domingo, 19 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O voto ou a queda

Folha de S. Paulo

Datafolha ajuda a explicar por que Bolsonaro recuou da cavalgada autoritária

O presidente Jair Bolsonaro vislumbrou o abismo da deposição e decidiu recuar. Essa hipótese, corrente para explicar os acontecimentos da Semana da Pátria, ganhou solidez com os resultados do Datafolha que foi a campo quatro dias depois da nota do chefe de Estado colocando panos quentes nas declarações subversivas do feriado.

Indagados sobre se o impeachment deveria ser a consequência caso o mandatário cumprisse a promessa, feita nos comícios, de desobedecer a ordens do Supremo Tribunal Federal, 76% dos brasileiros disseram que sim. O repúdio às ameaças autoritárias do governante não poderia ser mais claro.

Metade dos entrevistados reconhece possibilidades golpistas nas atitudes do presidente da República, mais um indicador do zelo pelo patrimônio em que se converteu para a sociedade brasileira a democracia —definida por 70% como a melhor forma de governo.

Esse conjunto de resultados ajuda a entender o beco sem saída em que se meteu Jair Bolsonaro não exatamente no 7 de Setembro, mas sobretudo quando o dia seguinte amanheceu com o rochedo da institucionalidade avultando-se impávido sobre o aventureiro boçal.

Uma parcela de lunáticos que acompanhou o presidente em sua marcha sobre o nada acreditou que uma multidão, apoiada por caminhoneiros arruaceiros, teria o condão de reverter a decisão do Congresso pelo voto eletrônico, substituir juízes da corte constitucional e instalar uma nova era no poder.

O sol nasceu no dia 8 com o presidente da República diante de duas vias: ou honrava a sua palavra da véspera e encarava o impeachment —como bem frisou o ministro Luiz Fux, ecoando a convicção de 3 em cada 4 brasileiros—, ou se desmoralizava, trocando o dito pelo não dito, na tentativa de sobrenadar. Agarrou-se à segunda opção.

Sob a Carta de 1988, a alternativa do mandatário ao cumprimento da regra constitucional é a queda. Bolsonaro não está obrigado a concorrer à reeleição, mas, se o fizer, irá se submeter ao processo de votação e apuração eletrônico, sob a arbitragem neutra dos magistrados legitimamente escolhidos para conduzir a Justiça Eleitoral.

Caso sobrepuje seus adversários em votos, será empossado em 1º de janeiro de 2023 para novo mandato. Se perder, como hoje indica o Datafolha, volta para casa. Nessa hipótese sairá derrotado, não morto ou preso, do Palácio do Planalto.

O trabalho de reverter a impopularidade, ademais para um presidente incapaz como Bolsonaro, não será fácil. Passa por oferecer melhores condições de vida e de futuro à maioria dos brasileiros.

A miragem inebriada de que poderia haver um atalho se desfez na ressaca cívica que se seguiu ao 7/9.

A tarefa de cada um

Folha de S. Paulo

Caberá à Câmara e ao Ministério Público dar sequência a trabalho da CPI da Covid

De grão em grão, o avanço da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as ações do governo Jair Bolsonaro no enfrentamento da Covid-19 vai criando novos constrangimentos para o mandatário.

Na quarta (15), os senadores decidiram convocar sua ex-mulher Ana Cristina Valle para depor, a fim de esclarecer ligações detectadas entre ela e um lobista envolvido com empresa que tentou vender vacinas ao Ministério da Saúde.

Ouvido pela CPI no mesmo dia, o advogado Marconny Albernaz de Faria foi questionado sobre a amizade com Ana Cristina e um dos filhos do presidente, Jair Renan, e sua atuação em favor da Precisa Medicamentos, alvo de buscas da polícia na sexta (17).

Seria apenas mais um dos atravessadores que há meses consomem as energias da comissão, não fossem os riscos criados pela sua proximidade com o atribulado círculo familiar do chefe do Executivo.

