Folha de S. Paulo
Com derrota do voto impresso, presidente
mantém ataques e prova que não vai seguir regras mínimas
Às vésperas da votação que enterrou a
proposta do voto impresso, o presidente da Câmara afirmava que os Poderes
deveriam dançar
"sem pisar no pé de ninguém". "Assim é um baile bom,
assim é a vida", afirmou Arthur Lira, numa visão excessivamente otimista
da harmonia entre o Congresso e o Palácio do Planalto.
Jair Bolsonaro já meteu o coturno nas canelas de meia República, mas continua sendo convidado para os arrasta-pés de Brasília. Desde o início deste mandato, o mundo político vende a versão de que é possível convencer o presidente a atuar dentro das regras mínimas da democracia. Ele mesmo, no entanto, faz questão de provar que não há a menor chance de isso ocorrer.
A decisão da Câmara de levar ao plenário o
projeto do voto impresso é o exemplo acabado dessa farsa. Deputados diziam que
seria possível encerrar a discussão ao rejeitar definitivamente a
proposta. Circulou até
a promessa de que Bolsonaro respeitaria o resultado da votação
caso o texto fosse derrotado. Mas o espetáculo só serviu ao presidente.
Bolsonaro manipulou números da votação para
cantar vitória. Disse que o apoio de 229 deputados era prova de que há
desconfianças sobre as eleições e lançou novas suspeitas de fraude nas urnas
eletrônicas, mesmo admitindo não ter evidências de nada. A Câmara deu um
presente ao Planalto —e ainda fingiu que aquele era um gesto de firmeza.
Não é ingenuidade, mas interesse.
Parlamentares já sabem que o presidente não vai se comportar de outra maneira e
que seu único objetivo é o tumulto. Esses políticos, entretanto, preferem
fingir que as pisadas no pé não doem e manter o arruaceiro no salão. Eles já se
acostumaram à ideia de exercer seu
poder com Bolsonaro no recinto.
O Congresso deveria prestar mais atenção
nos sinais emitidos pelo próprio presidente. A cada vez que recebe a
oportunidade de participar do jogo político, Bolsonaro demonstra que não está
disposto a seguir nenhuma regra. Não será diferente daqui até 2022.
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