capital social do País
facilita a manipulação da sociedade por grupos organizados para garantir seus
privilégios.
Os
benefícios concedidos se refletem nos cofres do governo e no mau uso dos
recursos públicos, que deveriam ser melhor direcionados para o desenvolvimento
da nação. No longo prazo, todos perdemos em um país injusto e que cresce pouco.
Crises
fiscais costumam colocar freio no corporativismo e podem ser uma oportunidade
para o desmonte de privilégios – a depender da convicção e capacidade política
de governantes para enfrentar as corporações.
As
dificuldades técnicas para desenhar boas reformas são pequenas à luz dos
entraves políticos. Setores que tomaram decisões de investimento baseados em
regras especiais, mesmo quando previstas como transitórias, se somam aos que
rejeitam mudanças no status quo. O sistema político fragmentado em muitos
partidos dificulta a construção de consensos.
Assistimos,
assim, à evolução lenta e errática de reformas estruturantes. A disposição dos
governantes para o enfrentamento dos problemas não basta, mas é passo largo,
pois leva à definição de prioridades e estratégias políticas adequadas - um
ingrediente essencial. O timing e a ordem com que as propostas são encaminhadas
ao Congresso importam para o resultado final.
As
propostas de reforma tributária são exemplo preciso de falta de estratégia.
Perdeu-se o timing de uma reforma robusta para criação do imposto sobre valor
agregado (IVA) nacional em 2019. O governo tinha capital político, havia
disposição de lideranças da Câmara e de governadores, bem como espaço para a
negociação com segmentos contrários.
Aparentemente,
o Executivo rejeitava o protagonismo do Congresso resultante de sua
imobilidade. Outra oportunidade – mais estreita, é verdade – foi perdida este
ano com a decisão de não prosseguir com a proposta do relator da Comissão
Mista, o deputado Agnaldo Ribeiro.
A
opção foi pelo fatiamento. Mal a proposta de um IVA apenas federal avançou no
Congresso, o governo cedeu à pressão da Câmara e enviou, de forma açodada, a
segunda etapa da reforma - por incluir a correção da tabela do imposto de
renda, tornou-se um ativo eleitoral.
Um
texto mal-acabado que abriu as portas para todo tipo de contestação, legítimas
ou não.
O
governo erra na estratégia e, enfraquecido, acaba sendo pautado pelo Congresso,
quando deveria ser o contrário.
O
ideal teria sido buscar o consenso para aprovar, primeiro, o IVA nacional – uma
prioridade do ponto de vista técnico –, para depois caminhar em outras frentes.
O setor produtivo ganharia produtividade com o IVA e isso poderia facilitar a
discussão dessa espinhosa segunda etapa.
Além
disso, faltou avançar nas reformas para conter despesas obrigatórias –
oportunidade perdida na PEC emergencial e provavelmente na reforma
administrativa em tramitação –, para que a eliminação de renúncias tributárias
não implicasse a elevação expressiva de impostos dos segmentos afetados,
calibrando as alíquotas.
Sem estratégia, o risco é de ficar sem nada ou pior, aprovar mais um monstrengo.
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