domingo, 5 de setembro de 2021

Bernardo Mello Franco - O ensaio do golpe

O Globo

O Exército cancelou a parada anual, mas o capitão vai usar o 7 de Setembro para botar sua tropa na rua. Jair Bolsonaro aposta tudo nas manifestações convocadas para Brasília e São Paulo. Quer emparedar o Congresso e o Supremo, num ensaio do golpe que planeja desde os tempos da caserna.

Na semana que passou, o presidente subiu o tom dos ataques às instituições. Falou em guerra, fuzil, ruptura e ultimato. “Nós não precisamos sair das quatro linhas da Constituição”, disse, na sexta-feira. “Mas, se alguém quiser jogar fora dessas quatro linhas, nós poderemos fazer também”, ameaçou.

Três dias antes, ele disse que chegou a hora de “nos tornarmos independentes para valer”. “As oportunidades aparecem. Nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro”, discursou.

A claque reagiu com gritos de “eu autorizo”. Os bolsonaristas repetem o bordão desde abril, quando o capitão disse que esperava “o povo dar uma sinalização” para ele “tomar uma providência”.

Bolsonaro vive seu pior momento desde a posse. O tarifaço da luz tende a ampliar seu derretimento entre os mais pobres e a classe média. A elite econômica começou a abandonar o barco. Para tentar escapar do naufrágio, o presidente apela à radicalização.

A convocação do 7 de Setembro não deixa margens a dúvidas. As manifestações terão caráter autoritário e golpista. Vão pregar a cassação de ministros do Supremo e a impunidade para os extremistas que incitam uma quartelada.

O capitão nunca escondeu que era um candidato a ditador. Não acredita na democracia e não aceita os limites impostos pela Constituição. As marchas de terça-feira serão um ensaio para a baderna em 2022. Que ninguém se engane: antes de perder o jogo, Bolsonaro tentará virar o tabuleiro.

Tal pai, tal filho

O advogado Ives Gandra da Silva Martins é o jurista de estimação do golpe. Sua leitura distorcida da Constituição, que atribui um “Poder Moderador” às Forças Armadas, embala o sonho autoritário dos bolsonaristas. A tese já foi desmentida até por ministros do Supremo. Mesmo assim, continua em voga entre defensores de uma “intervenção militar” em favor do capitão.

O ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, é o juiz de estimação do golpe. Arroz de festa em solenidades do governo, ele usa as redes sociais para ostentar intimidade com Bolsonaro, a primeira-dama e os filhos do presidente. Em agosto, foi ao Planalto assistir ao desfile de tanques fumegantes da Marinha. Ontem reapareceu entre Michelle e Damares na Cpac, a conferência da extrema direita em Brasília.

Gandra Filho também frequentou o palácio no governo de Michel Temer, quando tentava cavar uma vaga no Supremo. Foi preterido por Alexandre de Moraes, que hoje é o principal alvo da ira presidencial.

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