Ana Cristina é um dos alvos das investigações sobre o esquema das rachadinhas, que assombram o presidente e seus filhos, e também chamou atenção recentemente ao se mudar com o filho para uma mansão em Brasília, cujo aluguel não se sabe como é pago.

Em outra frente, os senadores obtiveram um dossiê estarrecedor que acusa a operadora de planos de saúde Prevent Senior de esconder do público a morte de sete pacientes tratados com cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada que Bolsonaro promoveu.

A poucas semanas da data prevista para o encerramento de suas atividades, é improvável que a CPI tenha condições de esclarecer todos os indícios de desmandos com que se defrontou ao escrutinar as relações do Ministério da Saúde com seus fornecedores.

Mas ela cumpriu um papel essencial com esses esforços, dada a complacência com que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o procurador-geral da República, Augusto Aras, tratam os desatinos de Bolsonaro.

A CPI já acumulou evidências suficientes para demonstrar a negligência de Bolsonaro e seus auxiliares na gestão da crise sanitária, e um grupo de juristas liderado pelo ex-ministro Miguel Reale Júnior apontou crimes de responsabilidade cometidos pelo mandatário.

Ainda que conclua suas investigações deixando mais pontas soltas do que seria desejável, a comissão aumentará a pressão para que outras instituições encarregadas de fiscalizar o presidente se mexam.

Desigualdade digital

O Estado de S. Paulo

É fundamental reduzir o enorme contingente de brasileiros excluídos da vida digital. O contrário significa aceitar que milhões vivam à margem da plena cidadania

A falta de acesso estável à internet é mais um reflexo da brutal desigualdade socioeconômica que separa ricos e pobres no Brasil de uma forma tão avassaladora que os faz parecer filhos de pátrias distintas.

Um estudo elaborado pela consultoria PwC, em parceria com o Instituto Locomotiva, revelou que apenas 29% das pessoas acima de 16 anos no País, cerca de 49,4 milhões de brasileiros, estão “plenamente conectadas” à internet, o que significa ter acesso “a qualquer tempo” e não experimentar problemas graves de instabilidade na conexão. No extremo oposto, há 33,9 milhões de pessoas, ou 20% da população, que nem sequer têm acesso à internet para poder reclamar da qualidade da conexão. Entre eles, há os “subconectados” (25% da população, ou 41,8 milhões de pessoas), que têm algum meio para acessar a internet, mas se conectam de forma “intermitente”, e os “parcialmente conectados” (26% da população, ou 44,8 milhões de pessoas), que se conectam à internet durante “a maior parte do tempo” em um dispositivo de boa qualidade.

A chamada desigualdade digital é extremamente prejudicial para a renda das famílias. O estudo da PwC e do Instituto Locomotiva revelou que, se os mais pobres tivessem a mesma qualidade de acesso à internet que têm os mais ricos, sua renda poderia dar um salto de 15,3%. Vale dizer, encurtar a distância que os separa hoje significaria colocar em circulação mais de R$ 75 bilhões. Enquanto os “desconectados” têm renda média de R$ 1.413, os “plenamente conectados” recebem R$ 3.530. Já os “subconectados” ganham, em média, R$ 1.933. E os “parcialmente conectados”, R$ 2.229 mensais.

O quadro da desigualdade digital é particularmente agravado pela pandemia de covid-19, tendo afetado, sobretudo, os mais jovens. Durante tempo demasiado longo, as escolas permaneceram fechadas na maior parte do País, o que obrigou alunos e professores a se adaptarem ao ensino remoto. Neste processo de adaptação, além das dificuldades naturais impostas pela própria mudança dos métodos pedagógicos, muitos alunos ficaram para trás porque simplesmente não tinham meios para assistir às aulas online. Sabe-se, por diversos outros estudos, que os níveis de educação também estão diretamente ligados à renda. Diante desta dupla “punição” aos mais vulneráveis – risco sanitário e risco socioeconômico –, há quem defenda, como faz a professora da London School of Economics Ellen Helsper, que o acesso à internet seja considerado um “direito fundamental”. “A pandemia mostrou que nem todos têm acesso igual às tecnologias e que a internet não é um luxo, mas algo fundamental”, disse Helsper ao Estado.

