EDITORIAIS
Centrão apara as arestas da derrota de
Bolsonaro
Valor Econômico
Votação mostra que muitos deputados estão
dispostos a dar o benefício da dúvida ou desdenhar as sérias ameaças contra a
democracia
A Câmara dos Deputados rejeitou o voto
impresso, cuja ausência é hoje o pretexto principal do presidente Jair
Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral de 2022 e refutar de antemão seu
resultado. Sua tentativa de intimidação do Congresso e do Supremo Tribunal
Federal, com um desfile mambembe de 40 blindados da Marinha até a Praça dos
Três Poderes e a presença dos comandantes das Forças Armadas, produziu forte
reação política contrária. À noite, o Senado votou a revogação da Lei de
Segurança Nacional e seu repúdio ao voto impresso deve ser mais firme que a
reação moderada da Câmara, onde 229 deputados votaram a seu favor e 218 contra
-eram necessários 308 votos para a aprovação.
Não será um revés a mais que inibirá o
presidente de tentar desmoralizar as eleições e permanecer no poder, como suas
declarações ontem mesmo comprovaram. A articulação para a votação no
Legislativo e seu resultado mostraram que Bolsonaro ainda tem espaço e apoio
para continuar com seu trabalho de enfraquecer a democracia e abrir caminhos
para uma saída autoritária.
Na jornada de terça-feira nada foi exatamente o que pareceu ser. A demonstração militar buscada pelo presidente não foi apenas o fiasco que um blindado vazando óleo faz crer. Pela primeira vez desde a redemocratização, ainda que fazendo uso de data fixada com antecedência para manobras tradicionais programadas da Marinha, houve blindados desfilando a pedido do Executivo para intimidar os demais poderes da República. O governo sabia que sairia derrotado na disputa do voto impresso na Câmara, mas sequer cogitou um recuo de última hora. A mídia estrangeira resumiu bem a intenção do presidente e a coreografia patética que a acompanhou - são típicas de uma república de bananas.
O presidente não sofreu, porém, uma derrota
estrondosa. A reação branda da Câmara, as duas faces do modus operandi do
Centrão e a forma como votaram os partidos mostram que muitos deputados estão
dispostos a dar o benefício da dúvida ou tão somente desdenhar as sérias
ameaças contra a democracia seguidamente feitas por Bolsonaro.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), ignorou o resultado da comissão especial que rejeitou o voto impresso
e levou-a a plenário. Houve pontos positivos e negativos nessa obra de
malabarismo político de Lira para não desagradar nem a Bolsonaro nem aos
partidos do Centrão. Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do partido, foi para a
Casa Civil dias depois de concordar, com mais 11 legendas, que a volta do voto
impresso não teria seu apoio. A união fazia vislumbrar uma rejeição muito mais
forte do que a que ocorreu.
O ponto final da ação de Lira é que foi o
Poder Legislativo, e não uma simples comissão, que derrubou a iniciativa do
presidente e seus acólitos - uma mudança qualitativa da rejeição. Por outro
lado, os riscos da manobra se evidenciaram. Primeiro, é péssimo o precedente de
levar a plenário um tema votado e rejeitado por uma comissão. Depois, abriu-se
flanco a pressões do governo sobre os parlamentares, às quais o Centrão foi
permeável para não antagonizar o presidente. No desfecho, o apoio ao voto
impresso na Câmara superou a rejeição, o que tem apelo para a propaganda
bolsonarista.
O desfecho da votação revelou coisa pior e
de consequências importantes. Partidos de peso, que inauguraram a
redemocratização e a sustentaram, e que hoje buscam a terceira via, sufragaram
por maioria de seus deputados a proposta de Bolsonaro, com todas as ameaças e
más intenções que continha. PSDB, DEM e MDB se comportaram assim, ao lado do
PSD, de Kassab, do PSB e do PDT. O PP liberou seus deputados e abandonou o
compromisso anterior. A maioria (16) votou com o governo.
