EDITORIAIS
O voto ou a queda
Folha de S. Paulo
Datafolha ajuda a explicar por que
Bolsonaro recuou da cavalgada autoritária
O presidente Jair Bolsonaro vislumbrou o
abismo da deposição e decidiu recuar. Essa hipótese, corrente para explicar os
acontecimentos da Semana da Pátria, ganhou solidez com os resultados do
Datafolha que foi a campo quatro dias depois da nota do chefe de Estado
colocando panos quentes nas declarações subversivas do feriado.
Indagados sobre se o impeachment deveria
ser a consequência caso o mandatário cumprisse a promessa, feita nos comícios,
de desobedecer a ordens do Supremo Tribunal Federal, 76% dos
brasileiros disseram que sim. O repúdio às ameaças autoritárias do
governante não poderia ser mais claro.
Metade dos entrevistados reconhece
possibilidades golpistas nas atitudes do presidente da República, mais um
indicador do zelo pelo patrimônio em que se converteu para a sociedade
brasileira a democracia —definida por 70% como a melhor forma de governo.
Esse conjunto de resultados ajuda a entender o beco sem saída em que se meteu Jair Bolsonaro não exatamente no 7 de Setembro, mas sobretudo quando o dia seguinte amanheceu com o rochedo da institucionalidade avultando-se impávido sobre o aventureiro boçal.
Uma parcela de lunáticos que acompanhou o
presidente em sua marcha sobre o nada acreditou que uma multidão, apoiada por
caminhoneiros arruaceiros, teria o condão de reverter a decisão do Congresso
pelo voto eletrônico, substituir juízes da corte constitucional e instalar uma
nova era no poder.
O sol nasceu no dia 8 com o presidente da
República diante de duas vias: ou honrava a sua palavra da véspera e encarava o
impeachment —como bem frisou o ministro Luiz Fux, ecoando a convicção de 3 em
cada 4 brasileiros—, ou se desmoralizava, trocando o dito pelo não dito, na
tentativa de sobrenadar. Agarrou-se à segunda opção.
Sob a Carta de 1988, a alternativa do
mandatário ao cumprimento da regra constitucional é a queda. Bolsonaro não está
obrigado a concorrer à reeleição, mas, se o fizer, irá se submeter ao processo
de votação e apuração eletrônico, sob a arbitragem neutra dos magistrados
legitimamente escolhidos para conduzir a Justiça Eleitoral.
Caso sobrepuje seus adversários em votos,
será empossado em 1º de janeiro de 2023 para novo mandato. Se perder, como hoje
indica o Datafolha, volta para casa. Nessa hipótese sairá derrotado, não morto
ou preso, do Palácio do Planalto.
O trabalho de reverter a impopularidade,
ademais para um presidente incapaz como Bolsonaro, não será fácil. Passa por
oferecer melhores condições de vida e de futuro à maioria dos brasileiros.
A miragem inebriada de que poderia haver um
atalho se desfez na ressaca cívica que se seguiu ao 7/9.
A tarefa de cada um
Folha de S. Paulo
Caberá à Câmara e ao Ministério Público dar
sequência a trabalho da CPI da Covid
De grão em grão, o avanço da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investiga as ações do governo Jair Bolsonaro no
enfrentamento da Covid-19 vai criando novos constrangimentos para o mandatário.
Na quarta (15), os senadores decidiram
convocar sua ex-mulher Ana Cristina Valle para depor, a fim de esclarecer
ligações detectadas entre ela e um lobista envolvido com empresa que tentou
vender vacinas ao Ministério da Saúde.
Ouvido pela CPI no mesmo dia, o advogado
Marconny Albernaz de Faria foi questionado sobre a amizade com Ana Cristina e
um dos filhos do presidente, Jair Renan, e sua atuação em favor da Precisa
Medicamentos, alvo de
buscas da polícia na sexta (17).
Seria apenas mais um dos atravessadores que
há meses consomem as energias da comissão, não fossem os riscos criados pela
sua proximidade com o atribulado círculo familiar do chefe do Executivo.