Implementar políticas públicas que contornem este problema de múltiplos desdobramentos, portanto, é fundamental. O Congresso fez sua parte, ao aprovar no início deste ano um projeto de lei que destinou R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) aos Estados e municípios a fim de que os entes subnacionais invistam no acesso à internet para alunos e professores da rede pública de ensino. O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto alegando que não havia “espaço no Orçamento” para o gasto. Sabe-se muito bem que, quando se trata de assuntos de seu interesse, Bolsonaro não deixa faltar recursos orçamentários por falta de “espaço”. Em boa hora, o veto presidencial foi derrubado tanto pela Câmara (419 votos a 14) como pelo Senado (69 votos a zero).

Não é exagero dizer que o exercício da cidadania se dá em boa medida por meio do acesso à internet. “Na prática, a digitalização (da vida) é o novo português, e (sem garantir acesso à internet) estaremos excluindo diversas pessoas se nada for feito”, disse Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.

Fica evidente, conforme o estudo da PwC e do Locomotiva, que a inclusão digital tem relação direta com a renda dos indivíduos. Outros estudos também já mostraram que é estreita a ligação entre conectividade e níveis de educação. É fundamental, portanto, reduzir o enorme contingente de brasileiros excluídos da vida digital. O contrário significa aceitar que milhões vivam à margem da plena cidadania.    

Um improviso desastroso

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro decide ampliar a ajuda social sem ter estudado de onde tirar o dinheiro

Incapaz de planejar e de administrar, o presidente Jair Bolsonaro recorreu mais uma vez a um improviso infeliz, determinando um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para cobrir a ampliação do Bolsa Família. Ao encarecer o crédito, já pressionado pela alta dos juros básicos, ele cria mais um entrave à recuperação da economia e do emprego. O programa ampliado, uma evidente bandeira eleitoral, deve entrar em vigor em novembro, provavelmente rebatizado como Auxílio Brasil. O ganho de receita previsto com a elevação do imposto é estimado em R$ 2,14 bilhões, uma sangria inoportuna e desnecessária.

O Tesouro gasta muito mais que esse valor com a distribuição de benefícios a políticos do Centrão, em troca de apoio parlamentar ao presidente da República. Com o orçamento secreto criado neste ano, o esquema de emendas do relator facilitou a liberação de cerca de R$ 3 bilhões a esses apoiadores. Foi essa a origem do chamado “tratoraço”, dinheiro aplicado, segundo a Controladoria-Geral da União, em equipamentos superfaturados. Os benefícios previstos para o próximo ano poderão ser bem maiores, principalmente por meio do fundo eleitoral.

Sem se dispor seriamente a podar esses benefícios, o presidente prefere recorrer a outros meios, como o aumento do IOF, para financiar seus esforços eleitoreiros. No próximo ano o dinheiro para o novo Bolsa Família poderá ser garantido pela chamada reforma do Imposto de Renda. Já aprovada na Câmara dos Deputados, essa reforma, muito polêmica, deve ainda ser votada no Senado, onde há resistências ao projeto.

O Bolsa Família tem sido um importante canal de transferência de renda aos mais pobres. Tendo mostrado desprezo, por muito tempo, a esse tipo de programa, Jair Bolsonaro mudou de atitude, quando começou a encarar o auxílio aos pobres como alavanca eleitoral. Sua percepção pode ter começado a mudar no ano passado, mas de forma lenta. O auxílio emergencial foi reduzido, em 2020, a partir de setembro. Com sua suspensão, entre janeiro e março, milhões ficaram sujeitos à fome. A ajuda recomeçou em abril, mas num quadro de alto desemprego, condição pouco alterada nos últimos meses.

