Folha de S. Paulo / O Globo
A recente dissidência mineira expõe a alma
do sindicalismo patronal criado no século passado
A valorosa Federação das Indústrias de
Minas Gerais (Fiemg) dissociou-se das manifestações de empresários e banqueiros
em defesa da democracia com um “Manifesto pela Liberdade”, condenando a
“exacerbação” do Supremo Tribunal Federal. Dias depois, ela foi humilhada pela
divulgação de outro manifesto, de empresários reconhecidamente estabelecidos.
Democracia é assim mesmo, um diz uma coisa,
outro diz outra. Cada manifestação de algumas figuras do andar de cima mineiro
reflete um estado de espírito típico da época. Em 1943, saiu de Minas Gerais um
manifesto contra o Estado Novo que custou cargos a alguns de seus signatários.
No século XVIII, era lá que se falava em “Liberdade ainda que tardia”.
A recente dissidência mineira expõe a alma
do sindicalismo patronal criado no século passado, quando o Sistema S passou a
sugar as folhas de pagamento das empresas, alimentando uma casta que apoia o
governo, seja ele qual for, alimentando boquinhas.
Minas Gerais já foi governada por tucanos e
petistas. O tucano Eduardo Azeredo, que governou o Estado de 1995 a 1999, foi
contratado pela Federação das Indústrias em 2015 por R$ 25 mil mensais para
assessorá-la em assuntos internacionais. Em 2018, ele foi para a cadeia, e o
contrato foi suspenso.
Azeredo era um quadro da tradicional família mineira. Em 2015, assumiu o governo de Minas Gerais o petista Fernando Pimentel. Podia-se imaginar que havia ocorrido uma mudança radical, pois Pimentel vinha da extrema esquerda, tendo ralado três anos de cadeia por sua participação na tentativa de sequestro de um diplomata americano em 1970.
A turma da Federação via mais longe. Entre
2009 e 2010, Pimentel recebeu R$ 1,5 milhão da mesma Fiemg, também por serviços
de consultoria. O ervanário que ela pagava a Pimentel excedia o que faturava o
general Brent Scowcroft dirigindo o escritório de consultoria do ex-secretário
de Estado americano Henry Kissinger. O general havia sido assessor para
assuntos de segurança nacional do presidente dos Estados Unidos.
No caso dos paganini feitos à firma de
Kissinger, o dinheiro saía das empresas. Com Azeredo e Pimentel, as boquinhas
saiam das burras do Sistema S. A Federação das Indústrias de Minas Gerais, como
as outras, é sustentada por dinheiro arrecadado compulsoriamente.
Quando Paulo Guedes sonhava com um governo
Bolsonaro capaz de fazer o que prometia, ele ameaçou “passar a faca” nas arcas
do Sistema S. Passaram-se quase três anos, e ele diz que “não adianta ficar
sentado chorando” porque a tarifa de energia subiu. Depois reclamou que
exploram suas falas tirando-as dos contextos.
Tem razão, o que vale é o contexto:
empregada não deve ir à Disney, filho de porteiro não deve entrar na faculdade,
a Federação das Indústrias de Minas Gerais apoia o governo e não adianta ficar
sentado, chorando.
Machado de Assis chega ao século XXI
Está nas livrarias “Código de Machado de
Assis” (Migalhas), de Miguel Matos. É uma visita à obra do maior escritor
brasileiro, ao seu tempo e ao mundo das leis. Com um bônus do século XXI, o
livro inclui 116 QR Codes que levam o leitor a uma imagem do texto da
publicação original de Machado. O Bruxo do Cosme Velho exultaria ao saber
disso.
Miguel Matos pesquisou milhares textos de
Machado, romances, contos e crônicas. Seu foco foi para a relação do escritor
com o mundo das leis, desde questões constitucionais até pequenos crimes do subúrbio
carioca. Ele achou 80 advogados e 23 desembargadores na ficção do romancista.
Como o “Código” resume romances, contos e
crônicas, dando sempre voz a Machado, lê-lo é um passeio pelo Rio do final do
século XIX e início do XX. Algumas questões como a violência da cidade, os
presentes para juízes, o sistema eleitoral e a ruína das cadeias estão aí até
hoje. Em 1864, ele reclamava: “Fidélis já está preso há mais tempo, talvez, do
que lhe cumpriria no máximo da pena. Não para aqui: a cadeia é imunda; Fidélis
entrara para lá de perfeita saúde, mas quando saiu para o tribunal era outro,
tão mudado se achava!”
Ler Machado de Assis é um bálsamo. Quem o
faz, mesmo que por poucas horas, escreve melhor já no dia seguinte.
Machado teve um dos pés em cada andar da
sociedade brasileira. Em 1861, ele ironizava a mania de condecorações. Anos
depois, ganhou a Ordem da Rosa. Aos 28 anos, em 1867, orgulhava-se: “Não
frequento o Paço”. Em 1870, lá estava, cumprimentando D. Pedro II.
Com toda sua grandeza, Machado de Assis
deixou duas misteriosas migalhas. Miguel Matos enfrenta a primeira. Capitu
traiu Bentinho com Escobar? Ele explica: “Não vamos nos imiscuir no julgamento
alheio. Mas que ela traiu, traiu.
Não querendo se imiscuir na charada da vida
real contida no conto Dom Casmurro, Miguel passa longe da suspeita levantada
pelo escritor Humberto de Campos e do murmúrio centenário que acompanha
Machado. Capitu traiu Bentinho e a história teria algo de autobiográfica. (Como
muita coisa na obra do Bruxo). Machado teria sido o pai de Mario, o filho do
romancista José de Alencar com a inglesinha Georgiana Cochrane.
Bolsonaro moderado
De uma víbora:
“Eu sei quando Jair Bolsonaro ficará
moderado. No dia seguinte à moderação do Talibã”.
Um novo Brasil
Bolsonaro não conseguiu cumprir sua
promessa de acabar com o ativismo no Brasil.
Mesmo assim, inovou-o.
Antes dele, o andar de cima só fazia
manifestos a favor do governo.
Vai trabalhar, cultureca
Falta um ano para o Bicentenário da
Independência e o pelotão cultural palaciano de Bolsonaro já começou a implicar
com a reinauguração do Museu do Ipiranga.
O museu decaiu e acabou fechado porque foi
mal cuidado por administrações paulistas. Em 2019, entidades públicas e
empresas privadas bancaram o projeto que permitiria sua reabertura, marcada
para 2022.
Trabalhou-se e ele ficará pronto para o
Bicentenário.
Em 1972, nos festejos do Sesquicentenário,
noves fora as patriotadas com os ossos de D. Pedro I, o governo do general
Médici tomou diversas iniciativas culturais, sobretudo na área editorial.
Se o governo de Bolsonaro começar a
trabalhar amanhã, poderá botar mercadoria na vitrine. Encrencar com o trabalho
feito no Ipiranga é apenas gritaria a serviço do ócio. Deveriam encrencar ao
som de Maria Moita:
“Vou pedir ao meu babalorixá
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra pôr pra trabalhar gente que nunca
trabalhou.”
Cantinflas em Brasília
Abundam em Brasília as queixas de pessoas
que combinaram uma coisa com gente da ekipekonômika e viram-se feitas de bobos.
A eles vai a uma cena de um filme do ator
mexicano Cantinflas:
Antes de começar uma partida de dominó, ele
perguntou aos parceiros:
“Señores, vamos a pelear como caballeros, o
como lo que somos?”
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