O Globo
Se discursos de Goebbels e Mussolini são o
que serve, o presidente deve estar se armando para combater a democracia
No primeiro ano do atual governo, Roberto
Alvim era secretário de Cultura num ministério estranho, não me recordo se o de
Cidadania, Turismo ou o Não-tem-outro-fica-aí-mesmo. Homem de teatro, Alvim
teve então que fazer um discurso solitário e bem ensaiado, não sei mais para
que evento. Resumindo, Roberto Alvim teve a infeliz ideia de repetir um
discurso do nazista Joseph Goebbels, compadre e amigo pessoal de Adolf Hitler,
além de responsável pela Propaganda no governo deste. Alvim também mandou
passar, no fundo do que dizia, um trecho de Wagner, acordes que Hitler (e o
próprio Goebbels) mandava tocar nos encontros políticos do Partido Nazista.
Ninguém notaria a referência, se alguém não a percebesse e a denunciasse publicamente. Ainda estávamos no início do novo governo, ninguém imaginava até onde eram capazes de ir os novos líderes democraticamente eleitos para responder e irritar a oposição, esse ninho de esquerdistas exagerados e teatrais. (Perdão, teatrais não; teatral era, por natureza e justiça, o próprio secretário de Cultura). Trocando em miúdos, o presidente usou um protesto de organizações judaicas e acabou com a brincadeira.
Organizações judaicas teriam afirmado ser
inaceitável um alto funcionário do governo brasileiro fazer um discurso de
trabalho inspirado em Goebbels e, ainda por cima, com Wagner de fundo musical.
E o Holocausto, como é que fica? Como é que ficam os seis milhões de judeus
assassinados pelos nazistas, durante a Guerra e a administração de Adolf
Hitler? Num beco sem saída, Bolsonaro usou um desculpe-qualquer-coisa e demitiu
o orador. Roberto Alvim deixava a secretaria de Cultura, formalmente afastado
pelo chefe, porque entregara sua admiração pelo nazismo e pelos nazistas, um
apoio que não servia a Bolsonaro, a seu governo e a seu partido (se é que ele
tinha um!).
Desde então, ninguém ouviu mais falar de
Roberto Alvim. Acho que, se não me engano, nem mesmo nos teatrinhos apertados
da vanguarda paulistana, onde pontificara. Podemos dizer que ele foi penalizado
por um erro imperdoável. Um erro político, ligado à sua prática funcional; mas
também um erro ideológico, que desrespeitou o pensamento de quem o havia
nomeado.
O tempo passou. Agora, o governo Bolsonaro
avança na direção de seu último ano de administração, um ano fatalmente perdido
pela coincidência de novas eleições e de sua campanha pessoal para ser
reconduzido. Mas já se passaram três anos de governo e, nesse tempo, foi
possível refletir serenamente sobre o que ele fez pelo Brasil e ouvi-lo falar
de suas ideias, agora indisfarçáveis. O presidente já pôs em prática essas
ideias ou nos explicou o que queria, quando foi impedido de fazê-lo pelos
homens da Lei e da Justiça.
“Todo
mundo tem que comprar um fuzil”, diz nosso presidente, que completa seu dogma:
“o povo armado jamais será escravizado”. Só que essa é uma estratégia proposta,
há uns 90 anos, exatamente com a mesma frase, por Benito Mussolini, o Hitler do
fascismo italiano. Se a frase de Mussolini é repetida, anos depois, pelo
próprio Bolsonaro, o injustiçado Roberto Alvim tem todo o direito de protestar.
E se os discursos de Goebbels e Mussolini são o que serve, o presidente deve
estar se armando para combater a democracia, que é no que a maioria da
população brasileira acredita e o que quer para o país. É uma piada de muito
mau gosto, que fica clara no que Bolsonaro diz a seguir: “Eu sei que fuzil
custa caro. Aí tem um idiota que me diz: ‘Ah, você tem que comprar é feijão’. Cara,
se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”. Pois eu
voto no feijão.
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