Ana Cristina é um dos alvos das
investigações sobre o esquema das rachadinhas, que assombram o presidente e
seus filhos, e também chamou atenção recentemente ao se mudar com o filho para
uma mansão em Brasília, cujo aluguel não se sabe como é pago.
Em outra frente, os senadores obtiveram
um dossiê
estarrecedor que acusa a operadora de planos de saúde Prevent
Senior de esconder do público a morte de sete pacientes tratados com
cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada que Bolsonaro promoveu.
A poucas semanas da data prevista para o
encerramento de suas atividades, é improvável que a CPI tenha condições de
esclarecer todos os indícios de desmandos com que se defrontou ao escrutinar as
relações do Ministério da Saúde com seus fornecedores.
Mas ela cumpriu um papel essencial com
esses esforços, dada a complacência com que o presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o procurador-geral da República, Augusto
Aras, tratam os desatinos de Bolsonaro.
A CPI já acumulou evidências suficientes
para demonstrar a negligência de Bolsonaro e seus auxiliares na gestão da crise
sanitária, e um grupo de juristas liderado pelo ex-ministro Miguel Reale Júnior
apontou crimes de responsabilidade cometidos pelo mandatário.
Ainda que conclua suas investigações
deixando mais pontas soltas do que seria desejável, a comissão aumentará a
pressão para que outras instituições encarregadas de fiscalizar o presidente se
mexam.
Desigualdade digital
O Estado de S. Paulo
É fundamental reduzir o enorme contingente de brasileiros excluídos da vida digital. O contrário significa aceitar que milhões vivam à margem da plena cidadania
A falta de acesso estável à internet é mais um reflexo da brutal
desigualdade socioeconômica que separa ricos e pobres no Brasil de uma forma
tão avassaladora que os faz parecer filhos de pátrias distintas.
Um estudo elaborado pela consultoria PwC, em parceria com o
Instituto Locomotiva, revelou que apenas 29% das pessoas acima de 16 anos no
País, cerca de 49,4 milhões de brasileiros, estão “plenamente conectadas” à
internet, o que significa ter acesso “a qualquer tempo” e não experimentar
problemas graves de instabilidade na conexão. No extremo oposto, há 33,9
milhões de pessoas, ou 20% da população, que nem sequer têm acesso à internet
para poder reclamar da qualidade da conexão. Entre eles, há os “subconectados”
(25% da população, ou 41,8 milhões de pessoas), que têm algum meio para acessar
a internet, mas se conectam de forma “intermitente”, e os “parcialmente
conectados” (26% da população, ou 44,8 milhões de pessoas), que se conectam à
internet durante “a maior parte do tempo” em um dispositivo de boa qualidade.
A chamada desigualdade digital é extremamente prejudicial para a
renda das famílias. O estudo da PwC e do Instituto Locomotiva revelou que, se
os mais pobres tivessem a mesma qualidade de acesso à internet que têm os mais
ricos, sua renda poderia dar um salto de 15,3%. Vale dizer, encurtar a
distância que os separa hoje significaria colocar em circulação mais de R$ 75
bilhões. Enquanto os “desconectados” têm renda média de R$ 1.413, os
“plenamente conectados” recebem R$ 3.530. Já os “subconectados” ganham, em
média, R$ 1.933. E os “parcialmente conectados”, R$ 2.229 mensais.
O quadro da desigualdade digital é particularmente agravado pela
pandemia de covid-19, tendo afetado, sobretudo, os mais jovens. Durante tempo
demasiado longo, as escolas permaneceram fechadas na maior parte do País, o que
obrigou alunos e professores a se adaptarem ao ensino remoto. Neste processo de
adaptação, além das dificuldades naturais impostas pela própria mudança dos
métodos pedagógicos, muitos alunos ficaram para trás porque simplesmente não
tinham meios para assistir às aulas online. Sabe-se, por diversos outros
estudos, que os níveis de educação também estão diretamente ligados à renda.
Diante desta dupla “punição” aos mais vulneráveis – risco sanitário e risco
socioeconômico –, há quem defenda, como faz a professora da London School of
Economics Ellen Helsper, que o acesso à internet seja considerado um “direito
fundamental”. “A pandemia mostrou que nem todos têm acesso igual às tecnologias
e que a internet não é um luxo, mas algo fundamental”, disse Helsper ao Estado.