De jogada em jogada, o presidente vai tentando cuidar da reeleição, mas sem planejamento e sem assumir, de fato, as funções administrativas. As perspectivas financeiras do poder central permanecem obscuras, porque também a equipe econômica tem falhado na definição de roteiros e de etapas para seu trabalho. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta adiar o pagamento de parte dos precatórios, uma despesa de R$ 89,1 bilhões por ele descrita como um meteoro inesperado. Além disso, ninguém sabe como estará o projeto orçamentário quando os congressistas o aprovarem. Não haverá surpresa se o Executivo entrar em 2022 sem Orçamento aprovado ou com uma programação financeira estraçalhada no Parlamento.

Com alguma segurança, pode-se apostar, por enquanto, nos efeitos danosos do aumento do IOF, previsto para valer até o fim deste ano. As condições de crédito já têm piorado. Para deter a inflação, agravada pela irresponsabilidade do presidente Bolsonaro, o Banco Central tem elevado e deve continuar elevando os juros básicos. As incertezas criadas em Brasília também provocam temores no mercado e empurram para cima o custo do dinheiro. A isso se acrescentará, a partir de agora, o aumento de imposto determinado por Bolsonaro.

Esse aumento ocorre quando as pequenas empresas já enfrentam enormes dificuldades e os consumidores já fazem malabarismos para cuidar de suas dívidas. Em agosto, 72,9% das famílias estavam endividadas, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Esse número, um recorde, é bem maior que o de um ano antes, 67,5%. A parcela de inadimplentes diminuiu ligeiramente nesse período, de 26,7% para 25,6%, mas continuou muito grande. Ainda em agosto, 10,7% das famílias informaram ser incapazes de pagar suas dívidas. Se alguém tivesse contado esses fatos ao presidente, isso teria feito alguma diferença?

Déficit de credibilidade

O Estado de S. Paulo

Política muito tensa e Orçamento incerto elevam insegurança dos investidores

Incerteza política, insegurança econômica e um Orçamento sujeito a muita barganha e muita mudança emperram os cálculos, quando se tenta prever como ficarão as contas do governo e a dívida pública no próximo ano. Inflação acelerada, câmbio instável e tensão permanente em Brasília tornam opaco o cenário, embora a equipe econômica prometa conter gastos e impor disciplina às finanças federais. Se as promessas e previsões oficiais se confirmarem, as despesas do poder central serão reduzidas a 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, proporção inferior à estimada para 2021 (19%) e àquela alcançada em 2018 (19,3%), final do mandato presidencial anterior. Enquanto o ministro Paulo Guedes insiste em apresentar esse quadro, sobem os juros futuros e cresce o temor de um ano muito difícil.

Para entregar o resultado fiscal prometido, a equipe econômica dependerá de muito vento a favor. Crescimento econômico de 2,51%, inflação oficial de 3,5% e juros básicos de 6,63% são condições previstas no projeto de Orçamento enviado ao Congresso. Nenhuma dessas condições está no horizonte do mercado. O PIB crescerá 1,72% em 2022, segundo projeção citada no boletim Focus do Banco Central (BC). O boletim aponta inflação de 4,03% e juros básicos de 8% entre o fim deste ano e o do próximo.

Expectativas bem piores já foram anunciadas por alguns dos maiores bancos e algumas das consultorias de maior peso. Essas instituições já baixaram para menos de 1% – e até para 0,5% e 0,4% – a expansão econômica estimada para 2022. Além disso, juros acima de 8% entraram no quadro das possibilidades, quando o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reforçou o compromisso de fazer o necessário para conduzir a inflação à meta, fixada em 3,5% para o próximo ano e em 3,25% para o seguinte. Isso pode resultar em juros próximos de 9%.

Dinheiro bem mais caro pode frear a alta de preços, se nenhum desastre intensificar as pressões inflacionárias, e pode contribuir também para a acomodação do câmbio. Mas crédito caro tende a atrapalhar os negócios, o crescimento econômico e a criação de empregos. Além disso, juros mais altos complicam a captação de recursos pelo Tesouro, encarecem a dívida pública e dificultam o controle do endividamento.

