O bolsonarismo existe independente do presidente Bolsonaro. Um dia, como todo ser humano, o presidente se acaba; mas a tropa que ele formar, não
Agora, as vítimas da hora são os adolescentes. Em
alguns países, já estão imunizando crianças de 2, 3 anos. Mas, no Brasil, o
presidente telefonou para o ministro da Saúde e perguntou que negócio é esse de
vacinar menores de idade. O ministro comunicou imediatamente à nação a decisão
do chefe. O povo, sobretudo quem tem filhos, ficou perplexo, sem saber o que
fazer. Estava indo tão bem!
O presidente tinha que intervir, evitar que a paz reinasse por muito tempo entre nós. Nem todo mundo havia percebido que aquela confissão de arrependimento, confusa e pouco confiável, era uma candente reafirmação do estilo Bolsonaro de ser. Ou, se você prefere, uma reafirmação da política bolsonarista, do bolsonarismo malgré lui-même.
O bolsonarismo existe independente do presidente
Bolsonaro. Um dia, como todo ser humano, o presidente se acaba; mas a tropa que
ele formar, não. A “direita selvagem” está na moda no mundo inteiro e, com seu
apoio, ela pode se organizar no Brasil. Menos pelo que diz o presidente, mais
por como diz, o que atrai seus eleitores de 2022 — o desrespeito pelos pobres,
o enjoo do que considera raça inferior, a euforia dos condenados de Deus e
muito baixo nível. Se o presidente, no ano que vem, for vencido por um político
de direita, de esquerda ou mais ou menos, não importa. Ele deixa, bem formulado
e em funcionamento social, o bolsonarismo, sua criação pessoal.
Quando o vizinho rir-se da preocupação do outro com o vírus, quando inimigos
políticos estiverem autorizados a resolver seus desencontros na porrada, quando
gente nas ruas agitar cartazes em defesa do silêncio obrigatório dos
adversários, estaremos diante de uma vaga que sempre existiu no Brasil e que
finalmente se organizou. Estaremos diante da “direita selvagem”, movimento
ideológico e mágico que sempre esteve por perto, mas nunca teve consciência de
como era numeroso. E a “direita selvagem”não tem classe social, ela pode ir do
general que jura que não houve ditadura no Brasil porque, se tivesse havido,
você não estaria aqui, até o primo remediado que, depois do uísque que você
ofereceu, balança o gelo com autoridade e elogia Adolf Hitler e Joseph Stalin,
uns senhores que bem sabiam o que era bom para seus países e os fizeram
crescer.
sse Brasil de verdade se formou com a União Ibérica,
na segunda metade do século XVI, quando Portugal e Espanha se tornaram uma
coisa só e, em nosso continente sem fronteiras, os bandeirantes iam à toda,
massacrando ou escravizando os indígenas que encontravam no caminho. Quando, em
meados do século XVII, Portugal voltou a ser autóctone, caiu no colo da
Inquisição, usando o papa como avalista de seu valor, escondendo assim as
barbaridades do século anterior. A civilização que descrevia era uma criação
dos bancos europeus que financiavam a colonização, sem molhar suas sandálias na
lama do Novo Mundo. Um projeto hoje aperfeiçoado pelas fakenews tecnológicas e pelo
que mais inventarem Donald Trump e sua turma, dissolvendo a fronteira entre a
mentira e a verdade. Foi assim que os bolsonaristas levaram ao sacrifício mais
de meio milhão de brasileiros vítimas da Covid.
A partir do século XIX, o Brasil foi sendo reinventado
pela monarquia local e pela Europa,como o lugar da alegria e da felicidade
eternas, do eterno carnaval. Depois de tanta guerra e destruição, eles
precisavam mesmo construir uma ilusão qualquer e, a cada decepção, o Brasil se
torna novamente o país do futuro, lenda difundida na Europa moderna para
consumo deles mesmos. Tal babaquice me cheira a astúcia do bolsonarismo, mas
não garanto nada. Só quero saber para onde eles vão depois de Bolsonaro.
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