O Globo
Depois de semanas de calculada discrição a
respeito da escalada dos militares sobre as instituições democráticas, Luiz
Inácio Lula da Silva se manifestou na última terça-feira nas redes sociais
sobre o desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios. “Isso
que aconteceu hoje foi uma coisa patética. Se o Bolsonaro queria uma foto com
militar era só ter visitado um quartel”, escreveu.
A frase, porém, era só parte de uma
sequência de tuítes em que Lula dedicava mais tempo a se explicar que a debater
o simbolismo de tanques e fardados na Praça dos Três Poderes, no dia da decisão da Câmara sobre o voto impresso. “Eu não fico
entrando toda hora em briga desnecessária porque isso só interessa ao
Bolsonaro. Ele cria confusão pra ocupar espaço na mídia. É o jeito dele
governar. O que eu quero discutir são os milhões de desempregados nesse país, o
povo que tá sofrendo, passando fome”, escreveu.
As postagens foram uma resposta às pressões que o petista vem sofrendo, na esquerda e fora dela, para se posicionar. Lula se calou quando veio à tona que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou recados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugerindo que, se não fosse aprovado o voto impresso, não haveria eleições. E tem feito comentários econômicos sobre os militares e as Forças Armadas, nas poucas entrevistas que dá, a veículos selecionados. As pressões são mais do que naturais, uma vez que o ex-presidente é hoje o político que mais tem chances de derrotar Bolsonaro em 2022.
Acontece que Lula está diante de um xadrez
delicado. Se, de um lado, precisa mostrar a suas bases combatividade contra
Bolsonaro, de outro tenta há semanas abrir canais de interlocução com oficiais
da reserva, por meio de emissários como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim.
Mas essas incursões vêm sendo malsucedidas. Os militares não querem saber de
Lula. Não são poucos os que dizem que hoje, nas Forças Armadas, a rejeição ao
petista é muito mais forte que a aprovação a Bolsonaro. Dos bolsonaristas mais
radicais, se ouve até que, se ele ganhar a eleição, não assume.
A lista de razões para o rechaço é extensa.
Começa nos escândalos de corrupção do governo petista, passa pela condução da
Comissão da Verdade do governo Dilma, que apurou os crimes da ditadura, e vai
até o último Congresso do PT, que aprovou uma resolução lamentando ter deixado
de “modificar os currículos das academias militares” e de “promover oficiais
com compromisso democrático e nacionalista”. Inclui, ainda, o apoio do PT às
ditaduras da Venezuela e de Cuba, questões sérias para os militares
brasileiros.
Daí a ideia, que circulou entre aliados de
Lula, de ele divulgar uma “carta aos militares”. Na sequência de tuítes, ele
negou. “Se tivesse carta seria para o povo brasileiro e dentro disso estão os
militares. Se militar quiser fazer política ele renuncia o cargo, tira a farda
e se candidata.”
Mas ele sabe que não é bem assim. Os fardados
estão entranhados no governo, e as polícias militares são um forte nicho bolsonarista. Por
mais canhestro que tenha sido o espetáculo do fumacê na Esplanada, Bolsonaro
tem bem mais do que um cabo e um soldado apoiando seus arroubos golpistas.
Quem conhece as Forças Armadas acha que é
possível quebrar a resistência. Só que o caminho é longo e exige empenho. Um
dos maiores especialistas em Forças Armadas e Defesa do Brasil, o cientista
político Octavio Amorim Neto, diz que o primeiro passo seria fazer um
pronunciamento mais claro sobre as ditaduras de Cuba e da Venezuela.
Na semana passada, Lula postou um vídeo de
uma entrevista que deu a uma TV mexicana condenando o regime ditatorial do
nicaraguense Daniel Ortega, no que foi compreendido como um aceno. Boa
tentativa, mas inútil. Lula certamente escolheu a Nicarágua para não ter de se
haver com a militância petista, mas o país tampouco está entre as preocupações
dos militares.
Outra iniciativa que traria o que Lula
busca seria explicar de forma clara, transparente e, de preferência, pública
qual será sua estratégia caso ganhe a eleição. “Um documento um pouco mais
técnico sobre a Defesa Nacional, que deixe implícitas quais serão as maneiras
pelas quais os militares sairão do governo numa eventual transição”, diz
Amorim.
Isso porque, em sua opinião, a opção por
Bolsonaro cresceu nos quartéis no vácuo da negligência dos governos anteriores
em debater e delimitar o papel dos militares na vida nacional — mas nem todos
estão satisfeitos em ser feitos de capacho pelo presidente da República. Se
quiser retomar um diálogo em termos razoáveis com os militares, o petista precisaria
dizer ao Brasil que papel eles terão num eventual governo seu.
Nas palavras de Amorim, “dar a cara a tapa
e dizer qual é a política de Defesa Nacional a partir de 2023; quais as
propostas do PT, dada a importância enorme que as Forças Armadas adquiriram nos
últimos anos”.
O desafio é complexo e talvez não renda
bons dividendos políticos logo de cara. Bem mais fácil pode vir a ser continuar
jogando parado, escolhendo a dedo o momento de fazer um tuíte ou uma
declaração, e esperar para ver se Bolsonaro se desidrata sozinho. Mas essa
estratégia tem seus riscos, tanto para o Brasil como para o próprio Lula. Cabe
a ele escolher qual caminho quer seguir. Seja qual for, dirá muito sobre o que
esperar de Lula daqui para a frente, na campanha e num eventual governo.
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