O Estado de S. Paulo
Militares acham que uma ordem tresloucada de Bolsonaro passou a ser uma probabilidade
Depois do espetáculo deprimente do
“desfile” militar de terça-feira ganhou corpo nos altos escalões das Forças
Armadas a discussão sobre os limites de obediência ao Napoleão que transformou
o Planalto num hospício. Alguns oficiais participantes desse debate (em
reuniões formais e, principalmente, por grupos fechados em redes sociais)
lembram o princípio consolidado na “Führungsakademie” do Exército alemão, que
equivale à Escola de Comando e Estadomaior do Exército brasileiro.
É o da “Innere Führung” – traduzido
livremente como “conduta moral” – desenvolvido como premissa do rearmamento da
então Alemanha
Ocidental nos anos 50 e da educação de
todos seus líderes militares. Esse princípio estabelece que o militar é tão
somente um “cidadão em uniforme”, e que deve se orientar por valores éticos e
morais pertinentes a um estado democrático e de direito, e não pela obediência
cega a ordens superiores (que não deixa de ser elemento essencial no
funcionamento operacional de forças armadas).
Admite-se nesses círculos que o “desfile” foi uma desmoralização para as Forças Armadas e que Bolsonaro é “inassessorável” – eufemismo para “incontrolável”. Na cabeça desses oficiais superiores uma ordem tresloucada dele deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma probabilidade.
Com tendência crescente à medida que o
isolamento político e as consequentes derrotas do presidente se acumulam e a
crença mística que Bolsonaro possui de si mesmo o faz pensar que está ganhando
força quando o que ocorre no mundo real da política é o contrário.
No melhor dos cenários sobre os quais se
conversa amplamente nos círculos de militares superiores da ativa Bolsonaro
desiste das eleições e, consequentemente, a candidatura Lula se desidrata, mas
essa possibilidade é tida como utópica. Na pior simulação, segundo um
participante desse debate, ele vai desrespeitar alguma ordem do STF, convocará
seus seguidores para algum tipo de “resistência” nas ruas, haverá conflitos,
correrá sangue e então as Forças Armadas serão chamadas para algum tipo da
detestada (pelos militares) operação de Garantia da Lei e da Ordem.
Nessas mesmas conversas é reiterado que
qualquer tipo de afastamento de Bolsonaro da Presidência teria de ser
exclusivamente pelas vias legais – ou seja, assim como se refuta a
possibilidade de golpe, recusa-se a ideia de um “ultimato” de oficiais
superiores descontentes (e o número é crescente) ao presidente e seu
comportamento desequilibrado. Ocorre que as vias legais parecem hoje pouco
factíveis, como a do impeachment. Ou de longa duração e legitimidade
contestável do ponto de vista político, que é o caminho da inelegibilidade via
TSE.
Resta enfrentar a desmoralização das
instituições incessantemente perseguida por Bolsonaro num ambiente político
polarizado, deteriorado e próximo do que os militares chamam de “bomba social”,
que é o desemprego, a miséria e a inflação intoleráveis para os mais pobres.
Sem que se identifique neste governo qualquer projeto ou plano de ação para
realmente fazer o País crescer além de dar dinheiro para ganhar eleições,
fuzila um importante oficial superior.
Os raciocínios de militares de altas
patentes espelham milimetricamente o que passaram a manifestar figuras
expressivas de segmentos do mundo empresarial e financeiro, para os quais
Bolsonaro não é apenas ruim para os negócios. Tornou-se a expressão de olhos
revirados e vociferante do Brasil tosco, bruto, retrógrado – um motivo de
constrangimento e vergonha internacional, e um acinte aos princípios e valores
de uma sociedade aberta e próspera. E que se empenha em bloquear, em vez de
facilitar, qualquer caminho de conciliação política, debate racional e empenho
em tratar dos temas realmente relevantes.
Porém, da mesma maneira que as divididas
elites econômicas e políticas, também as elites militares estão divididas e sem
um claro curso de ação. Sofrem, como as outras, de falta de lideranças.
Nenhum comentário:
Postar um comentário