A saúde das contas públicas e a capacidade do Tesouro de liquidar seus compromissos são acompanhadas com atenção dentro e fora do País. Além disso, o endividamento do setor público brasileiro chama a atenção por ser proporcionalmente bem maior que o da maior parte dos outros emergentes. Segundo o BC, a dívida bruta do governo geral, onde se incluem os três níveis da administração mais a Previdência, passou de 88,8% do PIB em dezembro de 2020 para 83,8% em junho. Mas vários fatores podem frear e até inverter essa tendência. A escalada dos juros e a redução do crescimento econômico são alguns dos mais visíveis.

Além disso, a redução do endividamento em relação ao PIB em nada melhora a imagem do Brasil, quando se passa às comparações internacionais. Pelos critérios contábeis seguidos internacionalmente, a dívida brasileira passou de 91% do PIB no segundo trimestre de 2020 para 91,9% no segundo de 2021. No mesmo intervalo, o endividamento médio dos emergentes subiu de 60% para 62,4% do PIB. A diferença de quase 30 pontos em relação ao caso brasileiro certamente chama a atenção dos analistas e dos investidores.

As diferenças também são muito grandes quando as comparações envolvem regiões diferentes. Na Europa emergente, por exemplo, a relação dívida/PIB aumentou de 34,9% para 36,9% nesse período. Na América Latina, a média recuou de 72,5% para 66,5%. Na África e no Oriente Médio houve piora, de 49% para 54,5%. Na Ásia, o indicador cresceu de 62,9% para 66,7%.

O Brasil aparece mal nas comparações com todos esses conjuntos de países. Mas o grau de endividamento é muito menos importante, na avaliação dos investidores e financiadores, do que a credibilidade dos governos. Nesse quesito, como ficaria um governo que é chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro?

Bolsonaro tem chance de reparar imagem do Brasil

O Globo

Na terça-feira, quando o presidente Jair Bolsonaro abrir a sessão anual da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), os olhos do mundo se voltarão momentaneamente para o Brasil. O que verão provavelmente não será agradável. Desgraçadamente, a profecia do ex-ministro das Relações Exteriores bolsonarista Ernesto Araújo vai se confirmando. Quando ainda tinha lugar na Esplanada em 2020, Araújo declarou que, se a atuação do país “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

Na semana passada, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, citou o Brasil na lista dos países que a preocupam. Dois dias depois, a ONG Human Rights Watch emitiu comunicado dizendo que Bolsonaro põe em risco os pilares da democracia brasileira com campanhas de intimidação do Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaças às eleições em 2022. Para não falar nos juristas que pretendem encaminhar ao Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, as denúncias contra Bolsonaro apuradas pela CPI da Covid. O mundo, que já enxerga Bolsonaro como um “piromaníaco” a queimar a Floresta Amazônica, passa aos poucos a vê-lo também como “tirano genocida”.

Em 2019, Bachelet já mencionara o “encolhimento do espaço cívico e democrático” no Brasil. Desta vez citou como alvo de sua aflição a situação dos povos indígenas e o projeto do governo para a nova lei antiterrorismo. “No Brasil, estou preocupada com os ataques recentes contra integrantes dos povos ianomâmis e mundurucus por garimpeiros ilegais na Amazônia”, disse.

Também fez apelos para que o Brasil não se retire da Convenção Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Vigente no Brasil desde 2004, essa “convenção indígena” trata dos direitos dos povos originários, como autodeterminação e proteção de seus territórios. Um Projeto de Decreto Legislativo em tramitação no Congresso autoriza Bolsonaro a “denunciar” a convenção e retirar o país.

Ela ressaltou, por fim, o perigo que correm as liberdades individuais no país. “Meu órgão também está preocupado com a nova proposta de legislação antiterrorista no Brasil, que inclui disposições excessivamente vagas e amplas que apresentam riscos de abuso, particularmente contra ativistas sociais e defensores dos direitos humanos”, disse em referência ao projeto bolsonarista que tramita na Câmara.