O sinal deixado pelas grandes e
tradicionais legendas, em especial o PSDB, é que sua oposição ao governo não é
coerente ou firme. Mostraram-se dispostos a apoiar o atraso, em uma atitude
capituladora nociva caso se repitam novas crises provocadas pelo presidente da
República - e elas virão. Indicaram que não há a menor chance de que eventual
impeachment passe pela Câmara - e isso não apenas pela barreira de Lira.
O comportamento desses partidos enseja o pior para o futuro - a aprovação do enorme retrocesso que é a reforma eleitoral, na qual o espantalho do péssimo distritão pode trazer de volta a execrável coligação partidária em eleições proporcionais. Deixa ainda em dúvida a possibilidade de uma terceira via que se distinga de fato e por princípio, de Bolsonaro e de seu rival, o ex-presidente Lula.
O valor da palavra de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
O presidente da Câmara, Arthur Lira, havia
dito e assegurado que o presidente Jair Bolsonaro aceitaria o resultado da
votação da PEC do Voto Impresso na Câmara. “O presidente Bolsonaro, em uma
ligação telefônica, me garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu
espero respeito e obediência ao que o plenário da Câmara decidir”, declarou
Lira à Rádio CBN às vésperas da votação. Logo depois da sessão, proclamado o
resultado e arquivada a PEC, Arthur Lira reafirmou que o presidente “disse que
respeitaria o resultado” e acrescentou: “Eu acredito”.
Na palavra de um presidente que mente a
todo momento, sobre os mais diversos assuntos, acredita quem quer. No dia
seguinte à esperada derrota da PEC do Voto Impresso na Câmara, Bolsonaro disse
que os deputados que votaram contra a matéria foram “chantageados”, manteve sua
campanha de ataques à Justiça Eleitoral e de descrédito contra o atual sistema
de votação e informou que não vai desistir do assunto.
O presidente disse que a matéria foi
rejeitada porque muitos parlamentares temiam ser “retaliados”. Às vésperas da
votação, Bolsonaro havia acusado o presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
ministro Luís Roberto Barroso, de ter “apavorado” deputados que, segundo ele,
“devem alguma coisa na Justiça, devem no Supremo Tribunal Federal”.
Ou seja, Bolsonaro, não contente em
reiterar suas agressões ao Judiciário, sugerindo que o ministro Barroso agiu
como um capo mafioso, ainda colocou em dúvida a honestidade dos deputados de
quem esperava votos.
De fato, muitos deputados foram
chantageados e ameaçados, mas por bolsonaristas que vivem no esgoto das redes
sociais. Além disso, Bolsonaro ainda fez veículos blindados da Marinha
desfilarem nos arredores do Congresso no dia da votação, com a clara intenção
de intimidar os parlamentares.
Derrotado, Bolsonaro inventou a tese
segundo a qual os 229 votos em apoio à PEC significam que “metade do Parlamento
que votou ‘sim’ ontem quer eleições limpas”, o que, segundo ele, mostra que “a
maioria da população está conosco, está com a verdade”.
Nada disso parece indicar que Bolsonaro
aceitou o resultado, como o presidente da Câmara garantiu que o presidente
faria. Indica, ao contrário, que a campanha bolsonarista para tumultuar as
eleições do ano que vem continuará a todo vapor – campanha para a qual conta
com a pusilanimidade dos que têm poder institucional de lhe obstar o caminho.
Na verdade, mesmo derrotado na Câmara,
Bolsonaro conseguiu o que queria, ao transformar um tema inexistente – dúvidas
sobre a já atestada segurança das urnas eletrônicas – no tema mais candente do
ano, superando a pandemia, a inflação e o desemprego.
Num país em que a democracia jamais esteve
verdadeiramente em questão desde o fim do regime militar, Bolsonaro instilou o
receio de quebra da ordem democrática, e, diante disso, tudo o mais parece
perder importância.
O circo bolsonarista, com direito a tanques
nas ruas, já mostrou do que é capaz para desviar a atenção da profunda
incompetência do governo. Para piorar, conta com a mediocridade da oposição. Na
votação da PEC do Voto Impresso, o PSDB, que se anuncia como partido de
oposição, deu mais votos a favor da matéria do que o PP do senador Ciro
Nogueira, prócer do Centrão alçado à Casa Civil de Bolsonaro com a promessa de
articular apoio ao presidente.
