O Estado de S. Paulo
A visão pessimista se agravou muito nas
últimas duas semanas
Em meu último artigo neste espaço (Fogo no parquinho, 20/08) escrevi
“...que o mercado virou e o pessimismo agora impera em marcante contraste com o
entusiasmo demonstrado entre janeiro e maio”.
Naquele instante, não imaginava que essas observações seriam completamente validadas nestas curtas duas semanas.
Em primeiro lugar, uma sucessão de impasses
fez com que o Executivo enviasse ao Congresso uma
proposta de Orçamento para 2022
completamente fantasiosa. Ela supõe que os R$ 90 bilhões de precatórios seriam
pagos integralmente, sem nenhuma previsão para o novo Bolsa Família e com parâmetros básicos
totalmente irrealistas. O PIB é projetado
crescer 2,51%, e a inflação prevista é de 3,5%. De lá para cá, pouca coisa
andou com relação à solução para o caso dos precatórios. E também não sabemos
qual será a reforma do Imposto de Renda que, finalmente, será aprovada pelo
Congresso. Aqui não existe solução boa.
Em segundo lugar, o governo finalmente se rendeu à questão hídrica e anunciou a criação de uma nova bandeira tarifária (que poderia ser batizada de roxinha). Ela elevará substancialmente as contas de energia, pois o adicional passou de R$ 9,492 a cada 100 kWh consumidos para R$ 14,20, uma alta de quase 50%, de 1.º de setembro até o final de abril do próximo ano. Ao contrário do que pensa o ministro da Economia, esse adicional vai pesar muito no orçamento de grande parte das famílias brasileiras.
Como a chuva é prevista continuar abaixo da
média até dezembro, o risco de apagões se mantém bastante elevado. Dependendo
do que ocorrer no verão, poderemos continuar a ter uma situação difícil no
setor de energia em 2022.
Como consequência do maior custo da luz,
assistimos a uma generalizada revisão para cima nas projeções de inflação para
o ano corrente, que agora estão na faixa de 7,8%/8,2%. É indispensável lembrar
que, atualmente, mais de 70% dos grupos de preços têm sofrido elevações, ou
seja, o fenômeno se espalhou de forma muito perigosa. Para 2022, as projeções
estão se consolidando num patamar acima de 4%, significativamente maior do que
a meta oficial de 3,5%.
Naturalmente, as expectativas de elevação
da taxa Selic também subiram, o que
irá consolidar uma robusta alta do custo do crédito para pessoas e
empresas.
Finalmente, tivemos nesta semana a
divulgação dos resultados do PIB do segundo trimestre e, como tem sido
recorrente, uma nova decepção. A queda de 0,1% em relação ao primeiro trimestre
não era esperada. Isto decorreu, do lado da oferta, por quedas na agropecuária
(-2,8%) e na indústria de transformação (2,2%). Os serviços subiram 0,7%. Do
lado da demanda, o consumo estável decepcionou, e houve queda do investimento.
As exportações continuaram brilhando.
A queda na produção industrial em julho,
divulgada um dia depois, apenas confirmou que caminhamos mesmo para uma
desaceleração da atividade. Uma onda de revisões passou a ocorrer, e as
previsões do PIB para este ano foram sendo reduzidas na direção de 5% e as do
ano que vem, em torno de 1,5%. Mantemos nossa projeção de 4,7%, para 2021, e de
1,4% em 2022
Voltaremos mesmo à mediocridade dos últimos
anos.
* * * * *
A questão da água é cada vez mais um
problema extremamente sério. Mencionamos aqui pelo menos quatro questões. Em
primeiro lugar, a gestão do uso múltiplo da água, dos rios e dos reservatórios,
especialmente nos crescentes conflitos entre a gestão da oferta da energia, o
consumo humano e usos econômicos.
No caso atual, esses conflitos estão
evidentes nas decisões concernentes à vazão dos rios São Francisco e naqueles
que formam a Bacia do Paraná. Mais ainda, como tem sido apontado pelos
técnicos, há mais de 20 anos uma revisão realista da verdadeira capacidade de
geração de energia hidrelétrica tem de ser feita.
Isso nos remete à observação que,
simultaneamente, muitos rios brasileiros estão definhando, como é o caso do
próprio São Francisco. Um esforço muito maior na preservação de mananciais e
matas ciliares é urgente e indispensável.
Em terceiro lugar, é preciso enfrentar o
entrelaçamento entre as queimadas da Amazônia e seu impacto no volume de
umidade que desce do Norte nos chamados “rios voadores”, como demonstra Carlos
Nobre.
E, finalmente, temos de avançar ainda mais
na estratégia de redução da utilização de água em todos os processos
produtivos.
*Economista e sócio da MB Associados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário