quarta-feira, 14 de julho de 2021

Zeina Latif - Estratégia política para enfrentar corporações

O Globo

O Brasil lida mal com conflitos e divergências de interesse. Com frequência, a resposta de governantes foi o autoritarismo e, nas democracias, o patrimonialismo - a concessão de benesses e proteções a grupos organizados em troca de apoio político ou simplesmente para conter opositores.

Buscou-se o caminho supostamente mais fácil, em vez de se aprimorar as instituições democráticas para o diálogo e o debate público, de forma a construir soluções republicanas para os conflitos.

O corporativismo - com suas peculiaridades no Brasil - foi uma construção de Getulio Vargas que sofreu transformações e sobreviveu às mudanças de regime. Na ditadura varguista, visava a intermediar e inibir os conflitos de classes, em um ambiente marcado por contestações sociais e pelo movimento operário.

Na democracia, tornou-se um instrumento de defesa de interesses dos grupos representados ou corporações, que podem ser de servidores públicos, militares e segmentos do setor privado. Diante de intervencionismo estatal e patrimonialismo, cada um quer defender o seu, abocanhando recursos públicos em detrimento do restante da sociedade.

O corporativismo fere a democracia quando não é suficientemente transparente e impede o debate público qualificado, enquanto o reduzido capital social do País facilita a manipulação da sociedade por grupos organizados para garantir seus privilégios.

Os benefícios concedidos se refletem nos cofres do governo e no mau uso dos recursos públicos, que deveriam ser melhor direcionados para o desenvolvimento da nação. No longo prazo, todos perdemos em um país injusto e que cresce pouco.

Crises fiscais costumam colocar freio no corporativismo e podem ser uma oportunidade para o desmonte de privilégios – a depender da convicção e capacidade política de governantes para enfrentar as corporações.

As dificuldades técnicas para desenhar boas reformas são pequenas à luz dos entraves políticos. Setores que tomaram decisões de investimento baseados em regras especiais, mesmo quando previstas como transitórias, se somam aos que rejeitam mudanças no status quo. O sistema político fragmentado em muitos partidos dificulta a construção de consensos.

Assistimos, assim, à evolução lenta e errática de reformas estruturantes. A disposição dos governantes para o enfrentamento dos problemas não basta, mas é passo largo, pois leva à definição de prioridades e estratégias políticas adequadas - um ingrediente essencial. O timing e a ordem com que as propostas são encaminhadas ao Congresso importam para o resultado final.

As propostas de reforma tributária são exemplo preciso de falta de estratégia. Perdeu-se o timing de uma reforma robusta para criação do imposto sobre valor agregado (IVA) nacional em 2019. O governo tinha capital político, havia disposição de lideranças da Câmara e de governadores, bem como espaço para a negociação com segmentos contrários.

Aparentemente, o Executivo rejeitava o protagonismo do Congresso resultante de sua imobilidade. Outra oportunidade – mais estreita, é verdade – foi perdida este ano com a decisão de não prosseguir com a proposta do relator da Comissão Mista, o deputado Agnaldo Ribeiro.

A opção foi pelo fatiamento. Mal a proposta de um IVA apenas federal avançou no Congresso, o governo cedeu à pressão da Câmara e enviou, de forma açodada, a segunda etapa da reforma - por incluir a correção da tabela do imposto de renda, tornou-se um ativo eleitoral.

Um texto mal-acabado que abriu as portas para todo tipo de contestação, legítimas ou não.

O governo erra na estratégia e, enfraquecido, acaba sendo pautado pelo Congresso, quando deveria ser o contrário.

O ideal teria sido buscar o consenso para aprovar, primeiro, o IVA nacional – uma prioridade do ponto de vista técnico –, para depois caminhar em outras frentes. O setor produtivo ganharia produtividade com o IVA e isso poderia facilitar a discussão dessa espinhosa segunda etapa.

Além disso, faltou avançar nas reformas para conter despesas obrigatórias – oportunidade perdida na PEC emergencial e provavelmente na reforma administrativa em tramitação –, para que a eliminação de renúncias tributárias não implicasse a elevação expressiva de impostos dos segmentos afetados, calibrando as alíquotas.

Sem estratégia, o risco é de ficar sem nada ou pior, aprovar mais um monstrengo.

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