Implementar políticas públicas que contornem este problema de
múltiplos desdobramentos, portanto, é fundamental. O Congresso fez sua parte,
ao aprovar no início deste ano um projeto de lei que destinou R$ 3,5 bilhões do
Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) aos Estados e
municípios a fim de que os entes subnacionais invistam no acesso à internet
para alunos e professores da rede pública de ensino. O presidente Jair
Bolsonaro vetou integralmente o projeto alegando que não havia “espaço no
Orçamento” para o gasto. Sabe-se muito bem que, quando se trata de assuntos de
seu interesse, Bolsonaro não deixa faltar recursos orçamentários por falta de
“espaço”. Em boa hora, o veto presidencial foi derrubado tanto pela Câmara (419
votos a 14) como pelo Senado (69 votos a zero).
Não é exagero dizer que o exercício da cidadania se dá em boa
medida por meio do acesso à internet. “Na prática, a digitalização (da vida) é o novo
português, e (sem garantir acesso à
internet) estaremos excluindo diversas pessoas se nada for feito”,
disse Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Fica evidente, conforme o estudo da PwC e do Locomotiva, que a
inclusão digital tem relação direta com a renda dos indivíduos. Outros estudos
também já mostraram que é estreita a ligação entre conectividade e níveis de
educação. É fundamental, portanto, reduzir o enorme contingente de brasileiros
excluídos da vida digital. O contrário significa aceitar que milhões vivam à
margem da plena cidadania.
Um improviso desastroso
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro decide ampliar a ajuda social sem ter estudado de onde tirar o dinheiro
Incapaz de planejar e de administrar, o presidente Jair Bolsonaro
recorreu mais uma vez a um improviso infeliz, determinando um aumento do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para cobrir a ampliação do Bolsa
Família. Ao encarecer o crédito, já pressionado pela alta dos juros básicos,
ele cria mais um entrave à recuperação da economia e do emprego. O programa
ampliado, uma evidente bandeira eleitoral, deve entrar em vigor em novembro,
provavelmente rebatizado como Auxílio Brasil. O ganho de receita previsto com a
elevação do imposto é estimado em R$ 2,14 bilhões, uma sangria inoportuna e
desnecessária.
O Tesouro gasta muito mais que esse valor com a distribuição de
benefícios a políticos do Centrão, em troca de apoio parlamentar ao presidente
da República. Com o orçamento secreto criado neste ano, o esquema de emendas do
relator facilitou a liberação de cerca de R$ 3 bilhões a esses apoiadores. Foi
essa a origem do chamado “tratoraço”, dinheiro aplicado, segundo a
Controladoria-Geral da União, em equipamentos superfaturados. Os benefícios
previstos para o próximo ano poderão ser bem maiores, principalmente por meio
do fundo eleitoral.
Sem se dispor seriamente a podar esses benefícios, o presidente
prefere recorrer a outros meios, como o aumento do IOF, para financiar seus
esforços eleitoreiros. No próximo ano o dinheiro para o novo Bolsa Família
poderá ser garantido pela chamada reforma do Imposto de Renda. Já aprovada na
Câmara dos Deputados, essa reforma, muito polêmica, deve ainda ser votada no
Senado, onde há resistências ao projeto.
O Bolsa Família tem sido um importante canal de transferência de
renda aos mais pobres. Tendo mostrado desprezo, por muito tempo, a esse tipo de
programa, Jair Bolsonaro mudou de atitude, quando começou a encarar o auxílio
aos pobres como alavanca eleitoral. Sua percepção pode ter começado a mudar no
ano passado, mas de forma lenta. O auxílio emergencial foi reduzido, em 2020, a
partir de setembro. Com sua suspensão, entre janeiro e março, milhões ficaram
sujeitos à fome. A ajuda recomeçou em abril, mas num quadro de alto desemprego,
condição pouco alterada nos últimos meses.
