domingo, 5 de setembro de 2021

Cacá Diegues - Quem quer feijão

O Globo

Se discursos de Goebbels e Mussolini são o que serve, o presidente deve estar se armando para combater a democracia

No primeiro ano do atual governo, Roberto Alvim era secretário de Cultura num ministério estranho, não me recordo se o de Cidadania, Turismo ou o Não-tem-outro-fica-aí-mesmo. Homem de teatro, Alvim teve então que fazer um discurso solitário e bem ensaiado, não sei mais para que evento. Resumindo, Roberto Alvim teve a infeliz ideia de repetir um discurso do nazista Joseph Goebbels, compadre e amigo pessoal de Adolf Hitler, além de responsável pela Propaganda no governo deste. Alvim também mandou passar, no fundo do que dizia, um trecho de Wagner, acordes que Hitler (e o próprio Goebbels) mandava tocar nos encontros políticos do Partido Nazista.

Ninguém notaria a referência, se alguém não a percebesse e a denunciasse publicamente. Ainda estávamos no início do novo governo, ninguém imaginava até onde eram capazes de ir os novos líderes democraticamente eleitos para responder e irritar a oposição, esse ninho de esquerdistas exagerados e teatrais. (Perdão, teatrais não; teatral era, por natureza e justiça, o próprio secretário de Cultura). Trocando em miúdos, o presidente usou um protesto de organizações judaicas e acabou com a brincadeira.

Organizações judaicas teriam afirmado ser inaceitável um alto funcionário do governo brasileiro fazer um discurso de trabalho inspirado em Goebbels e, ainda por cima, com Wagner de fundo musical. E o Holocausto, como é que fica? Como é que ficam os seis milhões de judeus assassinados pelos nazistas, durante a Guerra e a administração de Adolf Hitler? Num beco sem saída, Bolsonaro usou um desculpe-qualquer-coisa e demitiu o orador. Roberto Alvim deixava a secretaria de Cultura, formalmente afastado pelo chefe, porque entregara sua admiração pelo nazismo e pelos nazistas, um apoio que não servia a Bolsonaro, a seu governo e a seu partido (se é que ele tinha um!).

Desde então, ninguém ouviu mais falar de Roberto Alvim. Acho que, se não me engano, nem mesmo nos teatrinhos apertados da vanguarda paulistana, onde pontificara. Podemos dizer que ele foi penalizado por um erro imperdoável. Um erro político, ligado à sua prática funcional; mas também um erro ideológico, que desrespeitou o pensamento de quem o havia nomeado.

O tempo passou. Agora, o governo Bolsonaro avança na direção de seu último ano de administração, um ano fatalmente perdido pela coincidência de novas eleições e de sua campanha pessoal para ser reconduzido. Mas já se passaram três anos de governo e, nesse tempo, foi possível refletir serenamente sobre o que ele fez pelo Brasil e ouvi-lo falar de suas ideias, agora indisfarçáveis. O presidente já pôs em prática essas ideias ou nos explicou o que queria, quando foi impedido de fazê-lo pelos homens da Lei e da Justiça.

 “Todo mundo tem que comprar um fuzil”, diz nosso presidente, que completa seu dogma: “o povo armado jamais será escravizado”. Só que essa é uma estratégia proposta, há uns 90 anos, exatamente com a mesma frase, por Benito Mussolini, o Hitler do fascismo italiano. Se a frase de Mussolini é repetida, anos depois, pelo próprio Bolsonaro, o injustiçado Roberto Alvim tem todo o direito de protestar. E se os discursos de Goebbels e Mussolini são o que serve, o presidente deve estar se armando para combater a democracia, que é no que a maioria da população brasileira acredita e o que quer para o país. É uma piada de muito mau gosto, que fica clara no que Bolsonaro diz a seguir: “Eu sei que fuzil custa caro. Aí tem um idiota que me diz: ‘Ah, você tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”. Pois eu voto no feijão.

 

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