domingo, 5 de setembro de 2021

Elio Gaspari - O triste sindicalismo patronal

Folha de S. Paulo / O Globo

A recente dissidência mineira expõe a alma do sindicalismo patronal criado no século passado

A valorosa Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) dissociou-se das manifestações de empresários e banqueiros em defesa da democracia com um “Manifesto pela Liberdade”, condenando a “exacerbação” do Supremo Tribunal Federal. Dias depois, ela foi humilhada pela divulgação de outro manifesto, de empresários reconhecidamente estabelecidos.

Democracia é assim mesmo, um diz uma coisa, outro diz outra. Cada manifestação de algumas figuras do andar de cima mineiro reflete um estado de espírito típico da época. Em 1943, saiu de Minas Gerais um manifesto contra o Estado Novo que custou cargos a alguns de seus signatários. No século XVIII, era lá que se falava em “Liberdade ainda que tardia”.

A recente dissidência mineira expõe a alma do sindicalismo patronal criado no século passado, quando o Sistema S passou a sugar as folhas de pagamento das empresas, alimentando uma casta que apoia o governo, seja ele qual for, alimentando boquinhas.

Minas Gerais já foi governada por tucanos e petistas. O tucano Eduardo Azeredo, que governou o Estado de 1995 a 1999, foi contratado pela Federação das Indústrias em 2015 por R$ 25 mil mensais para assessorá-la em assuntos internacionais. Em 2018, ele foi para a cadeia, e o contrato foi suspenso.

Azeredo era um quadro da tradicional família mineira. Em 2015, assumiu o governo de Minas Gerais o petista Fernando Pimentel. Podia-se imaginar que havia ocorrido uma mudança radical, pois Pimentel vinha da extrema esquerda, tendo ralado três anos de cadeia por sua participação na tentativa de sequestro de um diplomata americano em 1970.

A turma da Federação via mais longe. Entre 2009 e 2010, Pimentel recebeu R$ 1,5 milhão da mesma Fiemg, também por serviços de consultoria. O ervanário que ela pagava a Pimentel excedia o que faturava o general Brent Scowcroft dirigindo o escritório de consultoria do ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger. O general havia sido assessor para assuntos de segurança nacional do presidente dos Estados Unidos.

No caso dos paganini feitos à firma de Kissinger, o dinheiro saía das empresas. Com Azeredo e Pimentel, as boquinhas saiam das burras do Sistema S. A Federação das Indústrias de Minas Gerais, como as outras, é sustentada por dinheiro arrecadado compulsoriamente.

Quando Paulo Guedes sonhava com um governo Bolsonaro capaz de fazer o que prometia, ele ameaçou “passar a faca” nas arcas do Sistema S. Passaram-se quase três anos, e ele diz que “não adianta ficar sentado chorando” porque a tarifa de energia subiu. Depois reclamou que exploram suas falas tirando-as dos contextos.

Tem razão, o que vale é o contexto: empregada não deve ir à Disney, filho de porteiro não deve entrar na faculdade, a Federação das Indústrias de Minas Gerais apoia o governo e não adianta ficar sentado, chorando.

Machado de Assis chega ao século XXI

Está nas livrarias “Código de Machado de Assis” (Migalhas), de Miguel Matos. É uma visita à obra do maior escritor brasileiro, ao seu tempo e ao mundo das leis. Com um bônus do século XXI, o livro inclui 116 QR Codes que levam o leitor a uma imagem do texto da publicação original de Machado. O Bruxo do Cosme Velho exultaria ao saber disso.

Miguel Matos pesquisou milhares textos de Machado, romances, contos e crônicas. Seu foco foi para a relação do escritor com o mundo das leis, desde questões constitucionais até pequenos crimes do subúrbio carioca. Ele achou 80 advogados e 23 desembargadores na ficção do romancista.

Como o “Código” resume romances, contos e crônicas, dando sempre voz a Machado, lê-lo é um passeio pelo Rio do final do século XIX e início do XX. Algumas questões como a violência da cidade, os presentes para juízes, o sistema eleitoral e a ruína das cadeias estão aí até hoje. Em 1864, ele reclamava: “Fidélis já está preso há mais tempo, talvez, do que lhe cumpriria no máximo da pena. Não para aqui: a cadeia é imunda; Fidélis entrara para lá de perfeita saúde, mas quando saiu para o tribunal era outro, tão mudado se achava!”

Ler Machado de Assis é um bálsamo. Quem o faz, mesmo que por poucas horas, escreve melhor já no dia seguinte.

Machado teve um dos pés em cada andar da sociedade brasileira. Em 1861, ele ironizava a mania de condecorações. Anos depois, ganhou a Ordem da Rosa. Aos 28 anos, em 1867, orgulhava-se: “Não frequento o Paço”. Em 1870, lá estava, cumprimentando D. Pedro II.

Com toda sua grandeza, Machado de Assis deixou duas misteriosas migalhas. Miguel Matos enfrenta a primeira. Capitu traiu Bentinho com Escobar? Ele explica: “Não vamos nos imiscuir no julgamento alheio. Mas que ela traiu, traiu.

Não querendo se imiscuir na charada da vida real contida no conto Dom Casmurro, Miguel passa longe da suspeita levantada pelo escritor Humberto de Campos e do murmúrio centenário que acompanha Machado. Capitu traiu Bentinho e a história teria algo de autobiográfica. (Como muita coisa na obra do Bruxo). Machado teria sido o pai de Mario, o filho do romancista José de Alencar com a inglesinha Georgiana Cochrane.

Bolsonaro moderado

De uma víbora:

“Eu sei quando Jair Bolsonaro ficará moderado. No dia seguinte à moderação do Talibã”.

Um novo Brasil

Bolsonaro não conseguiu cumprir sua promessa de acabar com o ativismo no Brasil.

Mesmo assim, inovou-o.

Antes dele, o andar de cima só fazia manifestos a favor do governo.

Vai trabalhar, cultureca

Falta um ano para o Bicentenário da Independência e o pelotão cultural palaciano de Bolsonaro já começou a implicar com a reinauguração do Museu do Ipiranga.

O museu decaiu e acabou fechado porque foi mal cuidado por administrações paulistas. Em 2019, entidades públicas e empresas privadas bancaram o projeto que permitiria sua reabertura, marcada para 2022.

Trabalhou-se e ele ficará pronto para o Bicentenário.

Em 1972, nos festejos do Sesquicentenário, noves fora as patriotadas com os ossos de D. Pedro I, o governo do general Médici tomou diversas iniciativas culturais, sobretudo na área editorial.

Se o governo de Bolsonaro começar a trabalhar amanhã, poderá botar mercadoria na vitrine. Encrencar com o trabalho feito no Ipiranga é apenas gritaria a serviço do ócio. Deveriam encrencar ao som de Maria Moita:

“Vou pedir ao meu babalorixá

Pra fazer uma oração pra Xangô

Pra pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou.”

Cantinflas em Brasília

Abundam em Brasília as queixas de pessoas que combinaram uma coisa com gente da ekipekonômika e viram-se feitas de bobos.

A eles vai a uma cena de um filme do ator mexicano Cantinflas:

Antes de começar uma partida de dominó, ele perguntou aos parceiros:

“Señores, vamos a pelear como caballeros, o como lo que somos?”

 

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