É nessa miséria política que medra o
bolsonarismo, cuja essência é justamente a negação do diálogo e da democracia.
E ninguém pode se dizer surpreso: Bolsonaro sempre foi absolutamente
transparente a respeito de seus propósitos liberticidas. Quem quer que se deixe
engambelar por suas promessas de contenção e respeito à Constituição, como
fizeram Arthur Lira e outros antes dele, deve saber que tamanha ingenuidade
custa cada vez mais caro ao País.
O senador Flávio Bolsonaro, primogênito do
presidente, garante que o pai é um “democrata”: “Bolsonaro não é Hugo Chávez,
Bolsonaro não é Kim Jong-un, Bolsonaro não é Fidel Castro”. De fato, Bolsonaro
é apenas Bolsonaro – e isso basta para arruinar o País.
O mercado de trabalho após a pandemia
O Estado de S. Paulo
Em vez de investir em educação, País pode ficar atrelado a programas de transferência de renda
À medida que o ritmo de vacinação vai aumentando
no País, os economistas vão fazendo cada vez mais pesquisas sobre o que
acontecerá com o mercado de trabalho quando a pandemia passar. O mais recente
levantamento foi feito por professores e pesquisadores do Instituto Brasileiro
de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, e aponta duas
tendências preocupantes.
Por um lado, eles temem que volte a
acontecer o que já ocorria antes da pandemia. Ou seja, o crescimento de
ocupações de baixa qualificação, que foi o tipo de trabalho mais afetado
durante a pandemia. Se isso ocorrer, a desigualdade social e econômica poderá
se aprofundar ainda mais no Brasil. Para afastar esse risco é preciso formular
um amplo programa de requalificação profissional, com o foco em novas
habilidades. “O problema da economia brasileira não é, necessariamente, que ela
não gera emprego. É que o emprego gerado é de baixa produtividade, pouca
perspectiva salarial e precário em termos de proteção social”, afirma o
economista Fernando Veloso, lembrando o que ocorre no mercado de trabalho
informal. “É preciso trazer para o debate a importância das linguagens de
programação que são as novas formas de alfabetização. Quem chegar ao mercado de
trabalho sem esse conhecimento pode ter dificuldade de se inserir em novos postos”,
complementa a pesquisadora Janaína Feijó.
Por outro lado, os economistas do Ibre
também receiam que o País fique atrelado a um modelo de programas sociais de
transferência de renda, como o Bolsa Família, relegando para segundo plano a
formulação de projetos consistentes de valorização de uma educação pública de
qualidade e com equidade, para tentar reduzir a acentuada queda do nível de
aprendizagem de adolescentes e jovens ocorrida durante o longo período em que
as escolas ficaram fechadas.
Enquanto os alunos do ensino privado
continuaram estudando e suas perspectivas quanto ao mercado de trabalho foram
menos afetadas, com os alunos das escolas públicas aconteceu justamente o
inverso. “Essa é a preocupação: a gente cair nisso de achar que programas sociais
podem resolver os problemas do País estruturalmente”, diz Luiz Guilherme
Schymura, diretor do Ibre.
Com base nos números de 2012 a 2019 da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os pesquisadores e professores do
Ibre analisaram as ocupações emergentes no Brasil e detectaram que os padrões
do mercado de trabalho não são iguais aos internacionais. Entre nós, apesar do
crescimento de ocupações ligadas aos setores de tecnologia, saúde e redes de
computadores, o ranking continua sendo liderado por gerentes de serviço,
vendedores e, principalmente, ambulantes. Já em termos mundiais a tendência é
de que o mercado de trabalho cresça basicamente nas áreas de ciência,
tecnologia, engenharia e matemática, dada a necessidade de mão de obra
altamente qualificada por parte da Revolução Industrial 4.0. Por causa do
avanço da tecnologia, ocupações em serviços de alimentação, atividades
administrativas, atendimento ao consumidor e vendas tendem a ter menos demanda
e algumas profissões estão desaparecendo, por terem se tornado obsoletas.
