O Globo
A reforma do Imposto de Renda teve três
versões em 30 dias e nenhuma delas passou por comissões ou foi debatida antes
de ser pautada para plenário. Só não foi votada ontem porque foi atropelada
pelo projeto da reforma eleitoral. A PEC dos precatórios é uma pedalada, cria
uma contabilidade paralela fora do Orçamento e muda a regra de ouro. O Bolsa
Família pode virar um programa no qual vários outros são pendurados, perder o
foco e parte do mérito que o tornou um programa simples e eficiente. A reforma
do IR, a PEC dos precatórios e a mudança do Bolsa Família têm algumas coisas em
comum: foram mal formulados, fazem parte de uma agenda hiperativa que traz mais
distorção do que solução.
Está sendo difícil acompanhar as mudanças frequentes em projetos que tramitam de afogadilho na Câmara, sob a gestão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ontem, o último texto da reforma do Imposto de Renda foi apresentado de madrugada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) para ser votado em menos de 24 horas sob regime de urgência, dispensando os debates em cinco comissões. E uma das novidades foi a redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido para compensar a queda menor do IRPJ. Ao fim, a votação foi adiada, atropelada por outro projeto, também sem pé nem cabeça, das regras eleitorais do país.
A proposta de Paulo Guedes foi extemporânea
e tão mal feita que o ministro ao divulgar já admitiu mudar tudo. Para o
trabalho de consertar o projeto foi escalado o deputado Celso Sabino. Só que
ele vive tutelado pelo ministro e improvisa a cada momento que chega uma
reclamação. A pressa em colocar na mesa esse projeto era para corrigir a tabela
do Imposto de Renda Pessoa Física, em tempo de ser usado como bandeira
eleitoral do presidente Jair Bolsonaro em 2022. Como a medida abre um buraco no
Orçamento, os lucros e dividendos das empresas passaram a ser tributados em
20%. E para atenuar o aumento de carga sobre as empresas, cortou-se alíquotas
de IRPJ. Só que isso tira dinheiro dos estados e municípios. O IRPJ financia os
fundos de participação dos estados e municípios. A queda do imposto produz
perdas bilionárias para os fundos, que são importante para reduzir as
desigualdades regionais.
O que chama atenção nesse assunto é que o
país passou três anos discutindo uma reforma tributária ampla dos impostos
indiretos, com dois grandes projetos em tramitação nas duas Casas. O governo
ignorou o esforço, prometeu mandar uma reforma em quatro fases. Até agora,
enviou uma unificação do PIS/Cofins, que ninguém mais ouve falar e que aumenta
a carga, e esse PL do Imposto de Renda. Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco, avisou que vai retomar a tramitação do projeto que está no Senado, a
PEC 110, que unifica impostos indiretos. Avisou que essa é a agenda que o setor
produtivo quer.
A PEC dos precatórios provoca dois abalos
na credibilidade fiscal do país. Dá uma pedalada nas despesas do governo — ou
seja, posterga dívidas para financiar outro gasto — e cria um orçamento
paralelo, com passivos não contabilizados nas principais estatísticas da dívida
pública. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), se a PEC estivesse em
vigor desde 2016 o governo teria tirado R$ 91 bilhões de gastos no Orçamento.
Esse valor de precatórios teria sido parcelado ou pago por fora do teto de
gastos. Toda essa confusão está sendo feita por motivos eleitoreiros. O governo
quer mais dinheiro para gastar e reformular o Bolsa Família.
As pedaladas fiscais foram a razão alegada
para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desta vez, a equipe econômica
diz que se trata de uma “modernização” da regra dos precatórios e que tudo será
feito pelo Congresso. Será uma pedalada institucionalizada, como definiu o
próprio TCU. Um dos grandes avanços fiscais do país foi unificar os orçamentos
— o Brasil tinha três —e retirar os esqueletos do armário. O risco agora é de
retrocesso.
Uma das virtudes do Bolsa Família era ter
foco e ser simples. O governo, para se apropriar do programa que criticava, vai
pendurar sete outros programas nele apenas para mudar de nome. Um deles é o
voucher-creche, que já foi derrubado pelo Congresso. O Bolsa Família
transformado em Auxílio Brasil pode perder foco e eficiência.
O Ministério da Economia está fazendo toda
essa confusão, quebrando regras fiscais, para seguir a agenda política de
reeleição de Bolsonaro.
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