Correio Braziliense / Estado de Minas
No futuro, o presidente Jair Bolsonaro será
objeto de estudos de toda a ordem, inclusive de natureza psicológica. Seu papel
transgressor é incompatível com o cargo
A carta O Louco é a última do Tarô— a de
número 22—, mas também é considerada a carta 0 (zero), ou seja, pode ser o
início e/ou o fim do baralho. O Louco não tem numeração certa; como um coringa,
entra na linha da jogada e a interrompe, deixando tudo em suspenso e abrindo um
novo horizonte, completamente indefinido. Segundo os esotéricos, essa persona
não é nada ponderada, enfrenta os seus desafios sem planejar. No jogo de Tarô,
O Louco tanto pode ser considerado uma carta benéfica, porque revela a
necessidade de se arriscar, quanto também pode pôr tudo a perder, porque não
pondera seus atos nem avalia as circunstâncias. O Louco é sócio da imprudência,
da falta de paciência e das precipitações. Tudo a ver com o presidente Jair
Messias Bolsonaro.
A eleição do atual presidente da República foi uma cartada eleitoral do antipetismo exacerbado, de políticos, militares, servidores públicos, empresários e da classe média mais conservadora e empobrecida. As consequências agora estão aí: catástrofe sanitária, fracasso econômico, crise política, mais desigualdades sociais e um pogrom cultural. Mas também é um fenômeno antropológico, que precisa ser estudado para além das análises políticas e econômicas, porque sua existência tem a ver com a nossa cultura e as características mais profundas do nosso povo, com tradições de origens ibéricas medievais.
Nosso sebastianismo, por exemplo: a busca
de um salvador da pátria, inspirada em Dom Sebastião I, que desapareceu na
Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Sem herdeiros, a crise do trono levou
Portugal à perda da independência para a Espanha, com a União Ibérica, e ao nascimento
da lenda de que, numa manhã de nevoeiro, D. Sebastião voltaria à pátria para
libertá-la. As cartas de Tarô surgiram mais ou menos nessa época, entre os
séculos XV e XVI no norte da Itália, e foram criadas para um jogo praticado por
nobres e senhores das casas mais tradicionais da Europa continental. Hoje, são
muito usadas por esotéricos aqui no Brasil, para uso divinatórios, cujos
significados são derivados principalmente da Cabala, a vertente mística do
judaísmo.
Nossa memória coletiva ancestral pode ser
ativada por símbolos, que funcionam como ilustrações para os anseios da alma
humana, segundo o psicólogo Carl Gustav Jung, no estudo dos Arquétipos. O Tarô
é uma espécie de história em quadrinhos sobre os nossos dramas. O Louco do Tarô
é uma representação do “Louco Sagrado”, cujo estereótipo remonta à época do
Apóstolo Paulo, em Coríntios, ao conclamar seus seguidores a “serem loucos
por amor a Cristo”, como agora fazem o presidente Jair Bolsonaro e seus mais
fanáticos partidários.
Na Idade Média, a patética figura do
eremita tolo e indefeso, apesar de pouco inteligente, ganhou força popular
porque era moralmente virtuoso ou puro. O “Louco Sagrado” era uma representação
mítica de uma visão alternativa de mundo, como o Dom Quixote de Miguel de Cervantes,
no Renascimento; uma imagem que, depois, viria a ser muito recorrente nas
comédias de teatro, cinema e televisão, como as figuras de Carlitos, do genial
Carlos Chaplin, e os Três Patetas.
Messias
Foi a propósito do “patético” nos meios de comunicação de massa que o filósofo
alemão Theodor Adorno, em Mínima moralia (Editora Azougue), escreveu que tão
errado quanto crer na existência do “Louco Sagrado”, é imaginar que podemos
fazer qualquer julgamento baseados apenas na nossa razão, ou seja, de forma fria
e racional. Fazer julgamentos criteriosos, equilibrados, abandonando a emoção é
tão improvável quanto fazer um julgamento justo sem o uso da inteligência.
Segundo Adorno, “quando for eliminado o último traço de emoção de nosso
pensamento, não restará nada para pensarmos”.
Desde a década de 1990, neurologistas têm
mapeado o cérebro e conseguido demonstrar com exatidão os processos de razão,
de emoção e, consequentemente, o processo de decidir e julgar. Novos
equipamentos permitem conhecer com mais detalhes a dinâmica cerebral, tornando
possível mensurar a complementaridade entre as sensações e os raciocínios
lógicos, as duas faces daquilo que nos torna humanos. No futuro próximo, o
presidente Jair Bolsonaro será objeto de estudos de toda ordem, inclusive de
natureza psicológica. Seu papel transgressor é incompatível com a liturgia do
cargo que exerce e os parâmetros da Constituição de 1988, daí o isolamento
político a que chegou, em relação à maioria da opinião pública e ao
establishment nacional, que o apoiou em 2018.
Entretanto, o seu carisma e caneta cheia de
tinta, em razão da Presidência, demonstram poder capaz de gerar grandes
incertezas sobre o futuro, como O Louco do Tarô. O presidente da República
encarna para certos segmentos da população o Louco Sagrado indispensável aos
movimentos messiânicos. É como se tivéssemos uma espécie de Antônio
Conselheiro, o líder de Canudos, na Presidência da República. As manifestações
do dia 7 de setembro, não se fala de outra coisa, servirão de parâmetros de
adesão a essa distopia que estamos vivendo. Seus fanáticos seguidores estão
levando muito a sério o Messias de seu nome.
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