Decorre daí a necessidade de amplos
programas de requalificação e de ensino técnico e profissionalizante, alertam
os pesquisadores e professores do Ibre. Baseando-se num levantamento feito pela
empresa de consultoria McKinsey em oito países que, juntos, detêm 62% do
Produto Interno Bruto global, eles afirmam que, quando a pandemia passar, 100
milhões de trabalhadores poderão mudar de ocupação até 2030, por causa das
novas condições tecnológicas de produção de bens e serviços.
Esse alerta não poderia ter vindo em melhor
hora. Como a educação é um determinante fundamental do crescimento econômico,
investir em requalificação e em ensino profissional é o grande desafio que o
Brasil terá pela frente, dadas as mudanças que ocorrerão no perfil do trabalho
quando a pandemia passar.
A verdade sobre o ‘orçamento secreto’
O Estado de S. Paulo
São cada vez mais robustas as evidências de que ele é uma política de governo
Após o Tribunal de Contas da União (TCU)
manifestar “perplexidade” ao avaliar o chamado “orçamento secreto”, escândalo
revelado pelo Estado no início de maio, agora foi a vez de a
Controladoria-Geral da União (CGU) apontar “risco extremo de sobrepreço” nos
convênios firmados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para
aquisição de tratores e equipamentos agrícolas com recursos provenientes
daquela artimanha engendrada no Palácio do Planalto para comprar apoio
congressual para o presidente Jair Bolsonaro.
Para relembrar o caso: o governo federal se
assenhorou de ao menos R$ 3 bilhões do Orçamento da União para distribuir este
montante a parlamentares da base aliada – ou para cooptar quem dela ainda não
fazia parte – fora de quaisquer mecanismos de controle republicano. A um grupo
de deputados e senadores foi dado impor, secretamente, o destino de emendas direcionadas
a projetos fajutos ligados ao MDR. Grande parte destes recursos foi destinada à
compra de maquinário pesado por preços muito acima da tabela de referência do
próprio Ministério. Toda essa dinheirama foi direto para as bases eleitorais
dos parlamentares agraciados.
Na conclusão de um relatório de auditoria,
os técnicos da CGU afirmam que, “diante dos fatos apresentados, e considerando
que os convênios (do MDR) verificados poderiam se enquadrar nas irregularidades
relacionadas a preços apontadas pela reportagem de O Estado de S. Paulo”,
foi possível concluir que “em uma amostra de 115 convênios”, disseram os
auditores, “o risco de sobrepreço foi considerado ‘alto’ (entre 10% e 25%) ou
‘extremo’ (25%) pela equipe de auditoria”. No final do documento, a CGU admite
que “há necessidade de melhorias e/ou implementação de novos procedimentos de
controle por parte do MDR” para novos direcionamentos de recursos provenientes
de emendas parlamentares.
Ao fim e ao cabo, foi muito bom para o País
– e para o jornalismo profissional – que esta tenha sido a conclusão de mais um
órgão de controle que se debruçou sobre a prática do “orçamento secreto”.
Convém lembrar que no fim de maio o ministro-chefe da CGU, Wagner Rosário,
afirmou que o “orçamento secreto” era uma “mentira”, uma “ilação” do Estado.
Rosário não foi a única autoridade do primeiro escalão do governo federal a
desqualificar não apenas a reportagem deste jornal, mas o jornalismo
profissional, a começar pelo presidente da República, o maior beneficiário daquele
cambalacho. Com seu jeito muito peculiar de lidar com o que lhe desagrada,
Bolsonaro chamou de “jumentos” e “idiotas” os jornalistas desta casa que, por
dever de ofício, lançaram luz sobre mais um de seus desvios das leis e da
Constituição. O então ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, foi
outro que classificou como “mentirosa” a informação de que a Secretaria de
Governo (Segov), da qual era chefe, participou da distribuição do butim à
sorrelfa.