De jogada em jogada, o presidente vai tentando cuidar da
reeleição, mas sem planejamento e sem assumir, de fato, as funções
administrativas. As perspectivas financeiras do poder central permanecem
obscuras, porque também a equipe econômica tem falhado na definição de roteiros
e de etapas para seu trabalho. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta
adiar o pagamento de parte dos precatórios, uma despesa de R$ 89,1 bilhões por
ele descrita como um meteoro inesperado. Além disso, ninguém sabe como estará o
projeto orçamentário quando os congressistas o aprovarem. Não haverá surpresa
se o Executivo entrar em 2022 sem Orçamento aprovado ou com uma programação
financeira estraçalhada no Parlamento.
Com alguma segurança, pode-se apostar, por enquanto, nos efeitos
danosos do aumento do IOF, previsto para valer até o fim deste ano. As
condições de crédito já têm piorado. Para deter a inflação, agravada pela
irresponsabilidade do presidente Bolsonaro, o Banco Central tem elevado e deve
continuar elevando os juros básicos. As incertezas criadas em Brasília também
provocam temores no mercado e empurram para cima o custo do dinheiro. A isso se
acrescentará, a partir de agora, o aumento de imposto determinado por
Bolsonaro.
Esse aumento ocorre quando as pequenas empresas já enfrentam
enormes dificuldades e os consumidores já fazem malabarismos para cuidar de
suas dívidas. Em agosto, 72,9% das famílias estavam endividadas, segundo
levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Esse número, um
recorde, é bem maior que o de um ano antes, 67,5%. A parcela de inadimplentes
diminuiu ligeiramente nesse período, de 26,7% para 25,6%, mas continuou muito
grande. Ainda em agosto, 10,7% das famílias informaram ser incapazes de pagar
suas dívidas. Se alguém tivesse contado esses fatos ao presidente, isso teria
feito alguma diferença?
Déficit de credibilidade
O Estado de S. Paulo
Política muito tensa e Orçamento incerto elevam insegurança dos investidores
Incerteza política, insegurança econômica e um Orçamento sujeito a
muita barganha e muita mudança emperram os cálculos, quando se tenta prever
como ficarão as contas do governo e a dívida pública no próximo ano. Inflação
acelerada, câmbio instável e tensão permanente em Brasília tornam opaco o
cenário, embora a equipe econômica prometa conter gastos e impor disciplina às
finanças federais. Se as promessas e previsões oficiais se confirmarem, as
despesas do poder central serão reduzidas a 17,5% do Produto Interno Bruto
(PIB) em 2022, proporção inferior à estimada para 2021 (19%) e àquela alcançada
em 2018 (19,3%), final do mandato presidencial anterior. Enquanto o ministro
Paulo Guedes insiste em apresentar esse quadro, sobem os juros futuros e cresce
o temor de um ano muito difícil.
Para entregar o resultado fiscal prometido, a equipe econômica
dependerá de muito vento a favor. Crescimento econômico de 2,51%, inflação
oficial de 3,5% e juros básicos de 6,63% são condições previstas no projeto de
Orçamento enviado ao Congresso. Nenhuma dessas condições está no horizonte do
mercado. O PIB crescerá 1,72% em 2022, segundo projeção citada no boletim Focus do Banco
Central (BC). O boletim aponta inflação de 4,03% e juros básicos de 8% entre o
fim deste ano e o do próximo.
Expectativas bem piores já foram anunciadas por alguns dos maiores
bancos e algumas das consultorias de maior peso. Essas instituições já baixaram
para menos de 1% – e até para 0,5% e 0,4% – a expansão econômica estimada para
2022. Além disso, juros acima de 8% entraram no quadro das possibilidades,
quando o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reforçou o compromisso de fazer
o necessário para conduzir a inflação à meta, fixada em 3,5% para o próximo ano
e em 3,25% para o seguinte. Isso pode resultar em juros próximos de 9%.
Dinheiro bem mais caro pode frear a alta de preços, se nenhum
desastre intensificar as pressões inflacionárias, e pode contribuir também para
a acomodação do câmbio. Mas crédito caro tende a atrapalhar os negócios, o
crescimento econômico e a criação de empregos. Além disso, juros mais altos
complicam a captação de recursos pelo Tesouro, encarecem a dívida pública e
dificultam o controle do endividamento.
