Correio Braziliense
Bolsonaro explora o
descontentamento dos militares com o Supremo, cuja verdadeira causa é a
anulação das condenações de Lula e seu favoritismo nas pesquisas
Derrotado, o presidente Jair Bolsonaro não
se deu por vencido. Continua a cantilena contra a urna eletrônica, dessa vez
anunciando que pretende provar que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu as eleições
contra Dilma Rousseff, em 2014. O tucano deu a deixa para isso, ao se abster na
votação que sepultou a proposta de emenda constitucional da deputada Bia Kicis
(PSL-DF), que restabelecia o voto impresso. Como se sabe, Aécio tentou anular a
eleição da petista e alegou abuso de poder econômico, além de pedir recontagem
de votos, inconformado com a derrota.
As declarações de Bolsonaro, ao reiterar as acusações sem provas de que as urnas eletrônicas não são confiáveis, provocaram reação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para quem o assunto está encerrado e o “esticar de cordas” já ultrapassou “todos os limites”. Será? Bolsonaro havia prometido aceitar o resultado da votação. Lira virou muitos votos contra a proposta, para evitar uma derrota acachapante do presidente da República, que cairia no seu colo e no do Centrão. Resultado: o placar de 229 votos a favor da emenda (44,83%) contra 218 (42,49%), com 64 ausências, derrotou a emenda constitucional, que precisava de 308 votos, mas não liquidou a narrativa de Bolsonaro, porque a maioria dos deputados que votaram endossou a proposta.
A votação expôs as contradições do Centrão
e da própria oposição. A maioria da bancada do PSDB foi a favor do voto
impresso — isto é, 14 dos 26 deputados, sendo que cinco se ausentaram e Aécio
se absteve. O inverso aconteceu com o PL, partido da ministra Flávia Arru- da,
secretária de Governo, que contou com o apoio de apenas 11 dos 41 deputados da
legenda (sete se abstiveram). Os únicos partidos que votaram monoliticamente
foram do PCdoB, com oito votos contra a proposta, e o PSC, com 11 votos a
favor. Em todas as demais bancadas houve dissidências e muita tensão, em razão
das emendas ao Or- çamento e da pressão dos seus eleitores bolsonaristas.
Bolsonaro também tentou mobilizar seus
aliados no Senado para reabrir a discussão sobre o voto impresso, mas o
movimento foi prontamente esvaziado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), para quem o assunto foi encerrado com a votação na Câmara.
“Eu quero reiterar a minha confiança na Justiça Eleitoral brasileira, para que
possa se desincumbir dos caminhos da eleição de 2022 com o máximo de lisura,
sem qualquer tipo de fato que possa ser apontado em relação à fraude ou qualquer
coisa que o valha”, disse. Com essa decisão, agora o Congresso e o Supremo
Tribunal Federal (STF) estão alinhados em relação à segurança da urna
eletrônica, mas a dúvida sobre a aceitação do resultado das eleições por
Bolsonaro, caso seja derrotado, mais do que nunca, permanece no ar. Por quê?
Favoritismo
Ora, porque existe uma grande insatisfação na cúpula das Forças Armadas com o
STF, que Bolsonaro explora com obstinação. Ontem, o novo chefe da Casa Civil,
Ciro Nogueira, fez gestões junto ao tribunal para tentar restabelecer o diálogo
entre o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, e o presidente da República. É
um gesto importante, mas de pouca credibilidade, porque Bolsonaro trabalha em
outra direção. Aproveita-se do descontentamento dos militares com o Supremo,
cuja verdadeira causa é a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e seu favoritismo nas pesquisas de opinião para a Presidência, em
2022.
O petista fez mais pelo reaparelhamento das
Forças Armadas do que qualquer outro presidente da República. Financiou
projetos e reorganizou programas da indústria de Defesa: submarino nuclear,
novos aviões de caça, satélites de comunicações e observação, caminhões e caros
blindados, monitoramento da Amazônia. Entretanto, Bolsonaro trouxe-as de volta
ao centro do poder e promete restabelecer a tutela militar sobre a nação, além
de ter melhorado os soldos e preservado privilégios na reforma da Previdência.
Num regime democrático, as Forças Armadas devem se manter apartadas da política. Caso
Lula seja eleito, portanto, terão que engolir o sapo barbudo outra vez, como
diria o falecido governador Leonel Brizola. Bolsonaro trabalha dia e noite para
impedir que isso ocorra, com um golpe de Estado, caso perca eleições para o
petista. Esse é o busílis do estresse da República.
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