Diante das evidências cada vez mais
robustas de práticas lesivas ao erário e à moralidade pública, um grupo de
parlamentares acionou o TCU para pedir a suspensão de licitações que o MDR
realizou no fim do ano passado para comprar mais de 6.240 máquinas pesadas com
recursos suspeitos de compor o “orçamento secreto”. A CGU identificou
sobrepreço de R$ 130 milhões nestes processos. Além disso, o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Tábata Amaral (sem partido-SP) e Felipe
Rigoni (PSB-ES) representaram à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que
investigue o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e Tiago
Pontes Queiroz, responsável pela Secretaria Nacional de Mobilidade e
Desenvolvimento Regional e Urbano, órgão que conduziu o processo de compra das
máquinas.
A investigação do MDR já seria um bom começo. Mas já está claro que o “orçamento secreto” se converteu em uma espúria “política” de governo que se espraiou por outros Ministérios, como da Agricultura, da Defesa e da Justiça e Segurança Pública. Bolsonaro costuma pontificar que a verdade liberta. Que assim seja.
Congresso tem o dever de deter retrocesso
eleitoral
O Globo
O principal defeito do sistema partidário
brasileiro é conhecido: a fragmentação em, pela última conta, 33 partidos, a
maioria sem consistência programática nem ideológica, transformados em negócios
por caciques que mercadejam apoio em troca de benesses, verbas, cargos e
salários na máquina pública. A solução para o problema também é conhecida:
restringir a quantidade de partidos com acesso ao poder e ao dinheiro público.
Foi esse o objetivo da minirreforma política de 2017.
Para atingi-lo, ela promoveu duas mudanças:
o fim das coligações em eleições proporcionais e a criação de um patamar mínimo
de votação para os partidos obterem cadeiras no Parlamento, a cláusula de
barreira ou desempenho. A implementação não seria abrupta, mas progressiva, de
modo que a depuração dos partidos nanicos e legendas de aluguel fosse gradual.
As duas passariam a valer em conjunto pela primeira vez nas eleições de 2022.
Pois é justamente para deter a depuração e
permitir a sobrevivência de agremiações ameaçadas que o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), o Centrão e aliados se esforçaram tanto para aprovar a
“contrarreforma” política levada às pressas para votação em primeiro turno na
noite de ontem.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
chegou repleta de absurdos ao plenário da Câmara. O projeto era tão sem
sentido, descabido e estapafúrdio que embutia dispositivos contraditórios. De
um lado, restabelecia coligações nas eleições proporcionais. De outro,
transformava essas eleições em majoritárias, criando o monstrengo conhecido por
“distritão”, a pior forma de eleger representantes segundo o consenso dos
cientistas políticos. Como as duas mudanças são incompatíveis, os deputados
tiveram de fazer uma escolha. Pelo acordo firmado pelas lideranças,
sacrificaram o “distritão”, mas aprovaram a volta das coligações nas eleições
de 2022.
O fim do “distritão” é sem dúvida um
avanço. Enquanto, numa eleição proporcional, todos os votos válidos são
computados para calcular a fração da Câmara que cabe a cada partido — inclusive
os dados às legendas ou a deputados que não somam votos suficientes para ser
eleitos —, no “distritão” elegem-se simplesmente os mais votados no estado. Os
votos dados a partidos ou aos demais candidatos vão para o lixo. É um sistema
que favorece nomes famosos, como youtubers, artistas, esportistas e
celebridades, em detrimento de políticos com mais preparo e experiência.
Enfraquece os partidos — já que os eleitos dependem menos deles — e piora a
qualidade da representação. Fizeram bem os deputados em sepultá-lo.
Em contrapartida, os feiticeiros do
Centrão, interessados apenas em preservar o poder dos caciques sobre suas
legendas e os recursos atrelados, tentam manter as coligações nas eleições do
ano que vem, dando sobrevida aos partidos nanicos. Se prosperar essa alquimia,
engendrada depois da derrota do voto impresso, serão trágicas as consequências
para o sistema eleitoral brasileiro. Rigorosamente nenhuma mudança é necessária
neste momento. O melhor para nossa democracia é continuar a depuração
progressiva decorrente da minirreforma de quatro anos atrás. Os parlamentares
têm o dever, nas votações que restam, de barrar a volta das coligações, para
garantir o saneamento progressivo do quadro partidário. O país não tolera mais
tanto descaso com a representação popular.