A saúde das contas públicas e a capacidade do Tesouro de liquidar
seus compromissos são acompanhadas com atenção dentro e fora do País. Além
disso, o endividamento do setor público brasileiro chama a atenção por ser
proporcionalmente bem maior que o da maior parte dos outros emergentes. Segundo
o BC, a dívida bruta do governo geral, onde se incluem os três níveis da
administração mais a Previdência, passou de 88,8% do PIB em dezembro de 2020
para 83,8% em junho. Mas vários fatores podem frear e até inverter essa
tendência. A escalada dos juros e a redução do crescimento econômico são alguns
dos mais visíveis.
Além disso, a redução do endividamento em relação ao PIB em nada
melhora a imagem do Brasil, quando se passa às comparações internacionais.
Pelos critérios contábeis seguidos internacionalmente, a dívida brasileira
passou de 91% do PIB no segundo trimestre de 2020 para 91,9% no segundo de
2021. No mesmo intervalo, o endividamento médio dos emergentes subiu de 60%
para 62,4% do PIB. A diferença de quase 30 pontos em relação ao caso brasileiro
certamente chama a atenção dos analistas e dos investidores.
As diferenças também são muito grandes quando as comparações
envolvem regiões diferentes. Na Europa emergente, por exemplo, a relação
dívida/PIB aumentou de 34,9% para 36,9% nesse período. Na América Latina, a
média recuou de 72,5% para 66,5%. Na África e no Oriente Médio houve piora, de
49% para 54,5%. Na Ásia, o indicador cresceu de 62,9% para 66,7%.
O Brasil aparece mal nas comparações com todos esses conjuntos de países. Mas o grau de endividamento é muito menos importante, na avaliação dos investidores e financiadores, do que a credibilidade dos governos. Nesse quesito, como ficaria um governo que é chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro?
Bolsonaro tem chance de reparar imagem do Brasil
O Globo
Na terça-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro
abrir a sessão anual da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
os olhos do mundo se voltarão momentaneamente para o Brasil. O que verão
provavelmente não será agradável. Desgraçadamente, a profecia do ex-ministro
das Relações Exteriores bolsonarista Ernesto Araújo vai se confirmando. Quando
ainda tinha lugar na Esplanada em 2020, Araújo declarou que, se a atuação do
país “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.
Na semana passada, a alta comissária da ONU para os
Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, citou o Brasil na
lista dos países que a preocupam. Dois dias depois, a ONG Human Rights Watch
emitiu comunicado dizendo que Bolsonaro põe em risco os pilares da democracia
brasileira com campanhas de intimidação do Supremo Tribunal Federal (STF) e
ameaças às eleições em 2022. Para não falar nos juristas que pretendem
encaminhar ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, as denúncias
contra Bolsonaro apuradas pela CPI da Covid. O mundo, que já enxerga Bolsonaro
como um “piromaníaco” a queimar a Floresta Amazônica, passa aos poucos a vê-lo
também como “tirano genocida”.
Em 2019, Bachelet já mencionara o “encolhimento do
espaço cívico e democrático” no Brasil. Desta vez citou como alvo de sua
aflição a situação dos povos indígenas e o projeto do governo para a nova lei
antiterrorismo. “No Brasil, estou preocupada com os ataques recentes contra
integrantes dos povos ianomâmis e mundurucus por garimpeiros ilegais na
Amazônia”, disse.
Também fez apelos para que o Brasil não se retire da
Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Vigente no
Brasil desde 2004, essa “convenção indígena” trata dos direitos dos povos
originários, como autodeterminação e proteção de seus territórios. Um Projeto
de Decreto Legislativo em tramitação no Congresso autoriza Bolsonaro a
“denunciar” a convenção e retirar o país.
Ela ressaltou, por fim, o perigo que correm as
liberdades individuais no país. “Meu órgão também está preocupado com a nova
proposta de legislação antiterrorista no Brasil, que inclui disposições
excessivamente vagas e amplas que apresentam riscos de abuso, particularmente
contra ativistas sociais e defensores dos direitos humanos”, disse em
referência ao projeto bolsonarista que tramita na Câmara.