Ao responder à crítica de Bachelet no ano passado, Bolsonaro teve a desfaçatez de ofender o pai dela, general de brigada da Força Aérea chilena que se opôs ao golpe de Augusto Pinochet, foi torturado e morto. É essencial compreender que, ao contrário da esquerda brasileira, ela não tem dado descanso às ditaduras esquerdistas. Seu relatório contra o regime de Nicolás Maduro é devastador e deveria ser lido por todos aqueles que desejam entender a situação real da Venezuela.

Faria bem Bolsonaro se decidisse, inspirado pela carta escrita com o ex-presidente Michel Temer, dar meia-volta também nos temas ligados a meio ambiente e direitos humanos. Se conseguir mostrar ao mundo seu lado “Jair Peace and Love”, talvez começasse a reverter os danos que seu governo causou ao país na cena internacional. É improvável que convencesse a todos, mas seria, pelo menos, um começo.

Capital de risco destinado a startups digitais bate recorde

O Globo

O ano de 2021 deverá ficar marcado pela consolidação do Brasil como integrante ativo do movimento de inovação global. O melhor indicador disso é o total captado em capital de risco pelas startups brasileiras. De janeiro a agosto, o montante chegou a US$ 6,6 bilhões, mais de 80% do registrado em todo o ano passado, segundo a plataforma de inovação Distrito. A previsão é que o capital de risco investido nas startups brasileiras feche o ano entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões.

Como ocorreu noutros países, no Brasil a pandemia acabou fazendo o papel de um indutor acidental da digitalização. Aumentou a demanda por serviços oferecidos por startups e, ao mesmo tempo, pressionou companhias tradicionais a acelerar a inovação. Isso resultou também no aquecimento do mercado de fusões e aquisições (a fase seguinte dos negócios embrionários das startups).

O maior interesse de estrangeiros, favorecido pela alta do dólar, também pesou. A MadeiraMadeira, varejista digital de produtos para casa, recebeu em janeiro aporte de um fundo liderado pelo conglomerado japonês SoftBank, chefiado por Masayoshi Son, maior investidor global em startups. No Brasil há menos de três anos, o SoftBank já detém participações em várias empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, conhecidas no ramo pelo termo “unicórnios”. No ranking de países por número de unicórnios, o Brasil aparece em oitavo lugar, ainda distante da Índia, terceira colocada depois dos Estados Unidos e China, mas já colado em Israel e Coreia do Sul.

Por muito tempo, o setor de tecnologia brasileiro era acusado de apenas copiar boas ideias executadas no exterior e tropicalizá-las, prática vista com certo desdém. Originais ou não, essas adaptações muitas vezes ajudaram o país a aumentar sua produtividade.

Recentemente o setor de tecnologia deu um salto ao pensar em inovações para o Brasil e, a partir delas, ganhar mercados externos. É o caso do banco digital Nubank ou da plataforma para controle de gestão de negócios Pipefy.

O crescimento dos investimentos tende a gerar benefícios em série. Com mais dinheiro, as startups aumentam as chances de crescer e atraem melhores profissionais. Notícias de captações milionárias motivam um número maior de empreendedores a identificar lacunas no mercado, a pensar na criação de startups para explorá-las e a sair em busca de capital de risco.

Na nova onda das startups, chama a atenção a ausência da ação de lobbies em favor de linhas de crédito subsidiadas e de proteção do mercado doméstico contra a competição internacional, tão comuns em outros setores da economia brasileira. A receita é baseada em empreendedorismo, inovação, capital de risco e competição. Boa parte das startups não sobreviverá por muito tempo, mas isso faz parte do jogo. É o capitalismo do século XXI vicejando no Brasil. Se essa efervescência já brota sob um governo incapaz e condições econômicas inóspitas, dá para imaginar como seria o país com um ambiente mais acolhedor para negócios.


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