Correio Braziliense / Estado de Minas
O Palácio do Planalto faz
mistério sobre o roteiro político do presidente da República na ONU, mas o
próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades
A tradição é o Brasil ser o primeiro país a
se manifestar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), desde
1955, logo após os discursos de abertura do presidente da Assembleia e do
secretário-geral da Organização. Nos últimos 65 anos, essa ordem somente não
foi seguida três vezes. “Certos costumes surgiram durante o debate geral,
incluindo o costume da ordem dos primeiros oradores”, explica a própria ONU.
Nossos presidentes da República gostam de comparecer à abertura dos trabalhos
do mais importante organismo de cooperação e governança global. Trata-se de uma
vitrine para o mundo, um momento de reconhecimento e demonstração de prestígio
internacional para o nosso país.
Entretanto, Bolsonaro está no pior momento
de seu governo para a opinião pública nacional e internacional. Decidiu
comparecer à abertura da Assembleia Geral, na terça-feira, para dizer algumas
“verdades” sobre o país. Viaja, neste domingo, acompanhado pela primeira-dama,
Michelle, e chegará “causando” porque, até hoje, não se vacinou contra a
covid-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de
Nova York, cidade onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de
pessoas não vacinadas.
A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia Geral. Porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da covid-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na metrópole.
O projeto final do belíssimo prédio da sede
da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada
por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer com a colaboração de Le
Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às
margens do Rio East, em terrenos comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5
milhões e doados por seu herdeiro à administração local. Era um antigo
matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao
definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas em vez de
um só edifício, como propôs Le Corbusier.
O Secretariado foi erguido às margens do Rio
East, tendo a Assembleia Geral logo à direita, criando uma ampla praça cívica
na frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes
artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e
Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations
Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas,
foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto
(era acusado de ser comunista), por causa da Guerra Fria, voltou para o
Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.
Refúgio
Bolsonaro poderá circular pelo prédio da
ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade.
Não chega a ser um problema. O presidente da República gosta de ambientes
populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova
York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, rua entre a 5a e a 6a
Avenidas, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil,
Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha,
além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no
Samba Kitchen & Bar. Fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklyn, a US$ 45
por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.
Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio
do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o
próprio nos deu uma dica, na semana passada: “Podem ter certeza, lá teremos
verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos
verdadeiramente para o mundo”, disse. Na última sexta-feira, nosso presidente
não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento
online promovido pelo presidente Joe Biden como preparação da Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre
os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e
do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.
Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a
abertura da Assembleia Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe
de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países
emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista,
um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu
negacionismo em relação à pandemia da covid-19, à grave crise hídrica e ao
desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e a atual
instabilidade política que criou.
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