Nova lei que substitui LSN representa
avanço para o país
O Globo
Foi positiva a aprovação no Senado da nova
legislação que trata de crimes contra o Estado Democrático de Direito e
substitui a anacrônica Lei de Segurança Nacional (LSN). Os senadores
pressionaram para a votação na terça-feira como uma espécie de resposta ao
ridículo desfile militar em frente ao Palácio do Planalto promovido pelo
presidente Jair Bolsonaro. Aprovada em maio na Câmara dos Deputados, a nova lei
agora segue para a sanção presidencial.
A simples revogação da LSN já seria boa
notícia. Criada nos últimos anos da ditadura militar, ela foi pensada para dar
sustentação a um Estado autocrático. Os tipos penais eram abertos, as penas
exageradas, chefes de Poderes se confundiam com as instituições e havia
conflitos com o estabelecido na Constituição de 1988.
Mais recentemente, a herança da ditadura passou
a ser usada de forma abusiva. Após a chegada de Bolsonaro ao Planalto, os
inquéritos abertos com base na LSN cresceram de forma assombrosa, tendo como
alvo jornalistas, adversários do governo ou meros cidadãos que manifestassem
oposição ao presidente. Mesmo que a maioria desses inquéritos siga o caminho do
arquivamento, a LSN mostrou que se presta ao papel de instrumento de
intimidação. Só por isso, sua revogação seria motivo de júbilo.
Ao mesmo tempo, a ascensão da extrema
direita desde 2018 tornou evidente a necessidade de uma lei que proteja o
Estado democrático. Na falta de instrumento melhor, o Supremo Tribunal Federal
(STF) teve de usar a LSN no início do ano para mandar prender o deputado Daniel
Silveira (PSL-RJ), sob a acusação de ter defendido medidas antidemocráticas e
incitado a violência contra ministros do Supremo.
De acordo com a nova lei aprovada, o Código
Penal terá uma parte destinada a crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O texto os divide em capítulos. No que versa sobre crimes contra o
funcionamento das instituições no processo eleitoral, prevê que ficará preso
por um período de três a seis anos quem for condenado por impedir ou perturbar
uma eleição ou a aferição de seu resultado.
A comunicação enganosa também está na lista
de crimes. Aqueles que promoverem ou financiarem, mediante uso de expediente
não fornecido diretamente pelo provedor do aplicativo de mensagem, campanha ou
iniciativa para disseminar fatos que sabem inverídicos e capazes de comprometer
o processo eleitoral podem ser detidos por um período de até cinco anos.
A nova lei também prevê a reclusão, de
quatro a oito anos, para quem tentar dar golpes, abolindo o Estado Democrático
de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
A sociedade brasileira espera que Bolsonaro
mostre algum traço mínimo de responsabilidade na hora de avaliar o projeto e
evite desfigurá-lo com vetos, que certamente deverão ser derrubados caso
ocorram.
Página virada
Folha de S. Paulo
Derrota do voto impresso responde a
golpismo; agora é mirar temas que importam
O plenário da Câmara dos Deputados foi
obrigado a perder seu tempo, em meio às múltiplas urgências que se abatem sobre
a população brasileira, com a obsessão do presidente da República pelo voto
impresso. Deu a resposta merecida ao golpismo e enterrou a
proposta equivocada e extemporânea.
Não há grande surpresa no placar, que
computou 229 deputados favoráveis à mudança do mecanismo de votação e 218
contrários —o projeto, por pretender reformar a Constituição, precisaria de 308
endossos para continuar tramitando.
O histórico da Câmara nesse tema demonstra
que retroceder aos tempos do voto impresso —dispendioso, vagaroso e fraudável—
encanta muitos de seus integrantes.
Em 2015 a Casa derrubou, com 368 votos, o
veto da presidente Dilma Rousseff a um projeto de lei instituindo o
dispositivo, que só não vingou porque o Supremo Tribunal Federal o julgou
inconstitucional. No mesmo ano, mais de 60% dos deputados incluíram o registro
impresso do sufrágio em emenda constitucional de reforma política, parada desde
então no Senado.
