Saberemos, em três dias, se o 7 de setembro
desse ano será dia de batalha decisiva, ou se será de mais uma, rumo ao assalto
ao nosso Capitólio ou à desmoralização dos assaltantes. Mas desde já sabemos
que haverá batalha, não apenas porque o palácio trabalha nisso obstinadamente,
mas também porque não falta, na oposição, quem a queira travar na hora e lugar
escolhidos pelo adversário, mesmo sabendo que tipo de armas ele se dispõe a
usar.
Paciência! Imprudentes fazem parte de qualquer conjuntura crítica e seu voluntarismo, embora aumente os perigos, não deve nublar a visão geral do processo, que segue seu compasso. Inexoravelmente, chegará a hora do basta, o ponto G da cidadania reencontrando o seu país. Ele, o processo, mostra que Bolsonaro perde o jogo na política. Está difícil ao incumbente reverter a situação dentro das regras. Sua rejeição não parece reversível a ponto de voltar a ser candidato competitivo numa eleição presidencial em dois turnos. Mas ainda não podemos afirmar que Bolsonaro ficará fora do segundo turno. Essa é a tendência, mas até se tornar realidade há muita política por fazer.
Bolsonaro previamente eliminado da
competição, seja por cometer subversão das regras, seja por não conseguir
classificação, é um horizonte institucionalmente tranquilizador. Sua presença
no segundo turno é risco dobrado para a República e para a Democracia. No
primeiro turno, eleições concomitantes para o Congresso introduzem uma
complexidade que, de certa forma, é aliada de alguma moderação. Bolsonaro não
poderá ignorar totalmente as eleições parlamentares. Arrisca-se a perder mais
rápido se tentar melar um jogo eleitoral que interessa a seus aliados também.
Mas chegando ao segundo turno, ainda que sem chance de vencer (ou talvez
justamente por isso), restaria o embate direto com o presidenciável adversário
e com governadores inimigos. Aí sim, cessaria qualquer limite.
Virtualmente derrotado pelos dedos
inclementes dos eleitores, não terá motivo para adiar o confronto final para
depois das eleições, como tentou Trump. Com outras armas que não urnas, ele já
o prepara como se fosse acontecer agora.
É com essa contingência que democratas
devem se preocupar, para ela devem se preparar. O ideal seria que tirar
Bolsonaro do segundo turno fosse uma preocupação de todos eles. Mas, como
sabemos, o ideal não existe, por definição. Para a esquerda petista, o melhor é
Bolsonaro chegar ao segundo turno ensanguentado pela rejeição para levar uma
surra eleitoral histórica. Com ela, a extrema-direita seria exorcizada e a
esquerda redimida de seus próprios pecados. Mas como exorcismo e pecado não são
figuras apropriadas à política, essas não são expectativas realistas. A
primeira menos ainda, pois, mesmo que o eleitorado promova a suposta remissão,
é, no mínimo, duvidoso que uma derrota acachapante tire o bolsonarismo da cena
pública. É previsível que se consolide como movimento subversivo, que não ganha
eleição, mas é capaz de promover desordem.
Desse modo, o acordo possível entre
democratas de direita, centro e esquerda é o de não agressão mútua. Mas tirar
Bolsonaro do segundo turno é missão precípua dos partidos do centro político,
de boa parte do centrão e dos que já são (ou ainda serão) ex-aliados de
Bolsonaro dispostos a consertarem o erro de 2018. Para evitar mal-entendido
esclareço: erro cometido no primeiro turno - quando essas forças se
dispersaram, em atenção aos seus próprios umbigos, em vez de se unirem para
falarem ao país - e não no segundo turno, quando a Inês já era morta.
Há sinais de que essa agregação é hoje mais
possível do que era há semanas atrás. Com variações, a depender do instituto de
pesquisa, a soma de intenções de voto em pré-candidatos do centro já pode mirar
a marca de Bolsonaro e torna mais remota a hipótese de vitória de Lula no
primeiro turno. Para não se prender a quantitativos a mais de um ano da
eleição, a análise deve reparar no sentido geral dos movimentos dos vários
atores políticos no plano das articulações, que é o sentido da unidade interna
ao campo. Mas ainda é um desafio o alargamento dessa ideia a ponto de
sensibilizar o eleitorado. A entrada do presidente do Senado no rol das
cogitações e sua pontuação em pesquisas, ombreado aos demais nomes postos bem
antes do dele, indicam que não existe apenas um, mas pelo menos dois espaços de
passagem à atitude unitária e a um discurso pacificador.
O primeiro espaço é oposicionista, de atores
que lutam em seus partidos para cercarem o governo, não lhe darem passagem,
contestando-o a partir de fora. Quem mais tem perseverado nesse caminho é o
ex-ministro Mandetta. Há outros nomes no dito centro, até mais expostos que o
dele. Mas não é missão fácil convencer que Ciro Gomes, ou João Dória, possam se
conduzir fluentemente como pombas, perante os eleitores.
O outro espaço ao discurso pacificador
começa dentro do campo governista e anexa, à sua identidade, a etiqueta de
terceira via, que é apelo antigo do espaço oposicionista de centro. Nas últimas
semanas o alargamento desse segundo espaço tem se mostrado mais plausível, pelo
estilo e sentido dos movimentos de Rodrigo Pacheco e, também, porque os
desacordos entre o PIB e o governo começam a passar do sussurro à fala sem,
contudo, mostrarem inclinação ao grito. Assim, o ponto de equilíbrio do
discurso tende a ser morno e reforçar, em atores e partidos, uma atitude mais
conservadora, ao talhe de Pacheco.
Enquanto isso a impaciência assola o bolsonarismo
e o faz atuar para elevar muito a temperatura política exortando seguidores a
acertos de contas análogos a um juízo final. Em que exemplos da História se
miram? A que momento da trajetória desejam retroceder? Diz-se que ao regime
militar de 1964, mas quando se olha para lá vê-se autocracia cerceadora das
instituições políticas e da sociedade civil combinada à construção
institucional de instâncias gerenciais do Estado. Recuemos à ditadura do Estado
Novo, à oligarquia da nossa Primeira República ou à elite construtora do Estado
Nacional durante a monarquia. Não vemos nada que se assemelhe à dinamite ora em
uso por essa estupidez bolsonarista. Ignorância inédita, em sua vulgaridade e
boçalidade. É como se filtros civilizatórios estivessem sempre presentes em
nossa história política e nos protegessem desse tipo de apocalipse.
Que o dia 7 passe em paz, com um grito de
independência contra as pulsões de morte. Sem nada de dia D, nem de hora H. Nas
eleições, a nação encontrará o seu ponto G
*Cientista político e professor da UFBa
Nenhum comentário:
Postar um comentário