Ao responder à crítica de Bachelet no ano passado,
Bolsonaro teve a desfaçatez de ofender o pai dela, general de brigada da Força
Aérea chilena que se opôs ao golpe de Augusto Pinochet, foi torturado e morto.
É essencial compreender que, ao contrário da esquerda brasileira, ela não tem
dado descanso às ditaduras esquerdistas. Seu relatório contra o regime de
Nicolás Maduro é devastador e deveria ser lido por todos aqueles que desejam
entender a situação real da Venezuela.
Faria bem Bolsonaro se decidisse, inspirado pela carta escrita com o ex-presidente Michel Temer, dar meia-volta também nos temas ligados a meio ambiente e direitos humanos. Se conseguir mostrar ao mundo seu lado “Jair Peace and Love”, talvez começasse a reverter os danos que seu governo causou ao país na cena internacional. É improvável que convencesse a todos, mas seria, pelo menos, um começo.
Capital de risco destinado a startups digitais bate recorde
O Globo
O ano de 2021 deverá ficar marcado pela consolidação do Brasil como integrante
ativo do movimento de inovação global. O melhor indicador disso é o total
captado em capital de risco pelas startups brasileiras. De janeiro a agosto, o
montante chegou a US$ 6,6 bilhões, mais de 80% do registrado em todo o ano
passado, segundo a plataforma de inovação Distrito. A previsão é que o capital
de risco investido nas startups brasileiras feche o ano entre US$ 8 bilhões e
US$ 10 bilhões.
Como ocorreu noutros países, no Brasil a pandemia
acabou fazendo o papel de um indutor acidental da digitalização. Aumentou a
demanda por serviços oferecidos por startups e, ao mesmo tempo, pressionou
companhias tradicionais a acelerar a inovação. Isso resultou também no
aquecimento do mercado de fusões e aquisições (a fase seguinte dos negócios
embrionários das startups).
O maior interesse de estrangeiros, favorecido pela
alta do dólar, também pesou. A MadeiraMadeira, varejista digital de produtos
para casa, recebeu em janeiro aporte de um fundo liderado pelo conglomerado
japonês SoftBank, chefiado por Masayoshi Son, maior investidor global em
startups. No Brasil há menos de três anos, o SoftBank já detém participações em
várias empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, conhecidas no ramo pelo
termo “unicórnios”. No ranking de países por número de unicórnios, o Brasil
aparece em oitavo lugar, ainda distante da Índia, terceira colocada depois dos
Estados Unidos e China, mas já colado em Israel e Coreia do Sul.
Por muito tempo, o setor de tecnologia brasileiro
era acusado de apenas copiar boas ideias executadas no exterior e
tropicalizá-las, prática vista com certo desdém. Originais ou não, essas
adaptações muitas vezes ajudaram o país a aumentar sua produtividade.
Recentemente o setor de tecnologia deu um salto ao
pensar em inovações para o Brasil e, a partir delas, ganhar mercados externos.
É o caso do banco digital Nubank ou da plataforma para controle de gestão de
negócios Pipefy.
O crescimento dos investimentos tende a gerar
benefícios em série. Com mais dinheiro, as startups aumentam as chances de
crescer e atraem melhores profissionais. Notícias de captações milionárias
motivam um número maior de empreendedores a identificar lacunas no mercado, a
pensar na criação de startups para explorá-las e a sair em busca de capital de
risco.
Na nova onda das startups, chama a atenção a
ausência da ação de lobbies em favor de linhas de crédito subsidiadas e de
proteção do mercado doméstico contra a competição internacional, tão comuns em
outros setores da economia brasileira. A receita é baseada em empreendedorismo,
inovação, capital de risco e competição. Boa parte das startups não sobreviverá
por muito tempo, mas isso faz parte do jogo. É o capitalismo do século XXI
vicejando no Brasil. Se essa efervescência já brota sob um governo incapaz e
condições econômicas inóspitas, dá para imaginar como seria o país com um
ambiente mais acolhedor para negócios.
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