Dessa perspectiva, se houve novidade na
sessão de terça (10), foi a derrota da propositura. A exploração golpista do
tema patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro, paradoxalmente, levou ao
fracasso da iniciativa parlamentar. E isso é motivo de dupla comemoração.
No mérito do debate, a tecnologia
eletrônica do Brasil, que dá reiteradas mostras de segurança, auditabilidade e
eficiência, não deveria ser reformada com os olhos no retrovisor. Ao contrário,
que se almejem incorporar mais facilidades da revolução digital, sem perder a
confiança, para que os pleitos ganhem em conveniência, participação, rapidez e
economicidade.
Do ponto vista institucional, veio em boa
hora e no tom justo a demonstração de intolerância às investidas autoritárias
do presidente da República. A tentativa de intimidar o Congresso e o
Judiciário, que contou com uma parada militar típica de nações falidas, bateu
no rochedo do Estado democrático de Direito e dissolveu-se no ar.
Ninguém que observou com isenção os últimos
31 meses da política brasileira espera que Bolsonaro interrompa os ataques a
fundamentos constitucionais depois da derrota no Congresso. Para esse mal, o
remédio é agir com os instrumentos da República, como infelizmente ainda não
têm feito o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o procurador-geral, Augusto
Aras.
Mas o Legislativo virou uma página nefasta
e vazia do voto impresso. Deveria se debruçar sobre os temas que importam para
o bem-estar momentâneo e futuro de dezenas de milhões de brasileiros. O país
adoece e empobrece enquanto o presidente delira e conspira.
Universitários de menos
Folha de S. Paulo
Baixa taxa de brasileiros com diploma é
mazela, à diferença do que pensa o MEC
O ministro da Educação, Milton Ribeiro,
aparece pouco. Num país em que a pandemia vai deixando um enorme rastro de
destruição educacional, o responsável pela área deveria estar anunciando
programas de recuperação, coordenando esforços das secretarias regionais e se
desdobrando para conseguir recursos orçamentários.
Ribeiro não faz nada disso; quando ganha as
manchetes, é por ter dito bobagem. À TV Brasil, o ministro declarou que a universidade
deveria ser reservada a poucos —e que a ênfase deveria recair
sobre o ensino profissionalizante.
Ora, um dos problemas graves do país é a
baixa proporção de pessoas com educação superior. Entre os brasileiros de 25 a
34 anos, apenas 21% concluíram um curso universitário. Trata-se taxa inferior à
de países da região como México (24%), Colômbia (30%), Chile (34%) e Argentina
(40%).
Estamos a anos-luz da das nações campeãs,
como Coreia do Sul (70%), Canadá (63%) Rússia e Japão (ambos com 62%).
Num mundo em que o saber é cada vez mais
importante, a capacidade da população de adquirir, utilizar e produzir conhecimento
se torna um grande diferencial entre os países, que muitas vezes competem por
investimentos.
Até aqui se fala apenas de quantidades. Se
introduzirmos a questão da qualidade na equação, a situação do Brasil é ainda
pior. Uma prévia disso se vê nos péssimos resultados obtidos no Pisa, a prova
internacional que compara o desempenho de alunos do ensino médio.
Para não dizer que o ministro Ribeiro está
inteiramente equivocado, o ensino profissionalizante é de fato um veio
interessante a explorar. Mais brasileiros poderiam beneficiar-se de uma maior
oferta de cursos voltados à formação técnica.
Mesmo o desbragado elitismo de Ribeiro pode
ter seu lugar. Poder público e iniciativa privada não fariam mal se investissem
em programas específicos destinados a recrutar os melhores professores,
pesquisadores e alunos para formar grupos que possam competir com seus
equivalentes nas melhores instituições do planeta.
Quaisquer que sejam os caminhos, o fato é
que hoje o país precisa de mais jovens nas universidades, não de menos —o que
passa por um ensino público de melhor qualidade, em especial no nível médio. As
afirmações do ministro, infelizmente, não autorizam otimismo quanto a políticas
destinadas a atingir esse objetivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário