O Estado de S. Paulo
Esse desfile atropelado de projetos está
incendiando o mercado
Trata-se de um arrastão a articulação do
Centrão e do governo para “tratorar” a votação dos projetos econômicos e
conseguir espaço para gastar mais durante o ano de eleições de 2022, enquanto
tanques militares desfilam nas ruas de Brasília.
Proposta de Emenda à Constituição para
parcelar o pagamento de precatórios e empurrar a dívida para o futuro, além de
troca no índice de correção; fim do programa Bolsa Família e criação do Auxílio
Brasil; parcelamento amplo e generoso de débitos tributário (Refis); pacotão do
emprego; mudanças nas regras trabalhistas; projeto do Imposto de Renda com
queda de arrecadação; drible nas leis fiscais para obter vantagens eleitorais.
Parlamentares votam todos os dias projetos com mais de 100 páginas, boa parte
sem nem saber o alcance do que estão apoiando.
Todos os projetos de alto impacto vêm sendo apresentados e votados ao mesmo tempo em que o presidente Jair Bolsonaro renova, todos os dias, os ataques às urnas e pede a volta do voto impresso. Os votos favoráveis que a PEC do voto impresso teve – surpreendendo muitas pessoas – sem dúvida nenhuma passam pelas negociações desse mutirão de projetos.
Se em algum momento as propostas tinham o
objetivo de acelerar o ambiente de recuperação econômica após a melhoria da
pandemia da covid-19, provocam, agora, o inverso. Esse
desfile atropelado de projetos está
incendiando o mercado e aumentando o custo da travessia até as eleições em
2022.
Puro desperdício porque o risco fiscal e o
ruído político maior empurram dólar e juros para cima e retroalimentam a
inflação, que já está nas alturas. É tiro no pé.
Com inflação elevada, a folga no teto de
gastos de R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões esperada para 2022, tão comemorada pelo
governo para acomodar o novo Bolsa Família (agora, Auxílio Brasil), será em boa
parte consumida pela escalada dos preços que vão causar impacto nas despesas
com pagamento de benefícios da Previdência, que são em sua grande parte
atreladas ao salário mínimo.
Essa folga, que já foi prevista em R$ 40
bilhões no início do ano, é hoje inferior a R$ 20 bilhões. A consequência é que
o Bolsa Família de R$ 300, que antes cabia no Orçamento, não cabe mais.
Um benefício de R$ 400, como promete o
presidente, é impossível dentro das regras fiscais. Ou Bolsonaro blefa muito ao
dizer que o subirá para esse valor, ou a disposição da ala política é mesmo a
de dar um “chega para lá” definitivo nas regras fiscais.
Essa é uma boiada que está escapando das
rédeas. A área econômica joga na defensiva e a reboque na discussão de quebra
do teto de gastos para pagar os precatórios, do novo valor do Bolsa Família e,
por que não dizer, também do projeto de reforma tributária (do Imposto de
Renda), que impõe perda de arrecadação.
Esse processo ficou escancarado na votação
do Refis no Senado, com parecer do líder do governo, e aprovado à margem do que
defendia a equipe econômica, que só restará pedir o veto a Bolsonaro. O texto
prevê perdão de até 90% em juros e multas e de 100% em encargos num
parcelamento de até 12 anos.
As votações têm mostrado que a base
política caminha em outra avenida. Na cabeça dos políticos, a retomada e os
indicadores melhores deram o sinal verde que dá para gastar mais. Com um
detalhe importante, está peitando o nervosismo do mercado e alta dos
indicadores, o que não se tinha visto tão forte como agora.
Aliados do presidente no Congresso ligaram
o botão do “não me importo”. Talvez na certeza de que serão favorecidos pelas
emendas de relator, dentro do orçamento secreto revelado pelo Estadão, que
podem abrir as portas para também se reelegeram no ano que vem.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), comanda esse caminho ao liderar essas votações à sombra de um amplo debate. Se ele tem a ambição de entrar para história como o presidente da Câmara que mais fez reformas e projetos, é melhor começar a tomar muito cuidado com o que vem aprovando da agenda econômica. O tempo costuma ser implacável.
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